Speaker of the House Nancy Pelosi (R) arrives with Philonise Floyd, brother of George Floyd, for a House Judiciary Committee hearing to discuss police brutality and racial profiling on June 10, 2020 in Washington,DC. (Photo by MICHAEL REYNOLDS / POOL / AFP) (Photo by MICHAEL REYNOLDS/POOL/AFP via Getty Images)

“Façam parar”, disse no Congresso dos EUA na quarta-feira (10) o irmão de George Floyd, Philonise Floyd, que testemunhou em audiência sobre o projeto de lei democrata de reforma da polícia (Justiça no Policiamento 2020), apresentado como um esforço de resposta ao linchamento que chocou o país e o mundo inteiro.

O depoimento ocorreu no dia seguinte ao sepultamento em Houston de George Floyd, cujo linchamento, com asfixia com joelho, por um policial de Minneapolis, desencadeou a maior revolta em cinquenta anos nos EUA, desde que a luta pelos direitos civis enterrou a segregação racial, e recebeu manifestações de solidariedade do mundo inteiro.

Ao Comitê Judicial da Câmara dos Deputados em Washington, Philonise pediu que garanta que o irmão George “seja mais do que outro rosto em uma camiseta, mais do que outro nome em uma lista que não para de crescer”.

O democrata Jerrold Nadler, que preside o Comitê Judicial da Câmara, ao abrir os trabalhos conclamou o Congresso a adotar um “um modelo de policiamento guardião – não, guerreiro”. “O país está exigindo que promovamos mudanças significativas”, sublinhou.

Na segunda-feira, o Partido Democrata apresentou um projeto de reforma da atuação policial, depois de congressistas terem homenageado George Floyd com o ajoelhar respeitoso criado pelo jogador Colin Kaepernick e que virou símbolo da luta contra o racismo.

“É ISSO QUE VALE A VIDA DE UM NEGRO: US$ 20?”

“Estou aqui para pedir que [os linchamentos] parem”, reiterou Philonise, lembrando como o irmão agonizou por quase nove minutos sob o joelho de um policial racista no dia 25 de maio, enquanto dizia que “não consigo respirar”. “Os pedidos de ajuda de George foram ignorados”, destacou.

“Por favor, ouçam o apelo que estou fazendo agora, os chamados de nossa família e os chamados nas ruas de todo o mundo”, disse ele. “Pessoas de todas as origens, sexo e raça se uniram para exigir mudanças. Honrem-nos, honrem George e façam as alterações necessárias que tornem a aplicação da lei a solução – e não o problema.”

“A justiça tem que ser feita. Aqueles policiais têm que ser condenados. Qualquer um com coração, sabe que isso é errado. Não se faz isso com um ser humano, não se faz isso nem com um animal. A vida dele importava. Todas as nossas vidas importam. Vidas negras importam”, disse Floyd na audiência.

Philonise foi quase até às lágrimas, ao relatar como George continuara a se dirigir aos policiais que o detinham como “Sir” [senhor], enquanto estava morrendo, e ao mencionar a razão para a qual a polícia fora acionada naquele dia. Uma queixa de que alguém comprara cigarros com uma nota falsa de 20 dólares.

“Estou lhes perguntando, é isso que vale a vida de um homem negro?”, questionou Philonise. “Vinte dólares? Isso é 2020. Basta!”.

Os democratas da Câmara acreditam que seu projeto de lei Justiça no Policiamento 2020 será votado até o final do mês. Em conferência de imprensa na segunda-feira, lideranças democratas da Câmara e do Senado classificaram-no como “um ataque transformador e audaz à violência policial e ao racismo sistêmico”.

O projeto de lei democrata proíbe o estrangulamento e o ‘perfil racial’ – a prática de revistar negros a rodo -; limita a militarização dos departamentos de polícia (via doação do Pentágono de armas pesadas, drones, blindados e helicópteros que estão sobrando depois de duas décadas de ocupação no exterior); e passa a considerar linchamento como crime de ódio federal.

Para conter a impunidade, institui ainda um registro nacional de má conduta policial, altera estatutos sobre abuso policial e uso de força, e cria um programa que permite – mas não exige – que os procuradores-gerais dos estados abram investigação independente para casos de má conduta.

Também limita, mas não elimina, a aplicação da “imunidade qualificada” aos policiais infratores, estatuto que até aqui praticamente garante impunidade aos policiais que violam os direitos constitucionais das pessoas.

Enquanto o brado de “sem justiça, sem paz” reúne milhões nas ruas contra o linchamento e a impunidade, Trump, notório racista desde os “Cinco do Central Park”, aproveitou para se declarar o “presidente da lei e da ordem”.

“A brutalidade policial é um reflexo desolador de um sistema entrincheirado de injustiça racial na América”, afirmou a presidente da Câmara Nancy Pelosi na apresentação do projeto de lei, que chamou de “primeiro passo”, prometendo “mais por vir”.

Nas ruas, o debate já está colocado, com os chamados a cortar as verbas dos departamentos de polícia se espalhando de costa a costa.

O conselho de Minneapolis (câmara de vereadores) definiu que não tem como consertar o atual Departamento policial e é preciso implantar uma nova estrutura. O prefeito Jacob Frey discorda.

Isso já aconteceu em Camden, no estado de Michigan, com notável melhoria dos índices de criminalidade e de maus tratos policiais, com um modelo com mais participação da comunidade.

Por sua vez, o líder da luta pelos direitos civis, Jesse Jackson, que foi a Minneapolis para o adeus a George Floyd, as reformas fundamentais precisam começar com o fim da “imunidade qualificada” da polícia, transferência de fundos e funções para agências sociais, imposição de requisitos de residência, declaração do linchamento como crime de ódio e restrição à política do Pentágono de desovar sobras das guerras de ocupação nas forças policiais civis.

Na realidade, esse racismo patológico que tem raízes na escravidão e na segregação se cevou na política de criminalização em massa dos anos 1990 de negros, hoje desproporcionalmente largados nas cadeias, sob pretexto da ‘guerra às drogas’, com todos os seus desdobramentos.

Como registrou Jackson, “desfinanciar” [a polícia] significa “transferir recursos que agora vão para a polícia para investimentos em comunidades em saúde, escolas e moradias”. O que reflete a realidade de que nessas comunidades “a supercriminalização transformou praticamente todo mundo em um alvo em potencial”.

Nas comunidades, aponta o reverendo “a polícia se envolveu em áreas melhor deixadas para os outros, desde a disciplina escolar, execução de despejo, dependência e abuso de substâncias”, ao contrário do que ocorre nos demais bairros.

Também reconheceu problemas com os departamentos de polícia o chefe dos agentes da lei de Houston, Art Acevedo, que participou das homenagens a Floyd e que disse, sobre as ameaças de Trump aos manifestantes, de que, se ele não tinha nada de construtivo a dizer, deveria “calar a boca”,.

O chefe de polícia pediu leis e padrões nacionais em torno do policiamento nos EUA. “Temos 18.000 departamentos de polícia com 18.000 formas de resolver assuntos e 18.000 conjuntos de políticas”, destacou. “É hora de nosso país perceber, e do Congresso, que, quando se trata de políticas críticas, em termos de uso da força e coisas dessa natureza, temos que ter um padrão nacional de política, lei e requisitos de treinamento”.

Acevedo também disse acreditar que a morte de Floyd foi um “momento divisor de águas” para sua cidade e para a nação. “Aqui, todos nós nos reunimos mais uma vez fortemente em Houston, mostrando que, quando trabalhamos juntos e de uma maneira e em um espírito que é construtivo e não destrutivo, podemos mudar o mundo”.