O bloqueio econômico, comercial e financeiro dos EUA a Cuba já dura quase seis décadas

O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, denunciou em programa ao vivo pela tevê que as sanções do governo Trump contra os navios que transportam petróleo à Ilha forçaram o governo de Havana a tomar medidas emergenciais contra a escassez de combustível neste mês de setembro. Só dois navios vão levar combustível a Cuba no período, um que chega no sábado (14) e outro no fim do mês.

A falta de combustível causou cenas de aglomeração de pessoas à espera de transporte público por horas, e dificuldades no abastecimento. Como destacou o líder cubano, as medidas temporárias terão como objetivo “minimizar o impacto nos serviços básicos para a população, garantir a economia e assegurar atenção em áreas-chave da sociedade”.

Às sanções contra navios em geral que atracam em Cuba para realizar comércio em vigor há décadas, somaram-se desde abril sanções específicas do regime Trump contra os navios da PDVSA, a estatal venezuelana que é a principal fornecedora de petróleo à Ilha há quase 20 anos.

“Temos que realizar negociações constantes para ver como conseguimos trazer combustível para o país, e as últimas… não funcionaram”, explicou o líder cubano. “Apesar dos esforços realizados, não se conseguiu a chegada de embarques que assegurem o equilíbrio na disponibilidade de combustível”, afirmou Díaz-Canel. O que ele atribuiu “à agressividade das medidas do império”, acrescentando, porém, que se trata de uma “situação conjuntural”.

O presidente cubano disse que “a boa notícia é que todos os contratos para garantir o mês de outubro já estão assegurados”. Nos próximos dias, alertou, pode haver “situações tensas na distribuição de alguns produtos e na prestação de serviços à população”.

A meta é evitar blecautes, disse Díaz-Canel, acrescentando: “se tivermos que fazê-los… não serão tão longos ou intensos como aqueles do Período Especial”, uma referência à depressão econômica que Cuba atravessou nos anos 1990, após o colapso da União Soviética e do bloco socialista europeu, com o qual o país realizava 80% do seu comércio.

“Posso garantir a vocês que temos uma estratégia para triunfar e que a administração ianque não atingirá sua meta de desanimar o povo cubano, e muito menos vencê-lo”, disse Díaz-Canel.

Em abril, o próprio vice de Trump, Mike Pence, foi quem anunciou as sanções contra 34 navios operados ou de propriedade da PDVSA e contra duas empresas e uma embarcação que haviam entregado petróleo a Cuba em fevereiro e março.

Na época, em entrevista ao Sputnik, Pedro Martinez, da Rádio Havana, chamou a medida de mais uma agressão a Cuba e uma violação adicional do direito internacional. “Eles estão tentando matar dois coelhos com uma cajadada: atingir ainda mais a economia venezuelana e, ao mesmo tempo, afetar o suprimento de petróleo a Cuba”.

As medidas de emergência incluem a priorização do fornecimento de combustível para o transporte de carga essencial e de passageiros, para os serviços básicos à população e em especial, os centros de saúde, bem como a operação de portos e aeroportos. Será priorizado o uso da ferrovia, com ajustes nos horários. Atividades não essenciais poderão ser suspensas.

Díaz-Canel também denunciou que o recrudescimento das sanções visa “desestabilizar a sociedade cubana e tentar demonstrar a ineficácia do governo cubano para justificar o bloqueio”, numa reiteração da chantagem contra Cuba. Ele acrescentou que a população será mantida informada sobre quaisquer alterações ou novas medidas, e reafirmou o compromisso do governo com que os impactos na população sejam os menores possíveis.

O regime Trump tem apostado na reversão do modesto alívio das sanções decorrente da restauração das relações diplomáticas durante o governo do antecessor Obama e, usando a questão da Venezuela como pretexto, regrediu aos piores momentos do bloqueio, tendo inclusive colocado em vigor a cláusula da famigerada lei Helms-Burton, em suspenso há duas décadas, pela qual qualquer norte-americano pode exigir, em um tribunal norte-americano, propriedades em Cuba nacionalizadas pela revolução.

No início de setembro, o Departamento do Tesouro dos EUA impôs um limite de US$ 1.000 por trimestre para remessas que cubanos radicados nos EUA fazem para familiares na Ilha. Em junho, a Casa Branca cancelou autorizações para visitas à Ilha de navios de cruzeiro, iates e aviões particulares e proibiu viagens de grupos educacionais.

Atos que causaram a reação de Díaz-Canel: “novas sanções dos EUA contra Cuba. Mentiras, calúnia e hipocrisia como pretexto do governo dos EUA para reforçar o bloqueio. Por seu fracasso na Venezuela, atacam Cuba. Vamos resistir e vencer”.

O bloqueio econômico, comercial e financeiro dos EUA a Cuba já dura quase seis décadas, apesar do repúdio mundial ser cada vez maior. Há um ano, por 189 votos a 2, a Assembleia Geral da ONU, aprovou pela 27ª vez resolução pelo fim do brutal embargo. Repúdio que está prestes a se repetir este ano.

Analistas apontam que, além da questão da Venezuela, em que Washington investiu em colocar no palácio Miraflores a Juan Guaidó – e, de quebra, abocanhar a maior reserva de petróleo do planeta -, há a intenção de agradar ao eleitorado gusano da Flórida, um dos estados-pêndulo, em prol da reeleição de Trump.

Apesar da pressão desencadeada pelo regime Trump, e da qual o recém demitido John Bolton era o mais exaltado promotor, a situação de Cuba hoje é muito melhor do que naqueles anos difíceis, na medida em que pode contar com o apoio da Rússia e da China.

Chamou a atenção que o Twitter, minutos antes de ir ao ar a entrevista de Díaz-Canel sobre as medidas de emergência sobre a falta de combustível, haja bloqueado praticamente todas as contas dos meios de comunicação populares da Ilha, bem como jornalistas e líderes cubanos, algumas delas com centenas de milhares de seguidores.

A conta do Twitter do Ministério das Relações Exteriores de Cuba, que permaneceu ativa, denunciou as paralisações como “uma operação concertada óbvia” e uma tentativa de “limitar os pronunciamentos dos revolucionários em favor da verdade”. O Sindicato dos Jornalistas de Cuba denunciou a suspensão das páginas como “um ato de censura em massa a jornalistas, editores e mídia”.