Para 218 deputados Trump “pôs gravemente em perigo as instituições e a democracia nos EUA”

A bancada democrata da Câmara de deputados formalizou na segunda-feira (11) o pedido de impeachment do presidente Donald Trump por “incitação à insurreição contra o governo dos Estados Unidos” e vandalização do Capitólio no dia 6 para impedir a certificação final da vitória de Joe Biden nas urnas.

“Donald Trump incitou voluntariamente seus apoiadores a invadir o Capitólio dos EUA e interromper a transição pacífica do poder. Ele deve ser impedido e removido”, enfatiza a proposta de quatro páginas.

No assalto ao Congresso dos EUA, houve cinco mortos, inclusive um policial, deputados e senadores tiveram que se esconder para não caírem nas mãos da turba, que inclusive clamava pelo enforcamento do vice-presidente, Mike Pence, e pela cabeça da presidente da Câmara, Nancy Pelosi.

O pedido afirma, ainda, que as declarações de Trump naquele dia foram “consistentes com seus esforços anteriores para subverter e obstruir a certificação dos resultados das eleições presidenciais de 2020”

Apresentado pelos deputados Ted Lieu, David Cicilline, Jaime Raskin e Jerrold Nadler, e co-patrocinado por 218 deputados, o pedido de impeachment reitera que Trump “pôs gravemente em perigo” as instituições de governo dos Estados Unidos e “permanecerá uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se permitido a continuar no cargo”. O pedido deverá ser votado na quarta-feira.

Por mais delirante que haja sido o comportamento e o visual de certas figuras durante a invasão do Capitólio, cada dia fica mais claro de que não se tratou de um esparramo de alguns milhares de “desajustados” e “lunáticos”, mas um golpe fascista que fracassou, apesar de todo empenho de Trump e da escória que o circunda

Assim, nos numerosos vídeos que vieram a público do assalto ao Congresso dos EUA, não é difícil perceber a presença, ao lado desses exóticos, de paramilitares. Inclusive alguns deles levando um tipo de algema de plástico cuja única serventia é capturar gente. Os alvos, ou possíveis reféns, aventou a mídia norte-americana, eram os congressistas

Pelosi já havia responsabilizado Trump por gerar a “atmosfera” política e social em que o golpe se tornou possível, ao dizer desde muito antes do dia da eleição que já estava ‘eleito’, e só perderia se tivesse fraude. Levou milhões de seus eleitores a acreditarem que a tradicional votação pelo correio, por ser a preferida pelos democratas por causa da pandemia, era “fraude”.

O ex-governador da Califórnia, republicano de longa data, e ator de sucesso, Arnold Schwarzenegger, chamou a invasão do Capitólio de a “noite dos cristais” da América, comparando com a vandalização de lares de judeus em 1938 na Áustria, país onde ele nasceu – “uma noite de violência levada a cabo pelo equivalente nazista dos Proud Boys (milícia de extrema-direita dos EUA). Tudo começou com mentiras, mentiras e mentiras, e intolerância”, acrescentou.

Nada como as próprias palavras de Trump no dia 6, aos fanáticos que atenderam a seu chamado: “vocês nunca vão retomar nosso país com fraqueza, vocês têm que mostrar força, têm que ser fortes”. Ao convocar a turba a marchar sobre o Congresso, inclusive disse que iria junto.

Trump acrescentou que a crise política em Washington não era mais simplesmente uma questão de “fraude eleitoral”, mas de “segurança nacional e regras diferentes se aplicam”. Pelo Twitter ele antecipara: vai ser “selvagem”.

Antes dele, o advogado de Trump, Rudy Giuliani, foi ainda mais explícito: a decisão do confronto político nos EUA seria estabelecida por um “julgamento em combate”.

Em resumo, o que Trump pretendia era utilizar a chamada “Bancada da Sedição” – apelido aposto pelo jornal Washington Post – para questionar o resultado eleitoral já certificado pelos estados, forçando a devolução em estados como Arizona, Geórgia e Pensilvânia, em que Biden venceu mas o poder legislativo é dos republicanos.

O objetivo era cassar o resultado da urna e substituir por uma votação de cartas marcadas de deputados, para mudar os delegados no Colégio Eleitoral por nomes favoráveis a Trump, o que poderia incluir uma “auditoria” para justificar a cassação dos votos de Biden. A “Bancada da Sedição” era composta por mais de uma dezena de senadores e mais de 100 deputados republicanos, mas encolheu depois do assalto ao Capitólio.

Que Trump não pretendia parar diante de nada para fraudar a eleição ficou patente no famoso telefonema ao secretário de Estado da Geórgia, que é republicano, ordenando que “achasse” mais de 11 mil votos para roubar a eleição a favor dele.

O assalto ao Capitólio foi desencadeado para coincidir com o início da sabotagem de parte da Bancada pró-Trump, questionando a vitória democrata no Arizona.

É possível que, nos cálculos de Trump, caso ele embaralhasse a situação nos estados-chave, poderia obter, nessa nova situação, uma decisão favorável da Suprema Corte de maioria ‘6 a 3’ – três juízes que ele próprio nomeou-, numa espécie de reedição de 2001.

O lado “selvagem” da operação, já referido por Trump, agravou-se à medida que seu vice, Mike Pence, não topou ser o pivô da fraude – e do golpe -, dizendo na abertura dos trabalhos que não cabia a ele dizer quem era vencedor ou perdedor em cada estado e que ele não tinha poder para mudar o resultado atestado por cada estado.

O que explica a ira de Trump (“ele não teve coragem”) e os gritos de “enforquem Pence” ouvidos nos corredores do Congresso – inclusive pelo próprio vice, que estava com a mulher e filha do lado.

Antes Trump assegurara, pelo Twitter, que ele e Pence “estavam em total acordo de que o vice-presidente tinha o poder para agir [isto é, roubar a eleição]”. Na mesma declaração, enfatizara que Pence tinha “várias opções” sob a Constituição dos EUA.

Também o líder republicano do Senado, Mitch McConnell, depois de por meses coonestar as mentiras de Trump sobre fraude nas eleições, optou por não embarcar no desfecho da trama, admitiu que não houve fraude generalizada, que o voto pelo correio tinha sido normal nas circunstâncias da pandemia e que, por esse caminho de reescrever resultado, o país ficaria em guerra a cada quatro anos e só o vencedor é que aceitaria o resultado.

Há outros elementos que permitem estabelecer que a coisa não aconteceu no calor do momento, mas de caso pensado. Para começar, o prédio do Capitólio ficou praticamente desprotegido, quando era óbvio, pela crise política e marcha de extremistas amplamente anunciada, que precisava de reforços.

Aliás, deveria ser o local mais seguro do país mais armado do mundo, no momento em que o Congresso bateria o martelo pela vitória do oposicionista Biden, e por ser símbolo da própria democracia americana.

Quando se compara o gigantesco aparato de repressão lançado no ano passado contra as manifestações anti-racistas, com o pífio esquema do dia 6, não há como ocultar isso.

Detalhes trazidos pelos jornais e testemunhos no Congresso mostram uma ação concatenada para deixar o Congresso à mercê dos extremistas.

Nos dias anteriores a 6 de janeiro, o Pentágono havia desarmado a Guarda Nacional de Washington DC e recusado o pedido da prefeita da capital federal, Muriel Bowser, de armar e prepará-los. Um documento oficial do Pentágono que revisa a preparação para o 6 de janeiro refere-se à marcha trumpista como “Protestos da Primeira Emenda em Washington DC”.

O Pentágono também bloqueou o envio de uma “força de reação rápida”, que está estacionada na Base Conjunta Andrews de Maryland e é mantida em reserva precisamente para este tipo de situação.

Por sua vez, a Polícia do Capitólio se negou a atender aos reiterados pedidos das autoridades do Congresso por maior proteção da cerimônia de certificação do resultado do Colégio Eleitoral.

Os três principais comandantes foram demitidos no dia seguinte à invasão. Inclusive chegaram a mentir, na hora mais difícil, aos líderes do Congresso sobre reforços pedidos.

Tanto no caso do FBI, quanto do Pentágono, os líderes do Congresso tiveram que usar canais não-oficiais, para suplantar o boicote aos pedidos de socorro.

De acordo com o Washington Post, foi um assessor de McConnell, contornando a cadeia oficial de comando e chamando um amigo que trabalhou no FBI e o informando da situação, que conseguiu que fosse enviada a primeira de três equipes táticas, incluindo uma do escritório de campo do FBI em Washington, para garantir a segurança dos senadores.

O mesmo se repetiu em relação à chegada da Guarda Nacional. Somente quando foi acionado o Estado-Maior Conjunto do exército dos EUA, foi liberado o envio da Guarda Nacional do vizinho estado de Maryland.

Como relatou o governador Larry Hogan, que é republicano, a liderança do Congresso estava sendo ludibriada com informes de que as unidades iriam chegar, quando na verdade durante duas horas os homens de Trump no Pentágono bloquearam o envio.

A liberação, como explicou, veio por um canal não-oficial, depois que o Estado-Maior conseguiu falar com Pence. Foi assim que a Guarda Nacional, com horas de atraso, finalmente foi em socorro do Capitólio violado.

O governador da Virgínia, Ralph Northam, revelou depois que Pelosi lhe telefonou na quarta-feira pedindo ajuda. Ele citou as palavras da presidente da Câmara: “Ralph, há vidros sendo quebrados ao meu redor. Ouvi dizer que houve tiros. Estamos muito, muito preocupados neste momento”.

Também há informes de gente, de dentro, auxiliando a invasão do Capitólio acontecer. O líder da maioria democrata na Câmara, James Clyburn, disse à CBS que acreditava que deputados trumpistas haviam fornecido à turba mapas do Congresso e aberto portas laterais para ingresso dos extremistas. “[Os invasores] sabiam para onde ir. Funcionários relataram que viram pessoas autorizadas a entrar no prédio através de portas laterais”. “Sim, alguém no interior desses edifícios foi cúmplice disso”.

Outro fator do fracasso do golpe fascista foi a carta dos últimos dez ex-secretários de Defesa, inclusive os nomeados pelo bilionário, instando os militares a respeitarem a ordem constitucional. Logo após a eleição de 3 de novembro, Trump colocou no Pentágono e na Segurança Interna nomes fiéis a ele, interinos, para escapar do crivo do Congresso.