Como parte da programação do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia, foi realizado no dia 27/4, na sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT4), o debate Capitalismo, mundos do trabalho e as instituições públicas: contradições e perspectivas pós-pandemia. O foco central foi a grave situação da classe trabalhadora brasileira – marcada pelo alto desemprego, a informalidade, a precariedade e a falta de condições dignas de trabalho – e a busca por novos caminhos que garantam pleno emprego com qualidade, a partir de um projeto de desenvolvimento justo, inclusivo, ambiental e socialmente responsável.

O debate contou com as participações de Marilane Teixeira, economista e pesquisadora no CESIT-Unicamp e assessora sindical; José Dari Krein, mestre em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas; Amarildo Cecil, presidente da CUT-RS; Miguel Rossetto, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, com mediação de Magda Biavaschi, desembargadora aposentada do TRT4.

Ao iniciar o debate, Marilane Teixeira destacou que as mudanças no mundo de trabalho vão além das consequências da reforma trabalhista e que, mais do que pensar na sua revogação, “é fundamental ter uma perspectiva mais ampla em relação ao trabalho, considerando aspectos como heterogeneidade, exclusão, dignidade e acesso”. A economista lembrou que a alta taxa de desemprego no país não vai ser revertida sem um projeto de desenvolvimento à altura deste desafio, o que inclui também a informalidade, que atinge mais de 40% da força de trabalho.

Além da crise dos últimos anos, Marilane salientou que o modelo neoliberal e o individualismo sustentado por esse sistema impuseram enormes perdas e degradação para a classe trabalhadora. Neste cenário, ela apontou que também é preciso levar em conta, na busca por outro modelo de sociedade, os agravantes trazidos por aspectos ligados a gênero e raça. “Estas são questões estruturantes e ignorá-las é negligenciar parte importante da população, as mulheres e população negra, que são as principais vítimas dessa situação”.

Outro ponto destacado pela economista é a necessidade de garantir direitos e aposentadoria para quem trabalha como MEI (microempreendedor individual) e PJ (pessoa jurídica). Ela lembrou, por exemplo, que trabalhadores dessas modalidades muitas vezes só conseguem contribuir para a previdência – o que é feito de maneira voluntária e individual – quando têm trabalho; quando não têm, são obrigados a suspendê-la, o que gera insegurança para o futuro e precariza as condições de vida. “Precisamos pensar um sistema que supere esses momentos de não contribuição”, completou.

Ela também defendeu a necessidade de um projeto nacional inclusivo e concatenado com uma dinâmica econômica que crie sinergia entre setores econômicos para gerar empregos e, ao mesmo tempo, atender a expectativa de melhoria de vida da população. Por fim, destacou ser fundamental organizar os atores sociais em torno de bandeiras de luta em que o trabalho tenha centralidade.

Trabalho e pandemia

José Dari Krein salientou que a pandemia colocou a agenda do trabalho como elemento fundamental para a sociedade. “Outro mundo só será possível se resolvermos a questão do trabalho”, disse.

Para tanto, elencou alguns pressupostos que considera basilares. Ele lembrou que o mundo vivencia uma crise profunda, paradigmática do capitalismo, que abarca questões geopolíticas, ambientais e de padrão de consumo insustentável, entre outros aspectos. Tal crise também envolve mudanças no padrão tecnológico, que são manejadas em favor do capital e em detrimento dos trabalhadores. Para ele, essa crise coloca em xeque a própria legitimidade do neoliberalismo, que “não entregou o que prometeu”, o que levou a profundos impactos na vida das pessoas, abrindo caminho para experiências de extrema-direita que capturaram e instrumentalizaram essa revolta.

Neste sentido, ele chamou atenção para o problema estrutural da ausência de trabalho, que resulta em desemprego e precarização. “Não dá para resolver pensando apenas no crescimento econômico; é preciso que haja desenvolvimento com atividades relevantes para o conjunto da sociedade”, explicou. Segundo ele, é necessário que o Estado coordene a criação de ocupações.

Outro aspecto grave, conforme destacou, é como a situação atinge a juventude. “É preocupante ter uma geração de jovens sem perspectiva de inserção no mercado”, colocou, salientando a urgência de se criar condições adequadas de educação, formação e inserção para essa faixa etária.

Krein também alertou para a queda na taxa de sindicalização, especialmente após a reforma trabalhista e a partir do governo de Jair Bolsonaro. Ele afirmou que é preciso repensar os sindicatos, criando uma estrutura mais horizontalizada e classista.

Romper com o neoliberalismo

Amarildo Cenci, por sua vez, apontou como questões centrais para superar a crise atual o rompimento com o modelo neoliberal e destacou que é preciso sinalizar para a classe trabalhadora a necessidade desse rompimento.

Ele também defendeu que o Estado cumpre importante papel no processo de desenvolvimento em todos os sentidos e lembrou que o capitalismo desdenha do Estado, mas procura se utilizar da estrutura estatal para fazer valer seus interesses.

Para o sindicalista, é preciso revogar também a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, e mudar a forma de tributação no país. Também destacou ser preciso encerrar o ciclo de privatizações e rever as que já foram feitas e estabelecer no país medidas de valorização do trabalho e de sustentabilidade ambiental, uma vez que a lógica de consumo atual é inviável, e de promoção da agricultura familiar como forma de gerar renda, produzir comida saudável, acessível e com respeito ao meio ambiente.

Encerrando os trabalhos, o ex-ministro Miguel Rossetto colocou: “Estamos diante de uma oportunidade política extraordinária, a cinco meses de uma escolha que demarca o nosso tempo histórico”. Ele classificou como gigantesco o desafio de mudar o atual ciclo político que impôs uma série de ataques à classe trabalhadora e destruiu o país. Salientou que a economia e o Estado podem ser parceiros permanentes de uma nova ordem e por isso são “espaços de disputa permanente para quem quer construir outro mundo”.

Rossetto avaliou que é preciso conceber uma nova economia que pense novas relações sociais e de produção, que atendam às necessidades do povo e sejam respeitosas com os limites planetários e incorporem o direito à sobrevivência digna de todos com qualidade de vida e direitos.

Para o ex-ministro, vivemos no Brasil uma experiência brutal iniciada com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. “Subestimamos a cultura autoritária e violenta da elite brasileira e seu descompromisso com protocolos básicos”, disse, usando como um dos exemplos a destruição do Ministério do Trabalho.

Ele ressaltou que além da revogação da reforma trabalhista, é urgente uma mudança mais profunda, que altere o conjunto de medidas que operam contra o trabalho. “Precisamos recuperar o Estado e repensar o padrão de regulação, pensar uma nova CLT do século 21, atualizada conforme os desafios deste momento”. Ele concluiu enfatizando que estabelecer um Estado garantidor de direitos é uma conquista civilizatória e que as instituições devem operar no sentido de construir esse novo mundo.

 

Assista aqui a íntegra do debate.

 

Por Priscila Lobregatte