Custo político de privatizar Eletrobras aumentou após apagão no Amapá
O anúncio do presidente da Eletrobras, Wilson Pinto Ferreira Júnior, de que deixará a estatal a partir de 5 de março, foi visto por Ikaro Chaves, presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) como sinal do enfraquecimento político do projeto de privatização. Na semana passada, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), candidato à presidência do Senado apoiado pelo Planalto, colocou em dúvida a venda da Eletrobras e criticou o “entreguismo sem critério”.
Ao anunciar sua saída do cargo, Wilson Ferreira Júnior, que deve assumir a presidência da (agora privada) BR Distribuidora, alegou “motivos pessoais”. Ele também disse ao jornal Valor Econômico que a privatização da estatal do setor elétrico “não ganhou tração” por causa da pandemia.
Para Chaves, no entanto, o episódio do apagão no Amapá, que durou mais de 20 dias, aumentou o custo político de vender a estatal. O presidente da Aesel avalia que a fala de Rodrigo Pacheco, favorito para vencer as eleições no Senado, foi a gota d’água que levou Júnior a “jogar a toalha”. Ele lembra que o presidente da Eletrobras trabalhava pela privatização da estatal desde 2016.
“O Wilson Pinto assumiu a presidência da Eletrobras em 2016. Quando foi em agosto de 2017, o governo Temer anunciou a privatização. Começaram as articulações e mandaram para o Congresso Nacional o projeto em fevereiro de 2018. Bolsonaro tinha se comprometido a não privatizar, porém o Wilson Pinto se articulou com Paulo Guedes para permanecer no cargo. Bolsonaro mandou um novo projeto de lei [para privatização] em novembro de 2019, mas está parado”, recorda.
De acordo com Chaves, dentre as privatizações prometidas pelo governo Bolsonaro, a da Eletrobras é a mais difícil de entregar. Em casos como o da Petrobras e da Caixa Econômica Federal, o governo tem vendido subsidiárias, aproveitando um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que somente a venda da empresa-mãe precisa de aprovação do Congresso.
Como no caso da Eletrobras a matéria realmente precisa passar por deputados e senadores, o desgaste político é maior. “A questão de privatização é que não traz nenhum benefício para o país. O governo e o próprio Wilson Pinto não conseguiram elencar. O argumento que eles usavam é que a Eletrobras não tinha capacidade de investimento e iria perder participação do mercado. É mentira. É uma empresa que distribui dividendos, com baixíssimo endividamento. Não faz investimentos porque existe uma determinação política do governo de não investir”, defende Ikaro Chaves.
Ele também argumenta que, em caso de privatização, o governo não tem nenhuma garantia de que a empresa compradora fará os investimentos necessários no setor elétrico. Afirma, ainda, que privatizar uma empresa do tamanho da Eletrobras – que detém 30% da geração de energia, 45% da transmissão e 52% da água armazenada no país – não é do interesse dos brasileiros.
“Ela tem condições de ditar o preço da energia no país pelo tamanho dela. Qual o benefício para o país de ter uma empresa desse tamanho na mão do capital estrangeiro? O governo não consegue responder a essas perguntas. Por isso, a privatização tem um custo político muito alto”, acredita.
O mercado financeiro reagiu mal ao anúncio da saída do presidente da Eletrobras, em mais uma sinalização de que a decisão tem relação com a estagnação do processo de privatização. A B3, bolsa de valores de São Paulo, está fechada devido ao feriado do aniversário da cidade. No entanto, os papéis da Eletrobras em bolsas no exterior se desvalorizaram. Na Bolsa de Nova York, os ADRs da companhia operavam com queda de 10,87% pela manhã, informou o Poder 360.
O Ministério de Minas e Energia divulgou nota informando que Wilson Ferreira Júnior continuará integrando o Conselho de Administração da Eletrobras e reforçou o compromisso do governo com a privatização da estatal. “O governo federal entende que a capitalização da Eletrobras é essencial e necessária para a recuperação de sua capacidade de investimento”, afirma o comunicado.