Deputados apontam negacionismo e incompetência em fala de Pazuello
O depoimento do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid nesta quarta-feira (19) está sendo questionado por deputados. Em diversos momentos, o general negou a orientação para o tratamento precoce e a interferência do presidente Jair Bolsonaro nas ações adotadas no ministério e minimizou a crise de saúde no Amazonas.
Havia no governo uma preocupação com o depoimento de Pazuello, que conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de o general permanecer calado em perguntas diretas para não produzir provas contra si mesmo. Durante o inquérito, ele quase não silenciou e caiu em contradições no depoimento nesta quarta-feira.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), vice-líder da Minoria, considera que Pazuello se sente confortável para mentir em seu depoimento. “O habeas corpus do STF e a presença de Flávio Bolsonaro deram ao Pazuello coragem de mentir descaradamente sobre tudo”, disse.
Os deputados federais Orlando Silva (PCdoB-SP) e Renildo Calheiros (PCdoB-PE), líder do PCdoB na Câmara, destacaram a visão deturpada de Pazuello sobre a própria gestão.
“De acordo com o discurso inicial do general, tudo certo, nada errado. Pra quê CPI, afinal?”, ironizou o líder da legenda na Câmara.
“Mais de 250 mil brasileiros morreram durante a gestão que Pazuello considera “exitosa””, completou o vice-líder do partido, Orlando Silva.
Além da falta de honestidade, Renildo aponta para a falta de competência do general da ativa para assumir o Ministério da Saúde durante a pandemia. “Como o ministro da Saúde não sabia a dimensão do maior programa de Saúde Pública do Mundo?”, questionou nas redes.
Os deputados federais Daniel Almeida (PCdoB-BA) e Professora Marcivânia (PCdoB-AP) também comentaram o desconhecimento de Pazuello sobre o Sistema Único de Saúde. Daniel indicou como “mais provas da ineficiência para gerir um ministério tão importante” e Marcivânia indagou os motivos para a ameaça de privatização de uma política tão vital.
“Tratamento precoce”
Questionado sobre o “tratamento precoce”, que inclui o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, como a cloroquina, Pazuello afirmou que é “contra a distribuição de qualquer medicamento sem prescrição.” No entanto, ele estava ao lado do presidente em lives nas redes sociais em que Bolsonaro recomendou a cloroquina. “Eu não recomendei o uso de hidroxicloroquina”, reforçou o ex-ministro.
Segundo Pazuello, o Ministério da Saúde não endossou a recomendação do presidente e a nota informativa do órgão sobre o assunto apenas orienta a dose, caso seja prescrita pelo médico. Coube aos senadores relembrarem Pazuello do aplicativo TrateCov, que indicava remédios sem eficácia comprovada para tratamento de pacientes da Covid-19.
O ex-ministro respondeu que a plataforma “nunca entrou em operação” e que “foi copiada por um cidadão e, depois fizemos um BO [Boletim de ocorrência]”. O protótipo em desenvolvimento era sugestão da secretária de Gestão do Trabalho e Educação, Mayra Pinheiro, apelidada de Capitã Cloroquina.
Perfis nas redes sociais colocam em xeque a versão de Pazuello, já que o próprio ministro se referiu ao “tratamento precoce” em live de Bolsonaro e o aplicativo foi anunciado em matéria da Agência Brasil, do governo federal.
Interferência de Bolsonaro
O ex-ministro também negou que haja interferência de Bolsonaro nas decisões do Ministério da Saúde, pelo menos em sua gestão.
“Em momento algum o presidente da República me orientou ou me encaminhou ou me deu ordem para fazer nada diferente do que eu já estava fazendo. Nada. Absolutamente nada. As minhas posições e as minhas ações nunca foram contrapostas pelo presidente. Em nenhum momento o presidente me desautorizou ou me orientou a fazer qualquer coisa diferente do que eu estava fazendo”, declarou o ex-ministro.
No entanto, durante as tratativas em outubro de 2020 para a compra da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em São Paulo, o presidente da República desautorizou publicamente a compra do imunizante.
“Ele [Pazuello] tem um protocolo de intenções, já mandei cancelar se ele assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”, afirmou Bolsonaro que classificou o imunizante como “vacina chinesa do Doria”.
O Ministério, então, voltou atrás e disse que “não há intenção de compra de vacinas chinesas”. Depois, Pazuello participou de uma transmissão ao vivo ao lado do presidente e declarou uma frase que marcou sua gestão: “senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece”.
Orlando Silva utilizou sua conta no Twitter para recordar a declaração de Bolsonaro acerca da coronavac e afirmou que “o Brasil é governado por hashtags”.
Falta de oxigênio
O colapso do sistema de saúde em Manaus e a falta de oxigênio no Amazonas desgastaram a imagem do governo e o general da ativa tentou minimizar a extensão da tragédia. Os senadores se revoltaram perante à afirmação de Pazuello que o estoque de oxigênio hospitalar em Manaus ficou negativo durante apenas três dias em janeiro.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) disse que o ex-ministro estava mentindo e que a carência do insumo durou ao menos 20 dias. “Não, ministro, desculpe. Nós tivemos pico de mortes por oxigênio em Manaus no dia 30 de janeiro. Antes ficamos dependendo da ajuda do [humorista] Paulo Gustavo, do [cantor] Gustavo Lima. Vamos parar de ficar dizendo que foram 3 dias de falta de oxigênio”, disse o senador.
Pazuello reforçou que soube da escassez de oxigênio em Manaus no dia 10 de janeiro, ao contrário do que diz a versão com documento oficial entregue pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao STF, assinado pelo advogado geral, José Levi, que afirmou que o Ministério da Saúde estava ciente da falta de oxigênio em Manaus desde o dia 8.
O ministro e a Pasta já apresentaram diferentes versões sobre o dia em que a informação chegou ao Ministério da Saúde. A última versão, apresentada pela Pasta no dia 28 de janeiro, argumentava que o Ministério havia alertado apenas no dia 17 de janeiro.
A deputada federal Professora Marcivânia (PCdoB-AP) relembrou o período de duração da crise em Amazonas e o socorro prestado pela Venezuela, que doou tubos de oxigênio ao Estado brasileiro.
“Manaus ficou, pelo menos, 20 dias sem oxigênio, e não apenas dois. Além do mais, quando chegou, veio da Venezuela e não do governo federal. E sequer agradecimento houve ao governo da Venezuela. Mentiras não ajudam a saúde brasileira e configuram crime”, apontou a deputada.
Orlando Silva afirmou que Pazuello foi à Manaus obrigar o uso de cloroquina e que “o povo de Manaus foi usado como cobaia para os experimentos com o kit Covid.”
Recomendações da OMS
Apesar de se posicionar, no discurso, a favor de “medidas preventivas, incluindo o distanciamento social necessário em cada situação”, Pazuello declarou que as orientações da OMS não são obrigatórias e defendeu a soberania do Brasil. “A OMS nos dava uma posição, mas cabia a nós escolher o que seguir”, afirmou.
O ex-ministro disse que sua gestão sempre ressaltou a importância de medidas como uso de máscaras e lavagem das mãos. A posição foi questionada pelos deputados federais Orlando Silva e Jandira Feghali.
Por Rodrigo Abdalla
(PL)