O enfrentamento à propagação de notícias falsas nas eleições de 2022 pode ter adquirido novo fôlego a partir de recentes decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar de não cassar a chapa Bolsonaro-Mourão devido aos disparos em massa nas eleições de 2018, a corte entendeu que tal esquema é sim passível deste tipo de punição por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Além disso, a cassação do deputado estadual Fernando Fransischini (PSL-PR) por ataques às urnas eletrônicas e a proibição de repasses por parte das redes sociais de dinheiro a páginas bolsonaristas investigadas por disseminar fake news podem sinalizar uma nova fase na luta contra a manipulação da opinião pública.

Na avaliação do advogado do PCdoB, Paulo Guimarães, os disparos em massa e de fake news são “uma nova modalidade de abuso de poder econômico e dos meios de comunicação”. O que se espera, diz, é que “seja possível à Justiça Eleitoral ter — conforme externou o ministro Alexandre de Moraes em seu voto no julgamento das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) contra a chapa Bolsonoaro-Mourão — condições de agir, com rapidez e precisão, para que tumultos desta natureza não se repitam”.

Embora tenha votado contra a cassação da chapa, o ministro Alexandre de Moraes — que compõe o TSE e irá presidi-lo no ano que vem — deu um recado claro durante o julgamento, ocorrido no último dia 28: “Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim o fizeram irão para cadeia por atentar contra as eleições e contra a democracia no Brasil”.

Moraes também declarou que “podemos absolver aqui por falta de provas, mas sabemos o que ocorreu. Sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra” e acrescentou que “essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio”.

Provas contra Bolsonaro-Mourão

O advogado Paulo Guimarães, por sua vez, entende que a instrução probatória contida nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral, propostas pela Coligação “O Povo Feliz de Novo” (PT-PCdoB- Pros), “reuniu farta comprovação da prática de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social pela chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, nas eleições de 2018”.

Ele lembra que o próprio relator, ministro Luís Felipe Salomão — que foi acompanhado pelos demais Ministros do TSE —, reconheceu que “ao menos desde o início da campanha o foco dos representados cingiu-se à mobilização e captação de votos mediante aplicações tecnológicas de internet, incluídas ferramentas de mensagens instantâneas. A conduta assumiu contornos de ilicitude a partir do momento em que se utilizaram essas ferramentas para minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial dos segundos colocados”.

No conjunto probatório que caracterizou a conduta ilícita da chapa bolsonarista estão aspectos como a constatação, em outubro de 2018, de que as empresas Yacows, SMS Market, Quick Mobile e Croc Services ofereciam serviços de disparos em massa de mensagens, em afronta aos seus termos de serviços do Whats App. Ainda segundo a ação, os anúncios nos sítios eletrônicos revelam “preocupante e espantoso potencial de divulgação de mensagens, a exemplo do funcionamento em três turnos de trabalho e de até 75 mil envios diários (afora as replicações pelos usuários)” além de “comportamentos concretos indicativos de disparos em massa por duas das empresas, o que ensejou o banimento de contas a elas associadas”.

Cassação de deputado

Com relação ao recurso ordinário interposto pelo Ministério Público Estadual do Paraná e acolhido pelo TSE contra o então candidato Fernando Francischini, pela prática de abuso do meio de comunicação em redes sociais, Paulo Guimarães avalia tratar-se de “importante precedente contra a veiculação sistemática de notícias falsas, que acarretam ampla repercussão e tumulto, evidenciando sua gravidade”.

O ministro relator Luís Felipe Salomão destacou, em seu voto, que “não há margem para dúvida de que constitui ato abusivo a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à própria democracia, incutindo-se nos eleitores a falsa ideia de fraude em contexto no qual candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática”.

O magistrado apontou ainda que “o abuso de poder político configura-se quando a normalidade e a legitimidade do pleito são comprometidas por atos de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas em manifesto desvio de finalidade”.

Ao julgar a conduta do deputado, o ministro Luís Roberto Barroso — que tem travado uma batalha contra insinuações sem provas feitas por Bolsonaro e seus apoiadores sobre a lisura do sistema eleitoral brasileiro — afirmou que “se nós passarmos pano à possibilidade de um agente público representativo ir às mídias sociais dizer que o modelo é fraudado e que candidato está derrotado por manipulação da Justiça Eleitoral, o sistema perde a credibilidade”.

Por Priscila Lobregatte
Com agências