A primeira coisa que Trump fez ao chegar à Casa Branca foi tirar a máscara facial | Foto: Erin Scott/Reuters

Já está de volta à Casa Branca o presidente Donald Trump nesta segunda-feira (5), depois de internado por quase quatro dias por infecção de Covid-19 no principal hospital militar dos EUA, o Walter Reed.

De forma teatral, Trump saiu pela porta da frente do hospital e ingressou no helicóptero, que sobrevoou uma aglomeração de apoiadores nas imediações. Assim que chegou à Casa Branca, a primeira coisa que Trump fez foi tirar a máscara facial, sem estar curado.

Pela manhã, o próprio Trump se encarregara de tuitar sobre sua iminente volta. O tratamento continuará sendo ministrado na Casa Branca.

Duas dezenas de altos escalões do governo Trump e também a primeira-dama, Melania, testaram positivo para o coronavírus. A mais nova infectada é sua secretária de imprensa, Kayleigh McEnany.

A pressa em voltar é reveladora de que a quedas nas pesquisas – o Wall Street Journal deu que Biden subiu para 14 pontos de vantagem- e a percepção de que a maioria (65%) atribuiu o contágio ao seu descaso com a pandemia, estão forçando Trump a aumentar as apostas.

Nos dias em que esteve internado, chegou por duas vezes a precisar de oxigênio suplementar e foi medicado com drogas experimentais. Foi-lhe administrado o antiinflamatório dexametasona, normalmente recomendado apenas para os casos graves. Trump irá receber a quinta e última dose do antiviral remdesivir nesta terça-feira na Casa Branca.

No domingo, Trump deu uma volta de carro para acenar para apoiadores do lado de fora do Walter Reed, encenação que foi condenada por outro médico da equipe do hospital, por dar um péssimo exemplo aos norte-americanos doentes e por colocar em risco os dois agentes do serviço secreto que o acompanharam.

Após Trump deixar hospital, o candidato democrata a presidente, Joe Biden disse que o presidente dos EUA deveria dar “a lição correta” sobre máscaras. Ele reiterou que Trump deveria ensinar os norte-americanos que “máscaras importam e salvam vidas”. No debate da semana passada, Trump zombou do uso do acessório por Biden.

DESFAÇATEZ

Na tentativa de deter o desgaste, que reflete a crescente percepção de que sua incúria com a pandemia chegou ao ponto de ele próprio se contagiar, Trump – num país recordista mundial de infectados (7,4 milhões) e mortos (210 mil) – teve a desfaçatez de exortar seus seguidores a “não temerem” a Covid e a “não deixarem isso dominar suas vidas”.

Mentiu a seguir que se sentia “melhor do que aos 20 anos”.

O que fez com a mesma sem-cerimônia com que já chamou a Covid de ‘gripe comum’ que ‘desaparece com o calor’, recomendou cloroquina e injeção de água sanitária no pulmão dos enfermos, e alardeou que a vacina estava ‘na esquina’.

A convocação de Trump a que as pessoas não “temam” o mortal coronavírus alarmou os especialistas em Saúde pública. “A maioria das pessoas não tem tanta sorte quanto o presidente”, que conta com uma unidade médica interna e acesso a tratamentos experimentais, alertou o Dr. David Nace, do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh, especialista em infecções em idosos. “Temos que ser realistas: o COVID é uma ameaça completa para a população americana”, enfatizou.

Para Sadiya Khan, da Escola de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern, trata-se de “uma mensagem injusta”. Eu chegaria ao ponto de dizer – ela acrescentou à Associated Press – que pode “precipitar ou piorar a propagação.”

Tanto Nace quanto Khan expressaram temor de que Trump não fique devidamente isolado na Casa Branca ou que não venha a respeitar as normas, como o uso de máscara.

“Sabemos que ele odeia a máscara, sabemos que ele odeia ser restringido, sabemos que ele é imprevisível”, disse Nace. O resto do povo americano – assinalou – é responsabilizado “por um período de isolamento de 10 dias”, como decidido pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

Até mesmo nas hostes republicanas, a declaração de Trump trouxe desassossego. Ao Houston Chronicle, o senador John Cornyn, disse que Trump havia “baixado a guarda” em seu esforço para mostrar que o país estava superando o vírus e havia criado “confusão” sobre como se manter seguro.

ALTA

O contágio do presidente aconteceu em um momento em que as infecções do coronavírus nos EUA continuam grassando – e a cerca de um mês de uma eleição em que a omissão, a incompetência e a mentira do governo sobre a pandemia se tornaram a questão determinante.

O médico de Trump, Sean Conley admitiu que o presidente não estaria totalmente “fora de perigo” por mais uma semana, mas asseverou que Trump cumpriu ou ultrapassou os padrões de alta do Walter Reed.

Ainda segundo Conley, devido ao nível “incomum” do tratamento a que Trump foi submetido, ele estava em “território desconhecido”. Ele previu que Trump poderia retomar sua programação normal assim que “não houver mais evidência de vírus vivo ainda presente”.

Persistem questionamentos sobre os potenciais efeitos de longo prazo para o presidente – e até mesmo acerca de quando foi que ele pegou o vírus. Alegando a confidencialidade médico-paciente, Conley se recusou repetidamente a compartilhar os resultados das varreduras médicas dos pulmões de Trump. A Covid-19 é conhecida pelos danos significativos que acarreta aos pulmões de alguns pacientes.

Como fatores de risco em seu caso, Trump tem 74 anos, é obeso, toma remédio para controlar o colesterol e é do sexo masculino.

Os médicos continuam preocupados com segunda fase da doença, em que alguns pacientes podem apresentar uma série de inflamações provocadas por uma resposta exagerada do sistema imunológico ao vírus, que costuma ocorrer entre o sétimo e décimo dias.

Na sexta-feira, Trump chegou a ter febre, congestão nasal, tosse leve e cansaço, quando também precisou receber oxigênio. Segundo a equipe médica, Trump está com a saturação de oxigênio em 97%, o que é considerado normal.

Como ressaltou a AP, a experiência de Trump com a doença tem sido “dramaticamente diferente da maioria dos americanos”, que não têm acesso ao mesmo tipo de monitoramento e cuidados.

Enquanto a maioria deve lidar com seus sintomas – e o medo de piorar – em casa e sozinho, Trump ficou hospedado na suíte presidencial de um dos melhores hospitais do país, sublinhou.

“Também recebeu medicamentos experimentais não prontamente disponíveis ao público”. Na Casa Branca, para onde Trump retornou, há uma equipe de médicos de plantão com acompanhamento 24 horas.

Na quarta-feira, será realizado em Salt Lake City o debate entre os dois vices das chapas republicana e democrata, Mike Pence e Kamala Harris. Os dois testaram negativo para a Covid-19.

Por sua vez, Biden disse estar disposto a participar do próximo debate com Trump desde que os especialistas de saúde atestem que é seguro. O debate está marcado para semana que vem, dia 15, em Miami, Flórida. “Se os cientistas disserem que é seguro e as distâncias são seguras, então acho que tudo bem”, declarou o candidato a presidente democrata.