É preciso confiar na nossa força e não ter medo da amplitude
A ocupação das ruas como instrumento de luta e pressão social tem um vínculo profundo com a história do movimento estudantil brasileiro, e também dos mais diversos movimentos sociais. Ocupar as ruas é sinônimo de rebeldia, de indignação, mas também de proposição, de organização popular, e a juventude sempre teve uma presença bastante destacada nos processos de mobilização, seja por sua altivez, criatividade, ousadia ou disposição.
Por Flávia Calé, Iago Montalvão e Rozana Barroso*
Mas a história também já nos mostrou que a rua não tem dono, e protestos não podem ser banalizados. Foram essas ruas também palcos para surgimento de notórios movimentos ultraconservadores que cultivaram um forte sentimento de antipolítica que às duras penas se vai superando com a luta democrática.
Essa transfiguração da antipolítica, fantasiada de forma oportunista de “antissistema”, chegou a ocupar a cadeira do executivo federal brasileiro. Processos como esse nos remetem quase que à gênese e ao desenvolvimento do fascismo: negar processos de diálogo político e disputa democrática são fortes elementos autoritários adjacentes aos processos históricos.
Portanto, é preciso ter muita atenção com o inimigo principal nessa conjuntura. Bolsonaro e o bolsonarismo estão acima de quaisquer divergências políticas, por mais profundas que sejam, entre campos ideológicos distintos. O encerramento do mínimo terreno democrático, onde os direitos civis, e até mesmo o direito à própria vida, sejam respeitados, é o encerramento da própria possibilidade de se organizar politicamente para propor qualquer transformação social.
Foto: Nelson Almeida/AFP
E sabemos que nos ciclos autoritários da história, em especial no Brasil, que nos momentos de fechamento autoritário são justamente os movimentos populares e partidos à esquerda do espectro ideológico que são os primeiros a serem perseguidos, rechaçados e interditados.
Conseguimos dar início à construção de uma unidade histórica nesse ano de 2021. Motivados por uma vasta lista de bandeiras relativas aos direitos sociais em diferentes setores da sociedade, movimentos sociais se uniram em torno de uma causa comum: a luta pela vida e contra o fascismo. Os estudantes que já vinham demonstrando seu enorme potencial mobilizador nas lutas em defesa da educação foram fiadores desse processo, seja o de encorajar a ida às ruas mesmo diante de uma pandemia, seja o de colocar o suor diário à disposição da complexa construção da unidade.
Temos sido muito vitoriosos até aqui, em cerca de um mês realizamos três dias de mega protestos contra o governo Bolsonaro. E dia após dia, não só mantivemos firmes a quantidade de pessoas nas ruas, como aproximamos novos movimentos e setores da política. Organizações que até então pouco se dialogavam passaram a construir cotidianamente essa luta em comum, somaram-se às Frentes Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, a Coalizão Negra por Direitos, PDT, PSB, o movimento Acredito, posteriormente partidos como o Cidadania, a Rede, o PV, e no último dia 3 de Julho até mesmo grupos do PSDB e do Livres.
É evidente que o processo de mobilizações surgiu das organizações populares, dos movimentos sociais, que conduzem historicamente a luta por direitos. Entidades estudantis que têm décadas de existência, que tem projeto e consequência nas suas lutas. Não se pode ter medo e vacilação acerca de suposições de qualquer tipo de cooptação, quando se tem convicção no objetivo que se busca alcançar, e quando se tem confiança na própria condução política.
Foto: Arnaldo Sete/Estadão
As agressões que ocorreram na manifestação de São Paulo no último dia 3 foram não só uma demonstração de ignorância política, de infantilidade, como também de falta de convicção na força e na condução dos movimentos sociais e na unidade que se pode construir para derrubar Bolsonaro. Foram o estopim de um comportamento permanente de grupos que assombram cotidianamente a unidade e a possibilidade de que a nossa luta resulte em vitória concreta: a derrota do fascismo. E nesse bolo não somente foram atingidos pelo PCO manifestantes do PSDB, como sobraram agressões até para militantes de movimentos populares (CMP) e por moradia (MSTC), jovens militantes do PDT e da UJS.
Portanto o que se percebe é que não há de fato qualquer sinal de que se pretende atingir como objetivo a libertação do nosso povo das garras desse governo autoritário e fascista que se apossou do executivo federal, senão apenas uma tosca performance irracional de uma falsa radicalidade. Esse tipo de atitude precisa ser amplamente rechaçada pelo conjunto dos movimentos e isolada da organização da campanha, se não se quer contribuir na construção coletiva, que vá atuar em outro espaço.
Se queremos que as ruas se mantenham caminhando pelos rumos democráticos, sob comando de uma ampla unidade conduzida pelos movimentos sociais que tem compromisso histórico com as lutas populares, precisamos ter amplitude, estratégia e objetividade. Que participem todos que se sentirem desejosos de se somar à luta contra Bolsonaro, afinal se não queremos esperar 2022 vamos precisar de todas as forças possíveis para derrubar com urgência esse governo.
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*Flávia Calé é mestranda em História Econômica na USP, é presidenta da ANPG (Associação Nacional dos Pós-Graduandos);
Iago Montalvão é estudante de Economia da USP, é presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE);
Rozana Barroso é presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e estudante de cursinho popular preparatório para o ENEM
(Artigo publicado originalmente em Carta Capital)
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