O economista e colunista da CNN, Jeffrey Sachs, afirmou em que “a grande mentira do governo Trump é que a China é a causa dos problemas da América” e advertiu sobre a escalada em curso de Washington a pretexto da pandemia de Covid-19.

“Trump é o atual senador Joseph McCarthy, que usa mentiras e insinuações para assustar os americanos até à submissão”, sublinhou Sachs, que é professor e diretor do Centro pelo Desenvolvimento Sustentável da Columbia University, de Nova Iorque.

É dele também a afirmação de que a política de Trump ‘America Primeiro’ “nos pôs em primeiro em mortes no mundo, com dezenas de milhares de vidas desperdiçadas como resultado”.

Como Sachs observa, o meme – “A China é a causa dos problemas dos EUA” – tem funcionado por um tempo, já que joga na presunção norte-americana de que “se a China está tendo sucesso, deve estar trapaceando”.

De forma piedosa, ele não faz referência à raiz evidentemente racista de tal “presunção”, que tem base na história norte-americana e, quanto a Trump, em sua trajetória pessoal.

Como parte dessa escalada de mentiras, “Trump e seus aliados de direita” passaram a alegar que a pandemia do Covid-19 foi o “resultado de um vazamento acidental de um laboratório biológico chinês” e que o ‘encobrimento’ da China bloqueou “uma resposta global eficaz”.

Como observou Sachs, as descobertas ainda secretas das agências de inteligência Five Eyes (EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá) “derramam água fria nesta alegação”, assim como “o maior especialista em doenças infecciosas de Trump, Dr. Anthony Fauci”.

Sobre as declarações do secretário de Estado Mike Pompeo de “uma quantidade significativa de evidências de que isso [o coronavírus] veio daquele laboratório em Wuhan”, Sachs alertou que poderiam “empurrar o mundo para o conflito, assim como as mentiras do governo Bush sobre armas de destruição em massa no Iraque empurraram os EUA para a guerra em 2003”.

O economista classificou de “temerárias e perigosas” essas acusações do governo Trump e do senador Tom Cotton do Arkansas [que apresentou projeto de sanções contra a China sob pretexto do coronavírus].

Sachs assinalou que o fato de essas alegações do governo Trump estarem sendo derrubadas pelas próprias agências de inteligência e pelas análises científicas independentes, “faz lembrar o fim da era McCarthy”.

“Trump é o atual senador Joseph McCarthy, que usa mentiras e insinuações para assustar os americanos até à submissão”, afirmou Sachs.

Ele lembrou que o notório advogado de McCarthy, Roy Cohn, “que era um mentiroso patológico, foi advogado e mentor de Trump”.

“McCarthy não conhecia limites para sua mentira, e até mesmo alegou que o exército dos EUA era brando com os comunistas. O Exército expôs as mentiras de McCarthy, e em palavras imortais, o advogado do Exército, Joseph Welch, encerrou a carreira de McCarthy. “Até este momento, senador, acho que nunca medi sua crueldade ou sua temeridade… O que você fez já basta. Você não tem senso de decência?”

Sachs destacou que as acusações dos trumpistas contra a China “não fazem sentido”. “Primeiro, alguns direitistas dos EUA alegaram que o coronavírus poderia ter sido uma arma biológica chinesa, uma alegação que foi rapidamente derrubada pelos cientistas analisando o vírus. Então eles acusaram que o vírus foi acidentalmente vazado do Instituto de Virologia de Wuhan, com um subsequente encobrimento”.

Isso também é ilógico, notou o economista. Ele registrou que o vírus “estava em circulação em Wuhan por semanas, e eventualmente matou milhares de chineses”. Na confusão da época, as autoridades de Wuhan “organizaram um grande evento de Ano Novo em 18 de janeiro que espalhou o vírus”.

“Por que as autoridades chinesas fariam isso se soubessem e estivessem encobrindo um vazamento de um laboratório de várias semanas antes?”, questionou.

“A resposta real é quase certamente que eles ainda estavam na neblina da guerra contra o novo vírus”, enfatizou.

Na verdade, “nem a biologia nem a cronologia” apoiam a história de vazamento do laboratório.

“Biólogos observam que o laboratório de Wuhan nem sequer tinha o vírus Covid-19 em estudo. O vírus é de um tipo que se origina em morcegos, mas o Covid-19 pode ter tido um hospedeiro de mamíferos intermediários, talvez um que foi negociado no mercado animal vivo de Wuhan implicado na maioria dos casos com início antes de 1º de janeiro de 2020. O mercado de Wuhan foi fechado em 1º de janeiro após o surto inicial.”

Sachs também analisou a alegação do governo e a mídia de direita de que a China “encobriu o surto de forma mais geral durante semanas” e enumerou a cronologia que a desmente cabalmente.

Os médicos em Wuhan observaram pela primeira vez casos incomuns de pneumonia viral “em meados de dezembro”. Autoridades de saúde de Wuhan notificaram o escritório da Organização Mundial da Saúde na China “em 31 de dezembro”. A agência de saúde da China ligou para o CDC dos EUA “em 3 de janeiro”. O genoma foi totalmente seqüenciado e publicado online “em 11 de janeiro”, e Wuhan foi bloqueado em “23 de janeiro”.

Como sublinha Sachs, dada a “inevitável confusão inicial” sobre uma nova doença que nunca tinha sido vista antes, “essa é uma linha do tempo rápida”.

Quanto a possíveis erros, Sachs lembrou os avisos sobre um novo surto do Dr. Li Wenliang em 30 de dezembro – que viria a morrer de Covid-19 -, da pressão de parte do governo local e de como o governo chinês reviu o caso e passou a considerar a atuação dele contra o surto exemplar.

Outro erro no entender de Sachs foi a espera, pelas autoridades chinesas, até 20 de janeiro para declarar definitivamente que o vírus era transmitido de humanos para humanos.

“Um trágico atraso de várias dias” que, apontou, pode ter resultado de uma esperança “incorreta e irrealista” de que o fechamento dos mercados de animais vivos de Wuhan impediria a doença ou de um desejo de não interromper “o início do Ano Novo Chinês”.

Ao invés de reconhecer “o cronograma geral rápido que culminou no fechamento em 23 de janeiro”, Trump tem jogado com os fatos “de forma rápida e leviana”, atingindo a China a todo o momento, ressaltou Sachs.

O que – ele assinalou – tem sido recorrente no curso da estigmatização da China por Trump. Como nas acusações contra a Huawei de que é uma ameaça direta à segurança dos EUA, “sem fornecer qualquer prova direta”.

“É por isso que os aliados mais próximos da América, como o Reino Unido e a Alemanha, foram em uma direção diferente, continuando a fazer negócios com a Huawei e a cooperar de forma mais geral com a China”, acrescentou.

“O sumário da epidemia e do horrendo fracasso de Trump é este. Em 31 de dezembro de 2019, a China notificou a OMS. Em 23 de janeiro, a China trancou Wuhan. Em 30 de janeiro, a OMS declarou emergência global de saúde pública”, destacou Sachs.

Nesse dia, 30 de janeiro, “ainda não havia uma única morte de Covid-19 nos Estados Unidos” – acredita-se que a primeira ocorreu em 6 de fevereiro. “Agora há mais de 85.000 mortes nos EUA”.

Sachs se dirigiu então aos “senhores Trump e Pompeo”, reiterando que “houve muitos avisos” sobre a pandemia, e que até agora os americanos não se deram conta plenamente de “vosso comportamento temerário”.

E concluiu, ecoando a pergunta feita há sete décadas a McCarthy: “o que vocês fizeram já basta. Vocês não têm vergonha?”