Fracassou a tentativa do xenófobo-em-chefe Matteo Salvini de levar seu partido extremista, a Liga, ao poder na região de Emilia-Romana, cuja capital é a cidade de Bolonha. Eleição em que ele jogou todas as fichas, na expectativa de enfraquecer o governo de coalizão Democrático-5Estrelas e de arrancar uma antecipação da eleição nacional.

A massiva manifestação das “sardinhas” na véspera da eleição, ao som do hino antifascista ‘Bella Ciao”, já demarcara o que acabou se vendo nas urnas. A participação nas eleições quase dobrou em relação à última eleição, permitindo a recondução de Stefano Bonaccini, do PD, por 51,4% a 43,6% da candidata de Salvini, Lucia Borgonzoni. A candidata do 5 Estrelas, Simone Benini, ficou em um distante terceiro lugar, com 3,4%.

A participação na eleição foi de 67,6%, 30 pontos percentuais a mais do que nas eleições regiões anteriores nos anos recentes – sem dúvida, o “efeito sardinha”.

Como registrou o jornal La Repubblica, Salvini havia feito da votação em Emilia Romana “quase um referendo sobre seu futuro político” – tendo ali passado semanas fazendo campanha. Depois teve que se ajeitar como pôde “para minimizar a derrota pessoal”. “Pela primeira vez em 70 anos, houve um jogo”, remendou.

 

“UM ENORME OBRIGADO”

 

Bonaccini comemorou a reeleição, acrescentando que “a arrogância (de Savini) nunca paga”. Ele respondeu ao mantra da campanha da Liga: “libertar a Emilia-Romana”. “Nós – disse Bonaccini – já fomos libertados há 75 anos”.

Desde a derrubada de Mussolini e fim da II Guerra, a região sempre fora governada por forças de esquerda, primeiro os comunistas italianos e depois o Partido Democrático.

Sorridente, o secretário nacional do PD, Nicola Zingaretti, foi ao ‘x’ da questão: “Salvini perdeu”. Ele fez questão de agradecer: “um enorme obrigado às Sardinhas”.

Aos repórteres, ele assinalou que o primeiro tema agora “é implementar todas as ações para reiniciar a Itália”. “Chegou um sinal de Emilia Romana: Salvini pode enunciar problemas, mas não pode resolvê-los e as pessoas reagiram. Salvini perdeu e o governo está fortalecido. Espero que o 5Estrelas decida qual lado tomar”.

Vitória também comemorada pela ministra da Agricultura, Teresa Bellanova: “em agosto, derrotamos Salvini no Parlamento, hoje à noite com a votação em Emilia Romana o derrotamos nas urnas”.

A referência a agosto se trata do rompimento entre o então governo de coalizão 5 Estrelas- Liga por Salvini, com a pretensão de causar a queda do governo e antecipação das eleições, apostando na repetição do resultado esfuziante nas eleições ao parlamento europeu. Tiro que saiu pela culatra quando o 5Estrelas e o PD constituíram um governo de coalizão e deixaram Salvini a ver navios.

O crescimento de Salvini e sua Liga havia se dado no vácuo criado pela deriva neoliberal dos democratas às políticas de Berlusconi e da Troika, e com a persistente crise na Itália servindo para cevar tipos ainda mais sinistros, como os “Fratelli” indisfarçavelmente neofascistas.

Na Calábria, uma preposta de Berlusconi, Jole Santelli, que disputou em aliança com a turma de Salvini e outros obscurantistas, venceu a eleição regional local por 55,3% a 30,1% de Pippo Callipo, do PD. A abstenção foi alta, mas praticamente a mesma da eleição de 2014: em torno de 56%.

 

SARDINHAS x TUBARÕES

 

O movimento das sardinhas surgiu em novembro nas redes sociais e pegou no breu, possibilitando alargar a campanha anti-Liga para além do estreito círculo em que reformas como a malsinada “Jobs Act” de Matteo Renzo haviam acuado as forças populares, ao cortar direitos, arrochar salários e facilitar demissões.

Como tantas coisas na internet, a ideia de que sardinhas comuns espremidas são “muitos mais” que a meia dúzia de tubarões que infestam as águas turbulentas da Itália, representada num desenho à mão, viralizou.

Em dezembro, o movimento dos Sardinhas se espalhou pela Itália, com suas convocatórias às pessoas comuns, especialmente os jovens, pelas redes sociais, para fazerem a sua parte para deter a ascensão da extrema-direita, da intolerância e do racismo na Itália.

O movimento ganhou a simpatia da população ao conseguir, pelas redes sociais, realizar uma manifestação em Bolonha, capital da região de Emilia Romana, que juntou mais gente no mesmo dia do primeiro comício de Salvini na cidade.

Na manifestação em Roma de dezembro, dois participantes explicaram ao El País porque estavam no ato. “Estamos aqui porque queremos defender certos valores que alguns querem eliminar, valores que rejeitam o fascismo e defendem a tolerância e a igualdade. Estamos aqui para dizer que não gostamos da política do ódio, que gostamos da política que olha para o futuro, que acolhe e não fecha as portas a ninguém”, disse disse Rodolfo, natural da Bolonha, que estava acompanhado da esposa e dos dois filhos.

As pesquisas chegaram a dar o candidato de Salvini à frente nas eleições de Emilia Romana – e a Liga já vencera na Úmbria.

Como explicou um dos iniciadores dos “Sardinhas”, Mattia Santori, 32 anos, o movimento busca demonstrar sua oposição às forças retrógradas que ganham fôlego na Itália na esteira de uma década de estagnação econômica e corte de direitos, com um discurso contra a imigração, a tolerância e a democracia.

No ato de Roma, um deputado do PD, Pietro Bartolo, de Lampedusa, local onde Salvini mais demonstrou seu extremismo, havia conclamado: “A Itália não é ódio, discriminação ou desigualdade, a Itália somos nós, as sardinhas que acreditamos em um futuro melhor, em valores como amor, respeito ou direitos humanos. Devemos resistir, não podemos permitir que a democracia seja violada”.

Ali ele também defendera que “salvar vidas humanas no mar é um dever, é uma obrigação”, em denúncia de uma das principais formas de Salvini de ganhar notoriedade e votos: o de proibir o acesso a portos italianos de navios de resgate humanitário com náufragos tirados do Mediterrâneo e oriundos de países deixados no bagaço pela colonização e a pilhagem pós-colonial.