Dezenas de republicanos abandonam Trump e declaram apoio a Biden
Dezenas de ex-dirigentes da área da Defesa e da Segurança de quatro governos republicanos anunciaram em manifesto sua oposição à reeleição de Trump, por ser “inadequado para liderar” e que irão apoiar o candidato democrata, Joe Biden. O anúncio foi feito quando os democratas encerravam na quinta-feira sua convenção nacional, realizada virtualmente por causa da pandemia, que consagrou a chapa Joe Biden-Kamala Harris.
Também no primeiro dia da Convenção Democrata, o ex-governador republicano de Ohio, e que disputou com Trump a indicação a presidente em 2016, John Kasich, expressou por vídeo seu apoio a Biden, o que explicou, em se tratando de um republicano de quatro costados como ele, se devia a que “esses não são dias normais” nos EUA.
Entre os 73 signatários, estão o ex-secretário de Estado, e ex-chefe do Estado Maior Conjunto, Colin Powell, o ex-secretário de Defesa Chuck Hagel, o ex-secretário de Estado Richard Armitage, o ex-diretor da CIA e da NSA, Michael Hayden, o ex-vice-diretor do Conselho de Segurança Nacional, Robert Blackwill, o ex-diretor de Contraterrorismo Michael Leiter, o ex-diretor Nacional de Inteligência John Negroponte e o ex-diretor do FBI William Webster.
Os signatários afirmam que Trump, “com suas ações e retórica tem falhado ao nosso país ” e acrescentam que ele “busca incitar divisões políticas, raciais e étnicas, enfraquecendo a nação, para deleite de nossos adversários”.
Ainda segundo o manifesto, “nossos amigos e inimigos o vêem como não confiável, instável e indigno de respeito”.
Os ex-integrantes de governos republicanos condenam ainda Trump pela desastrosa condução diante da pandemia, pela perseguição a imigrantes, a juízes e outros servidores públicos e, no plano externo, por “arruinar a reputação e a influência” dos EUA.
Ao contrário da visão de Reagan da “cidade radiante em uma montanha” – enfatizam -, Trump fala de carnificina e empurra os americanos à confrontação, ao encorajar seus medos ao afirmar que turbas “furiosas” e “anarquistas” destroem o país.
Eles acrescentaram que, embora divirjam de muitas das políticas democratas, “o importante agora é impedir o ataque de Trump à nossa nação”.
Declarações que apontam para o fato de que está fazendo água o regime Trump, e tudo que ele significa em matéria de caos da ordem internacional, apologia do racismo e xenofobia, guerra comercial, e flerte com o neofascismo, os supremacistas brancos e coisas bizarras como a tal seita QAnon.
Colin Powell até manifestou seu apoio a Biden por vídeo no segundo dia da Convenção, para “restaurar os valores” norte-americanos. Ele dispensa apresentações: é o cara da famosa foto da fake news das armas de destruição em massa do Iraque, simbolizadas por um tubinho de ensaio, no Conselho de Segurança da ONU. Sinal dos tempos.
Na convenção, quem também enviou um vídeo de congratulações a Biden e exaltação da amizade foi a viúva do senador John Cain. A ex-procuradora-geral Sally Yates também se manifestou por vídeo, denunciando a sabotagem do presidente reality show aos Correios e à eleição.
DISCURSO DE BIDEN
Na noite final da Convenção Nacional Democrata, Joe Biden fez seu aguardado discurso de aceitação da indicação, prometendo ser o candidato “da luz e não da escuridão”, unir ao invés de dividir, combater a
pandemia, reconstruir a economia, frear o racismo e a intolerância e governar “para todos” os norte-americanos. “Esta é uma batalha pela alma do país”, assinalou. “Se confiarem em mim na presidência, vou trazer o nosso melhor, não o pior”.
Sobre a pandemia, Biden afirmou que o presidente [Trump] “falhou em sua obrigação mais básica: proteger os americanos da doença”.
Ele anunciou que, começando do primeiro dia, seu governo irá enfrentar a Covid-19. “Vamos desenvolver e implantar testes rápidos” para o vírus “com resultados disponíveis imediatamente.” Os EUA estão longe de fazer testes em massa e os resultados geralmente levam uma semana ou mais.
“Nunca colocaremos nossa economia de volta nos trilhos, nunca levaremos nossos filhos de volta à escola em segurança, nunca teremos nossas vidas de volta, até lidarmos com esse vírus”, acrescentou. A tragédia em que estamos hoje “é que não precisava ser tão ruim”. Solidarizando-se com as famílias que perderam entes queridos na pandemia, Biden disse ter uma ideia “do que é perder alguém que se ama” – ele perdeu a mulher e a filha e, mais tarde, outro filho. “Eles sempre estarão com vocês”.
Parte de uma cúpula partidária geriátrica, Biden fez questão de acenar à juventude que se levantou “contra a desigualdade e a injustiça que cresceram nos EUA”. “Injustiça econômica, injustiça racial, injustiça ambiental. Eu ouço suas vozes. Se você prestar atenção, pode escutá-las também”, enfatizou.
Prometendo “reconstruir melhor” a economia e criar milhões de empregos, Biden se comprometeu em revogar o corte de impostos de US$ 1,7 trilhão de Trump para o 1% e os oligarcas.
Destacando o desastre de Trump na saúde pública, a crise econômica, as manifestações por justiça social e a crise ambiental, Biden disse que a opção “não poderia ser mais clara”. Julgue esse presidente pelos fatos, conclamou”. “[Trump] presidente não assume nenhuma responsabilidade, ele culpa os outros”, acusou.
Até pesquisas entre eleitores democratas mostram que, mais que um especial apreço por Biden, o que há é uma enorme rejeição a Trump.
A campanha de Biden está apostando que sua empatia, diante do egoísmo, incúria e soberba de Trump, vão ajudar a trazer de volta aqueles eleitores democratas ou independentes nos chamados estados-pêndulo que foram arrastados em 2016 pela insídia das fake news e da apologia do ódio, cortesia da Cambridge Analytica, aproveitando o cansaço decorrente da desigualdade, desindustrialização e precarização, que se seguiram ao bailout dos bancos e à desesperança diante da não materialização de muitas das promessas trazidas inicialmente por Obama.
Em discurso no primeiro dia, o senador Bernie Sanders convocou todos a se unirem a Biden, porque o que está em jogo “é a democracia”, após o governo Trump ter lançado militares e agentes federais contra protestos pacíficos, sabotar a eleição sucateando os Correios e até dizendo que ia pensar se respeitaria o resultado.
Ele advertiu que a eleição de novembro é “a mais importante na história moderna” dos EUA, quando há um presidente [Trump] “que não apenas é incapaz de dar conta dessa crise, como está nos levando para o caminho do autoritarismo”.
Sanders disse ainda que Biden estava comprometido com o salário mínimo de US$ 15 a hora, com a licença-maternidade paga de 12 semanas e em rebaixar a idade de elegibilidade para o Medicare – a assistência médica pública para idosos – dos atuais 65 anos, para 60 anos.
KAMALA
A opção pela candidatura a vice-presidente da senadora Kamala Harris, filha de estudantes imigrantes, um jamaicano negro e uma indiana, resolve dois problemas para a campanha de Biden.
Atende aos anseios da enorme massa que se levantou de costa a costa contra o racismo, depois do assassinato do cidadão George Floyd por um policial branco, e isola as acusações de que os democratas promovem o caos e deixam a ordem ser ameaçada – ela foi procuradora-geral na Califórnia.
Também fizeram discursos demolidores contra Trump o ex-presidente Obama, o ex-presidente Bill Clinton, e a ex-primeira-dama, Michelle. O ex-presidente Jimmy Carter e sua esposa Rosalyn, endossaram Biden. Assim como estrelas em ascensão no Partido Democrata, como a ex-candidata a governadora da Geórgia Stacey Abrams.
Personalidades de entidades populares, sindicatos, organizações de defesa dos direitos civis e pró-imigrantes também se pronunciaram. Completando a demonstração de unidade, se dirigiram por vídeo aos eleitores todos os que se lançaram pré-candidatos, em especial, a senadora Elizabeth Warren.
Na segunda-feira, o show virtual fica por conta dos republicanos, com a Convenção que sacramentará o nome de Trump. Com a economia sitiada pelo coronavírus, Trump fica sem a principal carta que pretendia usar, engrupir a população de que aquela bolha em Wall Street seria a prova de que ‘sua’ economia dera certo, que cortar imposto de magnata ajuda no PIB e outros contos, mais sutis do que a venda de tijolinhos online para o muro, do ex-guru Steve Bannon.
Com a pandemia descontrolada, não vai haver recuperação em “V” antes da data da reeleição, como Trump pretendia. Nas últimas 22 de 23 semanas, o número de novos pedidos de seguro-desemprego têm estado acima de 1 milhão.
Agora, enquanto meia dúzia de magnatas e especuladores estão pra lá da estratosfera nos índices de Wall Street, o quadro da economia produtiva é dramático, com 50 milhões desempregados e outras 40 milhões de famílias sob risco de serem despejadas de suas casas e passarem fome, enquanto pequenas empresas tentam se manter à tona.
A renovação do imprescindível segundo pacote de emergência vem sendo barrada pela Casa Branca e pelo Senado sob controle republicano, o que deve continuar até setembro.
Assim, a eleição arrisca se tornar um plebiscito sobre a conduta de Trump diante da pandemia, e sobre quem é responsável pelo recorde mundial de mortos da Covid-19 e de contágios. E de como essa incompetência devastou profundamente a economia.
Outro problema para Trump, especialista em rotular os outros para desclassificá-los, é que está difícil emplacar no moderado Biden a pecha de “ameaça” e de servir de fachada para a “esquerda radical” que “promove o caos nas cidades”, quer acabar com a polícia e supostamente banir a “2ª Emenda”, o direito de qualquer aloprado andar pelo meio da rua com um fuzil semiautomático, comprado quase até na farmácia.
Em um comício na Pensilvânia, no mesmo dia do encerramento da convenção democrata, Trump deu uma demonstração do que vai ser sua campanha. Alertou os eleitores que vieram vê-lo de que um governo democrata seria “o caos”, o “pior pesadelo” para a nação.
“Somos o muro entre o sonho americano e a destruição”, asseverou Trump, para regozijo de seus seguidores, de chapéu vermelho MAGA (Make America Great Again).
“Ele passou meio século em Washington vendendo nosso país, destruindo o emprego e deixando que outros países roubassem nossas vagas de trabalho”, afirmou o velho bilionário no comício em Old Forge, bem perto de onde Biden nasceu.
Para apavorar seus mínions e empurrá-los a votar, Trump disse às suas bases em Old Forge que, se queriam imaginar como seria um governo Biden, que se lembrassem “das ruínas em chamas em Minneapolis, a anarquia em Portland e as calçadas com sangue em Chicago”.
“A sobrevivência do nosso país está em jogo”, disse Trump, que acusou os democratas de terem “enlouquecido”.
Na véspera, ao ser indagado sobre o que achava de uma seita que apareceu nas redes sociais, para “combater pedófilos reptilíneos satânicos” e “canibais”, os quais seriam supostamente parte de uma conspiração de democratas e de Hollywood, Trump elogiou os fanáticos, que se identificam sob a sigla QAnon.
Disse que, apesar de não os conhecer, “entendo que gostam muito de mim, o que agradeço”. Ainda acrescentou: “ouvi dizer que essas são pessoas que amam nosso país”.