Deputados denunciam perseguição e desmonte no setor audiovisual
Deputados da Comissão de Cultura da Câmara classificaram de “perseguição política” a paralisação nas atividades da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e a demora na liberação de recursos para produções já contempladas em editais da agência.
Convidado para o debate na comissão, o diretor-presidente da Ancine, Alex Braga, alegou que a questão foi judicializada e, por isso, não compareceu. Em carta, ele afirmou que os convidados da audiência são “partes interessadas em processo judicial ainda em curso”, o que poderia comprometer a representação judicial da Ancine e a defesa de seus diretores.
A presidente da Comissão de Cultura da Câmara, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), criticou a paralisação do setor e o descumprimento da legislação que garante fomento ao audiovisual nacional. “Esse desmonte atinge a soberania nacional, nossa imagem no exterior. É uma completa negligência com a cultura, especialmente com o cinema nacional”, afirmou.
A deputada relatou a grande dificuldade da Ancine na análise dos projetos já autorizados, mas que não têm tido provimento. Ela afirmou ainda que tem feito solicitações para resolver o problema desde 2019.
Guerra ideológica
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) considerou injustificável a ausência da Ancine. “Temos ação jurídica pra todo lado contra o governo e isso não impede participação em audiência pública. Estão, na verdade, desmontando o arcabouço institucional do setor audiovisual brasileiro pra esconder uma guerra ideológica, esconder o objetivo de desmonte dessa estrutura e o descumprimento da Constituição Brasileira em nome de uma fiscalização inexistente”, disse.
O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou a metodologia de prestação de contas de produções patrocinadas pela Ancine contrária à legislação e apontou o risco de a agência não ser capaz de detectar eventuais fraudes. Na decisão, entretanto, o TCU afirma não ter determinado a suspensão de qualquer atividade da Ancine.
Ação civil pública
O procurador da República (MPF) Sérgio Gardenchi Suiama é autor de uma ação civil pública de dezembro do ano passado contra dirigentes e o procurador da Ancine referente à paralisação de 782 projetos audiovisuais contemplados em editais de 2016 a 2018 a serem financiados com recursos do fundo do audiovisual.
“Tentamos firmar termos de ajustamento de conduta com a diretoria da Ancine, mas não conseguimos compromisso desses diretores com cronograma, metas e prazos”, esclareceu Suiama. Segundo ele, a agência chegou a prometer no final do ano passado analisar 40 contratações por mês, número considerado absolutamente ínfimo pelo MPF frente ao passivo existente.
“Apuramos que houve uma ordem da procuradoria da Ancine de que não fosse dado andamento a processos, a não ser aqueles que obtivessem liminar na Justiça. Houve, portanto, negligência ao correto andamento desses procedimentos, como houve ação deliberada de paralisação”, denunciou o procurador.
Suiama relatou ainda que, em 2020, foram liberados recursos para 250 projetos autorizados. Nesse ritmo, segundo ele, a Ancine vai levar de 3 a 5 anos para resolver seu passivo, sem contar novos editais. “Não nos parece razoável do ponto de vista da eficiência do serviço público”, concluiu.
Negligência
O deputado Tadeu Alencar (PSB-PE), coordenador da Frente Parlamentar em defesa do Audiovisual, também considerou as limitações impostas ao setor uma “atitude de perseguição”. “Os motivos para não liberação de recursos de projetos já contratados são falsos e também não há contratação de novos, o que mostra a negligência e a atitude relapsa com o setor”, alertou.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) sugeriu uma reunião com dirigentes da Ancine e o TCU para resolver a situação. “Não aceitamos esse estrangulamento. O atual governo entende o audiovisual brasileiro como uma conspiração globalista, marxista, mas o audiovisual é plural”, afirmou. A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) concorda com essa posição. Ela acredita que o governo identifica o cinema e o audiovisual como “inimigos ideológicos”.
Durante a audiência, representantes do setor relataram o quadro de crise agravado pela pandemia.
O presidente da Brasil Audiovisual Independente (BRAVI), Mauro Garcia, fez um apelo para que o Congresso atue para a retomada do setor. “Vivemos o descumprimento da ordem legal e um momento de insegurança jurídica no setor, com a paralisação do Conselho Superior de Cinema, do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual e da Ancine. Todas as funções, de fomento, regulação e fiscalização, estão sendo descumpridas”, enumerou.
Representante da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API), Cíntia Domit Bittar pediu pressão para que haja a reconstituição da Ancine, com nomeação de novos dirigentes e sabatinas pelo Senado. “A provisoriedade dos mandatos dos atuais dirigentes tem sido usada como justificativa para essa paralisia”, afirmou.
Lei Aldir Blanc
Ela relata um cenário dramático entre produtores que sabem sequer os prazos de execução de seus projetos. “A Lei Aldir Blanc prorrogou por um ano a partir da data de cada projeto, mas a Ancine entende que o prazo é um ano da promulgação da lei, ou seja, no fim de junho deste ano”, informou.
Bittar lamenta que o audiovisual não seja encarado como parceiro estratégico da retomada da economia nacional. “Cada projeto que aguarda a liberação de recursos é como se fosse uma pequena empresa. O setor cultural movimenta outros 68 setores da cadeia produtiva. Não é bom negócio manter a Ancine e o fundo setorial travados desse jeito”, destacou.
A secretária de Cultura do Estado do Pará e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura, Úrsula Vidal Santiago de Mendonça, apontou o agravamento da desestruturação do audiovisual não só com a pandemia, mas porque projetos premiados em 2018 não tiveram recursos liberados.
“Desorganizou financeiramente, profissionalmente e artisticamente o setor audiovisual, que é uma cadeia produtiva de médio prazo com programação ao longo de cinco anos e com grupos profissionais trabalhando em cada fase da produção. Pessoas se programam pra viver daquele fluxo que foi completamente paralisado. Estamos há dois anos vivendo essa instabilidade jurídica e institucional”, ressaltou.
(PL)