As fileiras de norte-americanos desempregados que pedem o seguro-desemprego dobraram na semana que terminou em 28 de março, para 6,6 milhões, anunciou o Departamento do Trabalho dos EUA na quinta-feira (2), e o total de pessoas que perdeu o emprego desde o início de março ultrapassou os 10,2 milhões.

Números que a economista Heidi Shierholtz, do Instituto de Política Econômica (EPI), chamou de “alarmantes” e que expressam o dramático retrato da paralisação turbinada pela pandemia covid-19. Na semana anterior, já haviam sido 3,3 milhões de pedidos de seguro-desemprego.

“Passei os últimos vinte anos estudando o mercado de trabalho e nunca vi nada parecido”, acrescentou.

Enquanto os casos de covid-19 no mundo inteiro já ultrapassaram 1 milhão, matando mais de 50 mil pessoas, nos EUA a pandemia infectou 200 mil, matou 5 mil e como alertam as autoridades, “o pior ainda está por vir”. Sob a imperiosa necessidade de conter o contágio do coronavírus, para o qual não há vacina nem tratamento, as medidas de contenção e isolamento social tornaram grandes urbes dos EUA em cidades fantasmas, após o fechamento ou enorme freada das atividades não essenciais.

Como registrou o Common Dreams, uma “reprise da Grande Recessão, se não da Grande Depressão”.

A comparação com o crash de 2008-10 é adequada: os dados históricos do Bureau de Estatísticas do Trabalho dos EUA mostram que o número médio de desempregados a cada mês de 2010, no auge do crash, foi de 14,8 milhões e a taxa média de desemprego naquele ano atingiu 9,6%.

Segundo o EPI, no auge da Grande Recessão (2008-2009) a mais alta taxa de desemprego ocorreu no estado de Michigan, com 14,5%.

Agora as projeções do Instituto apontam que, até julho, 44 estados terão ultrapassado essa taxa. A taxa de desemprego projetada para Nevada (estado onde fica Las Vegas) é de 19,7%.

Shierholtz acrescentou esperar nas próximas semanas “milhões a mais de perdas de empregos à medida que a economia continua se contraindo”.

Mesmo esses “10 milhões” podem ser subestimados, afirmou Elise Gould, também economista do EPI, à Business Insider.

Isso ocorre – explicou – porque deixa de fora pessoas que não pedem o benefício porque não sabem como proceder, ou porque, como os imigrantes sem-documentos, por serem inelegíveis para eles, nos termos da lei de resgate de US$ 2,2 trilhões.

Citando as estimativas do banco Goldman Sachs sobre a crise econômica em curso, Shierholtz e Gold disseram esperar que até o verão (julho) 19,8 milhões de trabalhadores sejam demitidos ou tenham o contrato suspenso, “mesmo contabilizando o efeito da lei de estímulo de US $ 2,2 trilhões”.

Há previsões piores. O economista do Fed de St. Louis, Miguel Faria-e-Castro, estimou em análise na semana passada que 47 milhões de trabalhadores poderiam perder o emprego até o final de junho, o que elevaria a taxa de desemprego para 32,1%.  No auge da Grande Depressão (Anos 1930) a taxa de desemprego foi de 25%.

Para o economista, são números “muito grandes para os padrões históricos”, acrescentando que “esse é um choque bastante diferente de qualquer outro experimentado pela economia americana nos últimos 100 anos”.

Na última previsão, o Goldman Sachs prevê uma contração de 9% no primeiro trimestre deste ano e uma contração de 34% no segundo trimestre. Essa grande queda no PIB é consistente com 19,8 milhões de empregos perdidos até julho, observa o EPI.

MEDIDAS ADICIONAIS

Esse quadro vem suscitando três importantes discussões nos EUA. Em primeiro, que são necessárias medidas adicionais ao pacote CARES (o de US$ 2,2 trilhões) para socorrer tanta gente em necessidade e para apoiar os Estados, sobre os quais tem recaído o peso do combate à pandemia.

Em segundo, a opção nos EUA pelo desemprego em massa, na medida em que grande parte da ajuda a quem mais precisa vem por meio de um adicional ao seguro-desemprego, que só recebe quem já ficou desempregado.

A alternativa encontrada pela Grã Bretanha e Dinamarca foi evitar que houvesse esse desemprego em massa, o que foi feito através de, em essência, o governo passar a pagar 80% ou 90% da folha de salários, virtualmente a nacionalização das folhas de salário. A Alemanha tem um sistema que funciona nessa direção.

É o que apontam os economistas Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia, em artigo no New York Times, em que alertam que “esse dramático salto nos pedidos de seguro-desemprego é uma peculiaridade americana”. “Em quase nenhum outro país os empregos estão sendo destruídos tão rápido”.

A razão é que “mundo afora os governos estão protegendo o emprego. Os trabalhadores mantêm seus empregos, mesmo nas indústrias que estão fechadas”, destacaram. “O governo cobre a maior parte do salário através de pagamentos diretos aos empregadores. Salários, são, em efeito, socializados durante a duração da crise”.

Saez e Zucman mostram a diferença de enfoque observando os restaurantes fechados por causa da pandemia na Inglaterra e nos EUA. Os trabalhadores de restaurante mandados ficar em casa na Inglaterra estão recebendo 80% do pagamento (até 2.500 por mês) e têm a garantia de que seu emprego estará de volta no final da quarentena.

Nos EUA, eles são demitidos, têm que ir para a fila do seguro-desemprego e esperar a economia se levantar de novo antes que possam ir atrás de um novo emprego, e se tudo for bem, assinar um novo contrato de trabalho.

Como os economistas ressaltam, “não há nada de eficiente em deixar a taxa de desemprego subir para dois dígitos”.

“Embora alguns negócios possam readmitir seus trabalhadores assim que o fechamento acabar, outros desaparecerão. Quando o distanciamento social acabar, milhões de relações empregador-empregado terão sido destruídas, freando a recuperação. Na Europa, as pessoas serão capazes de voltar a trabalhar, como se tivessem estado em uma longa licença paga pelo governo”, observam Saez e Zucman.

SEM SAÚDE GRATUITA

A terceira questão é sobre o que Saez e Zucman chamam de “segunda peculiaridade americana” – ao perderem seu emprego, esses milhões de trabalhadores e suas famílias também perdem o plano de saúde da empresa, em plena pandemia.

Como eles apontam, manter o plano anterior é “proibitivamente caro”: US$ 20.500 por ano em média. Os planos propiciados pelo Obamacare são mais em conta, mas nem por isso acessíveis em caso de necessidade de hospitalização.

Como assinalam, já há relatos de gente que morreu de covid-19 porque se recusaram a ir ao hospital, preocupados pela conta, ou que tiveram o atendimento negado por falta de cobertura.

O senador Bernie Sanders tem levantado a bandeira do “Medicare Para Todos” – a extensão a todos os americanos da assistência médica pública que os idosos já têm direito desde o governo de Lyndon Johnson.

Em tempo de pandemia, a inexistência de um sistema público, universal e gratuito de saúde, que já existe na maioria dos países desenvolvidos, é um problema de primeira ordem.

A proposta dos dois economistas de Berkeley é que um programa federal garanta acesso gratuito ao tratamento da covid-19 para todos os residentes nos EUA sem exceção – não importa seu status de emprego, idade ou imigração. “Combater a pandemia começa por erradicar a disseminação do vírus, o que significa que todos devem estar cobertos”.

Para Shierholz, esse aumento sem paralelo nos pedidos de seguro-desemprego clama por uma “resposta imediata e abrangente do Congresso”. “Dada a extraordinária deterioração do mercado de trabalho em questão de semanas”, disse Shierholz, “os formuladores de políticas federais precisarão absolutamente voltar e fornecer alívio mais desesperadamente necessário, além de mais apoio à recuperação quando o bloqueio terminar”.

O economista Jared Bernstein, membro sênior do Centro de Orçamento e Prioridades Políticas, e que se diz “congenitamente um tipo cuidadoso de esperar para ver” – quanto ao efeito do primeiro pacote –, enfatiza que “mas não agora”.

“O que deve acontecer em um estímulo da fase 4?”, continuou Bernstein. “Apoio nutricional (muito útil na última recessão), apoio fiscal estadual (estados que enfrentam grandes demandas em meio ao estancamento das receitas), mais ajuda às famílias por meio de cheques da segunda rodada [e aumento do seguro-desemprego] até o final de julho”. Citando uma cena famosa do filme “Tubarão”, Bernstein acrescentou: “Vamos precisar de um barco maior”.

Há ainda o problema do “paga logo”. 70 milhões de americanos elegíveis àquele cheque emergencial de US$ 1.200 podem levar meses para receber o dinheiro, porque não possuem informações de depósito direto registrados na Receita federal dos EUA, de acordo com o conservador Brookings Institution.