Críquete a serviço da direita nacionalista na Índia
O governo nacionalista indiano de Narendra Modi usa o críquete para reforçar sua imagem política. A equipe de criquete com mais apoio no mundo jogou nos EUA neste fim de semana.
Por Mike Meehall e Nakul M. Pande (*)
A Índia deve disputar duas partidas de críquete contra as Índias Ocidentais – a equipe nacional combinada de quinze nações e dependências caribenhas – no Central Broward Stadium, a 8 km do centro de Fort Lauderdale (Flórida, EUA). Será um joo importante, sobretudo para os indianos porque quando se trata de críquete geralmente fala-se sobre a Índia. Eles são a força motriz do jogo, e o maior fornecedor de prestações de serviços de televisão e de marketing para o esporte. Lá, todo mundo sabe disso, e os políticos nunca ficam longe de jogos de críquete – como primeiro-ministro nacionalista Narendra Modi, um fundamentalista hindu.
A Índia é enorme, com uma população de 1,3 bilhão de pessoas, e o críquete é de longe o esporte preferido. As audiências de televisão são surpreendentes: o recente confronto com o Paquistão na Copa do Mundo de Críquete, em junho de 2019, foi assistido por um bilhão de pessoas.
Com tantos olhos, é um grande negócio. A maior empresa de TV paga da Índia, a Star Sports, paga 8,5 milhões de dólares por jogo para transmitir a Indian Premier League (IPL), atrás apenas da NFL e da Premier League inglesa em termos de receita. A IPL, que existe a apenas onze anos, cresceu tão rapidamente que superou em quase 50% a receita de patrocínio da Major League Baseball.
Política e esportes estão inextricavelmente ligados na Índia. Narendra Modi, eleito em 2014 e reeleito por uma margem surpreendentemente grande no início deste ano, ganhou visibilidade internacional em 2002 como ministro-chefe de seu estado natal, Gujarat, no oeste da Índia, por sua posição – que beirou a cumplicidade – frente aos distúrbios que mataram milhares de muçulmanos.
Em seus cinco anos como primeiro-ministro, Modi desafiou deliberadamente o compromisso constitucional da Índia com a política secular e não religiosa; abraçou o neoliberalismo econômico e rapidamente privatiza e desregulamenta a economia da Índia. é também agressivo na política externa e corteja colegas autoritários como Donald Trump e Vladimir Putin. Aumentou a pressão sobre as tensões já agitadas com o Paquistão e Bangladesh; e usou o Exército indiano teoricamente neutro como uma ferramenta de propaganda.
É desnecessário dizer que o fascínio do críquete é usado em sua política de direita; é muito atraente para ele e seu Bharatiya Janata Party (BJP) (Partido do Povo da Índia, em tradução livre).
Não é surpresa, então, que o governo de Modi vê a equipe de críquete indiana como sua melhor arma de relações públicas, e a Junta de Controle de Críquete na Índia (BCCI), que dirige o críquete no país, seja apenas outra ferramenta a ser controlada.
O BCCI é quase hegemônico no esporte, apoiado pelos cofres transbordantes que vêm da hospedagem do IPL. Star Sports e, por extensão, o BCCI – a força desta ligação é indicada pelo fato de que os comentaristas da Star Sports são contratados pelo BCCI – que dá 74% do financiamento do International Cricket Council (ICC), órgão governamental global que, na prática, atua como um clube privado. A recente Copa do Mundo na Inglaterra (junho de 2019) dá apenas um vislumbre de seu poder: a Índia iniciou o torneio tarde, para dar aos seus jogadores descanso adequado após o IPL.
Rompendo o domínio de mais de um século que a Inglaterra e a Austrália mantinham sobre o críquete, a Índia aprendeu bem a lição imperial e não viu necessidade de reformar uma estrutura de governança do esporte: recebe três vezes mais dinheiro do ICC como a próxima nação melhor financiada (Inglaterra) e mais de duas vezes e meia o financiamento dado às noventa e três nações mais financiadas juntas.
Os jogos que ocorrem na Flórida não são apenas um exercício no crescimento do esporte, ou para abrir novos mercados para o críquete. Os fãs são indianos que vivem nos Estados Unidos.
O governo de Modi os tornou uma prioridade para chegar ao controle deste poder macio. Em meio a grande disputa política – cujo epicentro é a ação de Modi -, o status de isenção fiscal do BCCI foi removido.
Os jogadores também se alinharam ao primeiro-ministro. Virat Kohli, capitão da equipe e uma figura influente, tem liderado campanhas do governo, enquanto MS Dhoni – o antecessor de Kohli e o atleta mais comercializável na Índia – vai perder esta série para servir no exército indiano.
Quando Modi foi reeleito em maio de 2019, uma série de lendas indianas do críquete o apoiou, com tropos nacionalistas como “nova Índia” e “alturas maiores” aparecendo em vários tweets dos jogadores. O proeminente jogador Ravindra Jadeja descreveu reeleição de Modi como “uma vitória para os crentes sobre os não-crentes.”
A equipe de críquete da Índia é o maior símbolo da nação no exterior e o ponto de apoio para os indianos “patrióticos” onde quer que estejam no mundo.
Enquanto a grande maioria dos indianos na diáspora não pode votar nas eleições indianas, isso não significa que têm sido silenciosos sobre a política do país. Milhares de pessoas envolvidas em campanha telefônica pró Modi, à noite, nos EUA, ligam para suas fmílias na Índia, falando a favor do BJP.
Críquete é a única coisa sobre a qual os indianos concordam: o amor pelo esporte, e sua capacidade de tocar todos os níveis da sociedade, é incomparável. Narendra Modi sabe disso mais do que ninguém. O escritor de críquete da Índia ocidental e marxista, CLR James, escreveu sobre o esporte: “o que eles sabem de críquete, que só o grilo sabe?” Na Índia, isso é mais verdadeiro do que em qualquer outro lugar.
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(*) Mike Meehall Wood é um jornalista residente em Amsterdã, especializado em esportes, cultura, política e os pontos onde se encontra. Ele escreve para a Forbes, VICE e várias outras publicações.
Nakul M. Pande é escritor, radialista e comentarista de críquete, sediado em Londres. Ele é diretor editorial assistente da ‘Guerilla Cricket’, a principal emissora independente de críquete do mundo.
Tradução, seleção de trechos e adaptação: José Carlos Ruy