Dieese: Autonomia do BC enfraquece mecanismos de política econômica
A autonomia do Banco Central, aprovada pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira (10), enfraquece os mecanismos de política econômica à disposição do governo eleito pela população, em uma análise técnica divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) após a votação.
Com as mudanças, o período dos mandatos do presidente e dos diretores do Banco Central deixará de coincidir com o mandato do presidente da República. O mandato do presidente do BC terá início no terceiro ano do mandato do presidente da República.
Assim, nos primeiros dois anos de um novo governo, a política monetária será comandada por um Banco Central indicado pelo governo anterior. Na avaliação do Dieese, devido a esse descasamento, o governo eleito não terá instrumentos para implementar a política econômica que venceu nas urnas. A entidade diz ainda que o BC já tem autonomia operacional, o que tornaria a proposta aprovada desnecessária.
O Dieese acredita também que as mudanças tornarão o Banco Central mais sujeito ao lobby do mercado financeiro, com limitações ao cumprimento de seu “duplo mandato”, que inclui o controle da inflação e retomada da atividade econômica e emprego.
“No Brasil, historicamente, o lobby do sistema financeiro fez com que o Banco Central tivesse um mandato único, ou seja, perseguisse somente o controle da inflação através de juros exorbitantes, sem qualquer preocupação com os impactos negativos sobre a economia e o emprego. O projeto de autonomia do BC visa formalizar essa prática e engessar mais uma das ferramentas de política econômica do governo.”
A entidade cita ainda um estudo do Banco Mundial que indica uma relação entre a independência dos bancos centrais e o aumento da concentração de renda. O estudo Does Central Bank Independence Increase Inequality? (“A independência do Banco Central aumenta a desigualdade?) é de autoria de Michaël Aklin, Andreas Kern e Mario Negre
A análise do Banco Mundial elenca três argumentos principais sobre o tema: a independência dos bancos centrais aumenta a tendência à liberalização de mercados financeiros, além de ampliar a dívida privada, o que beneficia proprietários de ativos financeiros. Em segundo lugar, o enrijecimento da política monetária tende a expandir o risco de desemprego e empurra os governos para a realização de novas reformas trabalhistas flexibilizantes. Por fim, a independência dos bancos centrais intensificaria ainda a dificuldade de os governos executarem gastos com bem-estar social.
Aklin e Kern alertam para o fato de que não se pode atribuir a causa das desigualdades ao desenho institucional. Porém, as tendências aqui descritas apontam para a possibilidade de concentração da renda. Trata-se de efeito indireto da independência do Banco Central, que dificulta a realização de políticas capazes de reverter efeitos concentradores do mercado, o que, na prática, terá impacto positivo sobre a renda dos proprietários de ativos e negativos sobre as rendas de trabalhadores e cidadãos em geral.