Mesmo com a Anvisa não autorizando o uso do imunizante, o governo da Bahia busca autorização do STF para importar e distribuir doses da Sputnik V, desde que com registro de uma agência reguladora de referência internacional.

O governo baiano recebeu apoio de defensorias públicas de 21 estados e do Distrito Federal, que pediram para fazer parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com o objetivo de viabilizar a vacina Sputnik V para imunização da população.

O requerimento foi formalizado pelo Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores e pelo Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais e traz uma série de pesquisas que comprovam que a população com menos recursos financeiros e com menos instrução é a mais afetada pela pandemia.

A petição dos defensores ressalta o fato de haver uma disputa mundial pelos insumos e vacinas e de já estar bastante diagnosticado o atraso em que se encontra o Brasil, com a perda de milhares de vidas de brasileiros, dor e sofrimento.

Para as defensorias, diante desse cenário, deve ser considerado que a vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, já se encontra aprovada para uso emergencial, com imunização em curso das populações da Rússia, Emirados Árabes Unidos, Venezuela, Bolívia, Bielorrússia, Sérvia, Argélia, Turcomenistão, Hungria, Palestina, Argentina e Paraguai.

No caso dos dois últimos, as certificações das respectivas agências reguladoras para uso emergencial foram realizadas pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas.

Para Mauro Schechter, professor titular de Doenças Infecciosas da UFRJ e de epidemiologia da Universidade de Pittsburgh e da Johns Hopkins University, não há nenhuma razão para a Anvisa não aprovar vacinas que receberam o aval de agências reguladoras como a FDA dos Estados Unidos ou da EMA da Europa.

Além disso, como a preparação dos dossiês (o chamado Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos) é, em geral, onerosa, pois é necessário muitas vezes traduzir os documentos para português, as empresas não devem apresentar pedidos para agência sem uma eventual chance de venda no país.

No caso da Sputnik V, diz ele, é possível que seja uma questão de nacionalismo. “A Anvisa possui critérios técnicos rigorosos, mas não é mais rigorosa do que essas agências internacionais. Se as outras agências avaliaram as vacinas e determinaram que são seguras e eficazes, não tem por que a Anvisa não aceitar”.

Em relação à determinação de conduzir testes no país, o pesquisador afirma que embora possa, sim, haver diferenças genéticas entre as populações, é muito difícil que um medicamento ou vacina encontrado como seguro e eficaz em outros países não possa ser aprovado aqui.

“A população brasileira é a mais diversa, e uma vacina testada só em um grupo muito homogêneo pode ter diferença. Mas se ela foi testada, por exemplo, em asiáticos e africanos, não há razão para dizer que não vai funcionar aqui.”

MEDIDA PROVISÓRIA

No começo do mês janeiro, o governo federal permitiu que o Ministério da Saúde comprasse vacinas no exterior antes da aprovação da Anvisa, desde que elas estivessem aprovadas por algumas agências internacionais específicas. Documentos internos mostram que o Brasil excluiu a Rússia da lista de países que poderiam se beneficiar disso, o que deve dificultar a compra da vacina Sputnik V.

O governo federal deu essa permissão para o Ministério da Saúde através de uma Medida Provisória (MP), que listava agências regulatórias que podiam acelerar a compra de vacinas. Entre elas estão as agências dos Estados Unidos, China, União Europeia, Reino Unido e Japão.

Antes de a MP ser aprovada, existia uma minuta, com data de 29 de dezembro, que incluía a agência sanitária da Rússia entre essas entidades que poderiam acelerar a compra de vacinas. Um texto até citava que a inclusão desse país aumentaria as opções de compras do Brasil no exterior. Mas em 6 de janeiro a MP foi aprovada sem essas citações à Rússia.

Em dezembro, o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, incluiu a vacina Sputnik V entre os imunizantes que poderiam integrar o plano nacional de imunização. Mas até agora o governo federal só comprou vacinas da Coronavac e da Astrazeneca, mesmo tendo possibilidade de comprar outros imunizantes que ainda não tenham aprovação da agência sanitária.