O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo tenta emplacar a tese de que sua gestão não gerou qualquer atrito com a China que pudesse dificultar a importação de insumos para a produção da vacina contra o novo coronavírus. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado nesta terça-feira (18), Araújo declarou que há uma relação “madura e construtiva com a China”, ignorando os ataques do Itamaraty, do presidente da República e seus filhos ao país asiático, além dos patrocinados por ministros como Paulo Guedes, da Economia, e Abraham Weintraub, então ministro da Educação.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que Araújo estava sob juramento e que já havia feito várias declarações contra a China quando era ministro. “Na minha análise, Vossa Senhoria está faltando com a verdade. Não faça isso”, advertiu.

As declarações de Araújo também ganharam as redes sociais. “De olho na CPI da Covid: o ex-chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, diz que o Brasil tem relações maduras e construtivas com a China. Tanto tem que o Butantan e a Fiocruz estão sem produzir vacina por falta de insumos. Sei”, tuitou o líder do PCdoB na Câmara, deputado federal Renildo Calheiros (PE).

O parlamentar se refere ao último episódio entre Brasil e China. Desta vez, patrocinado pelo próprio presidente da República, que alegou no início deste mês que a China teria se beneficiado economicamente da pandemia e afirmou que a Covid pode ter sido criada em laboratório – ecoando tese que não encontra respaldo em investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as possíveis origens do vírus. Coincidência ou não, desde que Bolsonaro deu esta declaração, a relação, que já era delicada por episódios anteriores, desandou e o Brasil não recebeu ainda nova remessa dos insumos necessários para produção das vacinas contra a Covid-19.

“Ernesto Araújo diz em alto e bom som na CPI que jamais promoveu ‘nenhum atrito com a China, seja antes, seja durante a pandemia’. Seu testemunho à CPI parece que vai seguir o mesmo caminho de desserviço ao Brasil que sua vida pública”, destacou a vice-líder da Minoria, deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Em abril do ano passado, o ex-ministro escreveu um artigo que alertava para o chamado “projeto globalista” que poderia “despertar novamente para o pesadelo comunista”. O ex-chanceler sustentou ainda que o “comunavírus”, que ele chama de “vírus ideológico”, era mais perigoso que a Covid-19. Na ocasião, já havia 180 mil vítimas em todo o planeta.

Ele também disse que nunca teve atrito com o embaixador da China, o que também não é verdade. Araújo se envolveu em atrito com a embaixada chinesa após o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, insinuar em seu Twitter que a China era responsável pela pandemia. Na ocasião, o ex-ministro criticou o embaixador Yang Wanming por achar que era “inaceitável que o embaixador da China endossasse ou compartilhasse postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil”.

Cloroquina

Ernesto Araújo confirmou a corrida da gestão de Jair Bolsonaro por cloroquina. O ex-chanceler, no entanto, afirmou que o pedido para que o Itamaraty procurasse viabilizar a importação da hidroxicloroquina partiu do Ministério da Saúde.

“Ernesto Araújo joga Pazuello aos leões. A estratégia de Bolsonaro é jogar toda a responsabilidade para o Ministério da Saúde. A melhor defesa que o ex-ministro da Saúde tem é contar toda a verdade amanhã. Tirando o colossal conjunto de mentiras ditas, Ernesto Araújo imputou responsabilidades objetivas a Pazuello: – Prioridade e negociações sobre a cloroquina. – Compra de apenas 10% de vacinas no consórcio Covax. Se Pazuello falasse…”, pontuou o vice-líder do PCdoB na Câmara, deputado federal Orlando Silva (SP).

O depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que acontece nesta quarta-feira (19), tem sido motivo de muita movimentação na base governista. Após cancelamento no início dos trabalhos da CPI, alegando ter tido contato com pessoa que testou positivo para a Covid, a defesa de Pazuello já tentou um habeas corpus para que ele pudesse ficar calado e mesmo mudar a condição de testemunha para investigado no colegiado. Como testemunha, Pazuello tem que responder aos questionamentos feitos e caso minta aos senadores pode sair preso da CPI.

Para a deputada federal Professora Marcivânia (PCdoB-AP), os “motivos da obsessão pela cloroquina” vão sendo evidenciados”. “O importador seria um empresário bolsonarista de peso e, segundo Ernesto, na CPI, Bolsonaro teria orientado o Itamaraty a se esmerar para que o medicamento fosse importado e distribuído. Isso pode explicar muita coisa”, apontou.

A fala da senadora Kátia Abreu (PP-TO) também destacou as mentiras ditas por Araújo na CPI. Durante 20 minutos, a parlamentar apontou os problemas na gestão da pandemia e as “falhas” no depoimento do ex-chanceler. Abreu e Araújo protagonizaram embates no início do ano que culminaram na demissão do ex-ministro em março.

Segundo a senadora, Ernesto tem duas “personalidades”, pois adota um tom mais contido na CPI, negando críticas à China, mas que nas redes sociais e em artigos costumava ser mais “virulento”.

“O senhor é um negacionista compulsivo, omisso, uma bússola que nos levou para o naufrágio. Ao invés de pária, o senhor colocou o país em uma posição pior, de irrelevância”, disse a senadora.

Para o deputado federal Orlando Silva, a senadora Kátia Abreu “triturou o terraplanista”, em referência às relações de Araújo com o então guru bolsonarista Olavo de Carvalho.

 

Por Christiane Peres

 

(PL)