A dívida corporativa nos EUA atingiu quase US$ 10 trilhões, o que levou o Washington Post no sábado a alertar sobre o endividamento privado, que ameaça “desencadear uma nova turbulência financeira”.

Como registra o Post, esse gigantesco endividamento equivale a 47% do PIB dos EUA. O aumento da dívida privada é consequência da política dos governos de manter os juros negativos ou praticamente zero, que já dura uma década desde o crash de 2008..

Segundo o jornal, o perigo não seria “imediato”, mas citou especuladores e fontes governamentais para alertar de que tamanho endividamento possa fazer a casa cair quando “a próxima recessão chegar”.

Este ano, as “empresas mais débeis” foram responsáveis pela maior parte do crescimento da dívida. Ela vem sendo usada, não para financiar investimentos em fábricas e equipamentos, mas sim para “assumir risco financeiro, como pagamentos de investidores e fusões”.

Uma parte significativa de tal endividamento foi malbaratada na compra, pelas empresas, de suas próprias ações, para inflar o ‘valor de mercado’ e permitir gordos bônus e dividendos.

De acordo com dados do Federal Reserve, as empresas norte-americanas gastaram mais de US$ 4 trilhões desde 2009 na recompra de ações, grande parte nos últimos cinco anos.

Outra ameaça é que a qualidade da dívida vem se deteriorando, com o rápido aumento dos papeis corporativos de classificação de risco mais baixa, em geral pouco acima do status ‘junk’ [lixo].

“Estamos sentados no topo de uma bomba não detonada e não sabemos o que vai desencadear a explosão”, relatou Emre Tiftik, do Instituto de Finanças Internacionais, ao Washington Post.

A qualidade da dívida está se deteriorando, com um rápido aumento dos títulos corporativos de menor grau, classificados um pouco acima do status de lixo, que já somam US$ 4 trilhões, sendo que US$ 2,5 trilhões emitidos por empresas norte-americanas, de acordo com a Standard and Poor’s..

Tamanho aumento da dívida corporativa também mereceu a atenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), em seu Relatório de Estabilidade Financeira Global de outubro.

O documento registrou a “significativa elevação” em vários países das “vulnerabilidades da dívida corporativa”. O temor é que isso acabe por desencadear uma crise se houver uma desaceleração na economia global.

A principal preocupação do FMI é de que, numa crise, a dívida corporativa em risco (o débito de empresas que não conseguem cobrir o pagamento dos juros) possa subir para US$ 19 trilhões – quase 40% da dívida corporativa total nas principais economias”.

Sob taxas de juros tão baixas, que fizeram com que a quantidade de papéis com rendimentos negativos chegasse a US$ 15 trilhões, na análise do FMI os ‘investidores’ estavam sendo levados a “procurar rendimento e assumir ativos mais arriscados e mais ilíquidos para gerar retornos”.

Um gestor de fundos citado pelo Washington Post considerou que as empresas estavam “fazendo a coisa racional”, já que se você diz a elas que podem pedir emprestado barato e por um longo tempo, “elas vão tirar vantagem disso”.

Artigo do Financial Times na semana passada apontou para o surgimento de empresas “zumbis” nas principais economias. São empresas cujos custos de juros excedem seus ganhos anuais e que são mantidas vivas apenas por causa do regime de baixas taxas de juros.

Estudo do Bank of America Merrill Lynch estimou que, no clube de nações mais ricas, a OCDE, há hoje 548 desses zumbis, em comparação com um pico de 626 durante o crash de 2008. Há cinco vezes mais empresas zumbis hoje do que no final dos anos 1990, quando as taxas de juros eram significativamente mais altas.

Como disse um banqueiro do Citibank às vésperas do crash, Chuck Prince, sob a estratégia de seguir aumentando a alavancagem das apostas mesmo com os sinais de perigo já soando: “enquanto a música estiver tocando, você tem que se levantar e dançar”.

Assim, a qualidade do endividamento do setor privado não para de descer ladeira abaixo, como observou o FT. Na Europa, 80% da dívida vendida pelas maiores empresas atualmente oferece proteção mínima aos credores.

A deterioração da qualidade do crédito também preocupa o Federal Reserve, que em outubro alertou que, em uma crise e com os spreads em alta, isso poderia “amplificar os efeitos de um choque adverso para a economia”.

De forma menos poética e indo mais direto ao ponto, o Post advertiu que se o “mercado junk” fosse suficientemente congelado, “as empresas poderiam ser forçadas a dar calote em suas dívidas”. O que, acrescentou, provavelmente forçaria demissões em massa e cortes nos investimentos, com o choque chegando a Main Street.