Premiê Boris Jonhson colheu nova derrota no Parlamento que tentara amordaçar. (Foto UK Parliament/Jessica Taylor/Reuters)

O primeiro-ministro Boris Johnson, o “Trump inglês”, foi surpreendido no parlamento britânico por uma emenda que, por 322 votos a 306, adiou no sábado (19) a votação sobre o acordo de saída da União Europeia, forçando um pedido de adiamento do Brexit por 90 dias, até 31 de janeiro do próximo ano.

Após a derrota, considerada “humilhante” pelo jornal britânico The Guardian, e apesar de dizer que se recusava a pedir o adiamento, Johnson recuou, telefonou ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e enviou não uma carta, mas três, para evitar ser imputado por violar lei aprovada pelo parlamento e para manter sua marquetagem sobre a saída da Grã Bretanha impreterivelmente no Dia do Halloween, 31 de outubro.

O truque – ao que se diz, previamente debatido em Downing Street 10 e de inspiração do guru Dominic Cummings, consistiu em enviar duas cartas a Bruxelas, uma, pedindo o adiamento, que ele não assinou, e outra, pessoal, dizendo que ele pessoalmente não está pedindo por adiamento, que ele assinou, conforme o jornal The Sun. A terceira carta é assinada pelo representante britânico permanente em Bruxelas, Sir Tim Barrow, explicando que a primeira carta expressa a posição do parlamento britânico, não a do próprio primeiro-ministro.

Tusk confirmou ter recebido a(s) carta(s) e disse que iria iniciar os contatos com os 27 líderes do bloco europeu para debater o que fazer no novo quadro. “O pedido de extensão acaba de chegar. Eu agora começarei a consultar os líderes da UE sobre como reagir”, postou no Twitter.

“Isso pode levar alguns dias”, avaliou uma fonte da UE à agência britânica Reuters. Segundo o Diário de Notícias de Portugal, a UE “não deverá criar entraves”, mas não dará o primeiro passo para esse adiamento. A decisão virá o mais tardar “até o fim da próxima semana”, apontaram. No domingo, irá ocorrer uma reunião ao nível de embaixadores, para preparar a cúpula europeia que decidirá a questão, que será provavelmente no dia 27.

A emenda, que como registrou o The Sun, o tablóide do bilionário Murdoch, fez com que o anunciado “super sábado” de Johnson acabasse virando um “sábado irrelevante”, foi apresentada pelo deputado Oliver Letwin, um dos escorraçados do partido Tory por ter apoiado a lei Benn.

A votação de sábado – assinalou Letwin – significou que a Grã Bretanha não “entraria em colapso” em 31 de outubro sem um acordo de Brexit se a legislação necessária fosse boicotada ou inviabilizada no processo.

A votação, que expressa a falta de confiança na seriedade do louro Johnson, foi para fechar uma brecha na lei Benn e inviabilizar qualquer tipo de manobra de última hora do primeiro-ministro ou seus sequazes que conduzisse a um Brexit sem acordo.

A preocupação era que, iniciado o processo, com o prazo extremamente exíguo até 31 de outubro – 12 dias -, algum tipo de obstrução ou manobra impedisse que o acordo fosse efetivamente votado.

Johnson arrancou o acordo com Bruxelas no penúltimo minuto, depois do precedente de ter tentado impedir os deputados de examinarem e votarem em tempo hábil qualquer acordo, através do estratagema que foi desbaratado pela Suprema Corte britânica de pôr em recesso o parlamento, escudando-se na rainha.

O parlamento encerrou sua sessão ao meio dia, para voltar na segunda-feira (21) para discutir o acordo que está sobre a mesa. A realização de uma sessão extraordinária do parlamento no sábado não ocorria desde a Guerra das Malvinas em 1982.

O desdobramento da aprovação da emenda Letwin não está claro ainda. A emenda adiou, mas não revogou o acordo trazido. De acordo com a BBC, como a proposta de acordo já foi apresentada pelo governo ao parlamento, essa votação não poderia ficar para outro dia, nem ser enviada novamente aos parlamentares.

Questões cuja decisão caberá ao presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow. “Vou refletir sobre isso e dar o que espero que seja uma decisão totalmente considerada sobre esse assunto na segunda-feira. Vou fazê-lo, é claro, tendo recebido conselhos em locais apropriados”, garantiu.

“O governo não é o árbitro do que é ordenado”, ressaltou o presidente do parlamento, após o líder governista na Câmara dos Comuns, Jacob Rees-Mogg, asseverar que o primeiro-ministro Johnson planeja colocar o acordo em debate e votação na segunda-feira.

Sem a aprovação do acordo até o dia 19, como determina a Lei Benn, o primeiro-ministro deve pedir à União Europeia um adiamento até 31 de janeiro de 2020. Se a União Europeia propuser uma data diferente, Johnson deve aceitá-la.

O líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, exigiu que Johnson “cumpra a lei”, acrescentando que o primeiro-ministro “não pode mais usar a ameaça de um desastroso não-acordo para chantagear os deputados a apoiar seu acordo de venda”.

 

Johnson garante não estar “espantado ou consternado” com o resultado da votação e, voltando ao seu estilo costumeiro do ‘deixa que eu chuto’, asseverou que seu acordo com a União Europeia será apoiado “em números esmagadores” no parlamento, já que o resultado da votação da emenda foi “bem próximo”.

Na abertura da sessão extraordinária, em sua defesa do acordo que trouxe de Bruxelas Johnson pôs de lado aquelas bravatas se comparando ao “incrível Hulk”, convocou os parlamentares a se unirem para começarem a “curar as feridas” na política britânica e afirmou que o acordo “foi a melhor solução possível”.

Ele disse ainda acreditar que a maioria dos deputados britânicos estava comprometida em entregar o resultado do referendo de 2016, que aprovou o Brexit. Aparentando ingressar em uma fase ‘muito amor’ de sua movimentada carreira política, Johnson chegou até mesmo a chamar os deputados a aprovarem o acordo para colarem “as duas metades da nação”, “as duas metades do nosso coração”.

Partiu de Corbyn o revide mais contundente a Bojo. “Não podemos apoiar um acordo [Brexit] que é ainda pior do que o que o Parlamento rejeitou até três vezes”. Ele advertiu que o país está “caminhando para uma corrida para o fundo em que os direitos dos trabalhadores serão cortados, a proteção ambiental e aos consumidores serão reduzidas, e nosso Serviço Nacional de Saúde estará em risco”.

Para Corbyn, o Brexit de Johnson não passa de “um pulo no colo” de Trump e seu acordo de comércio bilateral, em que os ingleses ficariam à mercê dos monopólios e bancos norte-americanos, e de novos regalos para a City financeira londrina e sua especulação.

POLARIZAÇÃO

O Brexit foi aprovado em 2016 por 52% (17,4 milhões de eleitores) a 48% (16,1 milhões) e desde então mantém polarizada a sociedade britânica. Enquanto o voto do parlamento dava mais força a um adiamento, nas ruas de Londres centenas de milhares pediram um novo referendo, para que “seja o povo que decida” sobre o acordo parido por Johnson e Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, que está de saída.

Para o jornal progressista inglês Morning Star é preciso resolver o Brexit para avançar para eleições antecipadas que permitam um governo que rompa com o neoliberalismo na Grã Bretanha, recupere o setor público, reindustrialize o país e defenda o NHS (sistema público de saúde).

O Star considerou o acordo obtido por Johnson “um pouco menos ligado à camisa de força da UE”, mas advertiu que um acordo “firmado por esse governo conservador irremediavelmente não-representativo e pelos chefes neoliberais da União Europeia” deve necessariamente ser submetido a um “feroz escrutínio”.

O jornal notou, ainda, que o acordo de Johnson, “ao traçar a fronteira no meio do Mar da Irlanda”, deixa claro que os conservadores não estão mais dispostos a permitir que um partido (os chamados unionistas, DUP) que representa uma posição anacrônica vete a política do governo. Registra, ainda como os unionistas estão “cada vez mais deslocado na parte norte do que parece cada vez mais uma [única] nação”.