O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF)

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) prestou depoimento, à Polícia Federal, na terça-feira (27), sobre o inquérito que apura possível prevaricação de Jair Bolsonaro, no processo de aquisição da vacina indiana Covaxin.

O crime de prevaricação acorre quando o agente público atrasa ou deixa de agir segundo as regras do cargo para “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. A PF investiga se Bolsonaro agiu assim ao ouvir denúncias de irregularidades na compra da Covaxin e não agir para garantir que fossem apuradas.

Após o depoimento, já na noite da terça-feira, o deputado Luis Miranda informou que pediu ajuda de um delegado da superintendência da PF em Brasília para saber como agir após seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, ser pressionado por superiores.

Segundo o parlamentar, o delegado da PF é testemunha da pressão para fechar o contrato. “Temos uma testemunha que é um delegado da Polícia Federal”, disse, relatando ter orientado o irmão a acionar o investigador diante da insistência de superiores para dar celeridade aos trâmites ilegais para comprar a vacina Covaxin.

A oitiva com o deputado durou 4 horas. Na saída, Miranda afirmou a jornalistas que deixou, espontaneamente, o celular pessoal para ser periciado.

Segundo o deputado, a conversa respalda as afirmações que fez à CPI da Covid-19, em 25 de junho, sobre irmão dele, Luis Ricardo Miranda, ter sofrido “pressões atípicas” para dar celeridade às tratativas para compra do imunizante indiano.

“Com as conversas será possível mostrar a forma que começou [a conversa entre meu irmão e eu], fica evidente que começou de uma forma orgânica, conversando numa naturalidade. Chega um momento que peço que ligue para o delegado [da PF], digo que vou acionar o presidente da República. Vai mostrar que foi uma conversa natural, orgânica. A PF vai saber a verdade dos fatos”, disse o deputado.

O governo fechou contrato de R$ 1,6 bilhão com a intermediária Precisa para adquirir 20 milhões de doses da vacina Covaxin. O valor de cada dose da vacina era de US$ 15 dólares no contrato, bem mais alto do que o Ministério da Saúde informou no início que era de US$ 10 por dose.

O processo de compra foi o mais rápido do que com as outras vacinas.

Enquanto o período entre a negociação e a assinatura do contrato para aquisição da Covaxin levou 97 dias, o processo para compra do imunizante da Pfizer demorou 330 dias, o prazo mais longo entre todas as vacinas.

A vacina ainda nem havia sido analisada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O contrato só não foi pago porque Luis Ricardo Miranda denunciou a pressão para autorizar e pagar antecipadamente US$ 45 milhões por 300 mil doses, 3,7 milhões a menos do que previa o contrato. Além do pagamento ser feito para uma empresa situada em um paraíso fiscal, também não previsto em contrato.

O deputado também rechaçou ter sido convocado para depor na condição de testemunha. Recentemente, a PF, provocada pelo Ministério da Justiça, acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) para ver a possibilidade de incluir Miranda como investigado por denunciação caluniosa no mesmo inquérito que investiga o presidente Bolsonaro.

Depois do depoimento, o deputado negou a existência de investigação contra ele.

“Não só não tem nenhum inquérito me colocando como investigado, como não tem inquérito dizendo que sou acusador, então não há como ter denunciação caluniosa”, explicou.

O deputado afirmou que o depoimento serviu para traçar histórico dos episódios que cercam a denúncia de irregularidades no Ministério da Saúde.

“Entregamos tudo para os investigadores. Fiz uma recriação do momento com informações importantes, com toda uma timeline, com um histórico. Jamais gravaria o presidente. Acho isso bem imoral. Mas jamais vou poder afirmar que não existe uma gravação. Não tenho nenhum arquivo nesse sentido”, reforçou.

O processo por denunciação caluniosa imputado aos irmãos Miranda, é a tentativa de o governo transformar o “limão em limonada”, a partir da denúncia feita por ambos.

Desse modo, ao invés de o governo promover as investigações internas, no Ministério da Saúde, e acionar a PF para investigar as denúncias de irregularidades na aquisição de vacinas para combater a pandemia, passa a acusar os denunciantes.

É uma verdadeira “cortina de fumaça” para atrapalhar as investigações em torno da aquisição de vacinas, que a CPI da Covid-19 no Senado vai aprofundando e que compromete severamente o governo.

Apuração

A investigação foi aberta a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizada pelo STF. O processo é conduzido pelo Sinq (Serviço de Inquéritos Especiais) da PF, porque Bolsonaro tem foro privilegiado.

O prazo inicial para conclusão das investigações é de 90 dias, mas pode ser prorrogado.

Os irmãos Miranda dizem que, em março, foram ao Palácio do Alvorada para contar ao presidente da República sobre as irregularidades no Ministério da Saúde. A dupla diz suspeitar de esquema de corrupção envolvendo o contrato da Covaxin.

A apuração vai esclarecer se houve ou não omissão de Bolsonaro a respeito das irregularidades no processo de contrato da vacina, e também se o presidente, de alguma forma, se beneficiaria pessoalmente com isso.

Bharat rompe com a Precisa

O governo e os governistas na CPI tentaram desqualificar as denúncias do deputado Luis Miranda e seu irmão, dizendo que o contrato da Precisa Medicamentos, que representava a indiana Bharat, produtora da vacina Covaxin, estava correto.

Mas os fatos seguintes confirmaram as denúncias e mostraram que a Precisa é uma empresa inidônea.

A farmacêutica Bharat Biotech cancelou o contrato com a Precisa Medicamentos, que vendeu doses de Covaxin para o Ministério da Saúde, por falsificar documentos usados na venda.

“Recentemente, fomos informados de que certas cartas (conforme anexo), supostamente assinadas por executivos da empresa, estão sendo distribuídas online. Gostaríamos de ressaltar, enfaticamente, que esses documentos não foram emitidos pela empresa ou por seus executivos e, portanto, negamos veementemente os mesmos”, informou a Bharat, em nota.

A Precisa falsificou a assinatura e o carimbo da procuração que lhe dava autorização para negociar em nome da Bharat Biotech e da declaração de inexistência de fatos impeditivos para a compra.

Na CPI, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) já havia denunciado que eram falsos os invoices, nota fiscal prévia, da compra da Covaxin, mostrados pelo governo como regulares e que supostamente mostravam que o deputado e seu irmão haviam mentido.

Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o comunicado da Bharat cancelando o contrato com a Precisa “só confirma aquilo que já havíamos visto: claramente estávamos diante de uma série de documentos montados”.

“Essa última informação já havia sido denunciada aqui, trata-se de uma procuração, encaminhada ao Ministério da Saúde, como se a Bharat tivesse dado à Precisa o poder amplo de negociar preços de vacinas, condição de pagamento, data de entrega, detalhes da operação, formalizando, inclusive, o contrato em nome da Bharat. A Bharat é uma empresa séria, um laboratório indiano sério, que tem uma vacina que, a princípio, parece que é eficaz. diante de todas essas denúncias apresentadas por nós, acaba de confirmar que pelo menos dois documentos, mas acredito que são muitos outros, como estou levantando aqui, foram fraudados. Eles pegam o logo, o carimbo e a assinatura da Bharat, e recheiam com conteúdo que querem”, disse Tebet.

Depois de tudo isso, só aí o Ministério da saúde rompeu esses dias com a Precisa. E a Anvisa anunciou o cancelamento da análise da vacina.