‘CPI’ da Câmara dos EUA conclui que Trump tentou dar golpe
O ex-presidente norte-americano Donald Trump foi acusado por uma comissão de inquérito da Câmara dos deputados de ter orquestrado a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 numa “tentativa de golpe”, em audiência pública televisionada para o país inteiro da investigação em curso há 11 meses sobre os fatos sem precedentes na história dos EUA.
A transmissão em horário nobre das três maiores redes de TV aberta e todos os canais fechados de notícia, exceto a Fox News, incluiu, além da exposição das conclusões da comissão, vídeos das cenas do assalto ao capitólio, intercaladas com trechos de discursos e tuítes de Trump, e trechos de depoimentos de ex-integrantes do governo, policiais do Capitólio e até da filha de Trump.
Constituída por deputados democratas e dois republicanos dissidentes em relação ao trumpismo, a comissão de investigação afirmou que Trump fez acusações de fraude na eleição de 2020 sabendo que elas eram falsas e incitou manifestantes a agirem de forma violenta com objetivo de dar um golpe de Estado e impedir a transição de poder.
Os fatos em si investigados pela comissão são amplamente conhecidos pelo público e pelo mundo inteiro, que assistiu ao vivo na época o cerco e invasão do Congresso dos EUA pela turba trumpista, interrompendo a proclamação do resultado das eleições e obrigando deputados, senadores e até o próprio vice-presidente a terem de se esconder, restando apurar as responsabilidades de Trump sobre esse ataque.
Assalto que foi precedido de um comício convocado, organizado e presidido por Trump, que deu a ordem de marchar até o Congresso dos EUA, em seguida ocupado pela turba que suplantou a pequena força policial disponível, enquanto por três horas o Pentágono se mantinha mudo sobre o pedido de envio de tropas da Guarda Nacional em socorro ao Capitólio, em meio aos gritos na sede do poder legislativo dos EUA de “enforquem Pence”, cenas de senadores e deputados agachados no plenário, enquanto supremacistas brancos e neofascistas de vários tipos esmurravam e tentavam arrombar as portas.
Para a comissão de inquérito, essa apuração precisa ser mostrada à população norte-americana para proteger a democracia de futuros ataques e para registro histórico.
Por razões óbvias, Trump considera a ‘CPI’ uma “farsa política”, enquanto o Partido Republicano que ele controla a chama de espetáculo tendencioso, cujo objetivo seria desviar a atenção da população da inflação recorde e da impopularidade de Joe Biden, visando evitar a derrota nas eleições intermediárias de novembro.
O então presidente Trump “estava tentando impedir a transferência pacífica de poder”, estava “no centro dessa conspiração”, sintetizou o presidente do comitê de investigação, o democrata Bennie Thompson, e o trabalho da ‘CPI’ agora é apresentar as evidências concretas disso, para que a justiça dos EUA aja contra os golpistas.
Ivanka Trump nega acusação de fraude
Os depoimentos televisionados de maior repercussão foram os da filha de Trump, Ivanka, e do ex-procurador-geral, William Barr, por enfocarem a questão da alegação do então presidente de que a eleição havia sido “fraudada” para beneficiar Biden.
A questão aqui é que, para tipificar o que Trump fez como crime – intencionalmente subverter a transferência pacífica de poder – a ‘CPI’ precisa demonstrar que ele estava deliberadamente espalhando informações falsas e não por acreditar que tinha razão.
Não apenas Trump continua afirmando sem provas que houve fraude na eleição de 2020, como mais de 30 milhões de americanos – desses, quase 70% dos republicanos – acreditam nisso.
No trecho do depoimento exibido, Ivanka Trump disse que não tinha motivos para duvidar do então procurador-geral William Barr quando ele disse que seu pai havia perdido a eleição. Em outro clipe, seu marido Kushner, chama de “lamúrias” as ameaças dos advogados da equipe jurídica de Trump de se demitir em protesto contra ações “ilegais e infundadas”. Trump reagiu à exibição, dizendo que Ivanka não estava a par do que aconteceu.
No vídeo de Barr, o então procurador-geral diz a Trump que “não podemos viver em um mundo em que o atual governo permaneça no poder com base em sua visão, sem apoio de evidências específicas, de que houve fraude na eleição”, que retruca com um palavrão.
A vice-presidente do comitê, a republicana Liz Cheney, herdeira política do ex-vice-presidente Dick Cheney, afirmou que “aqueles que invadiram nosso Capitólio e lutaram por horas contra a aplicação da lei foram motivados pelo que o presidente Trump lhes disse: que a eleição foi roubada e que ele era o presidente legítimo. (…) O presidente Trump convocou a multidão, reuniu a multidão e acendeu a chama deste ataque”, disse a deputada.
Também foi Cheney que em seu relato registrou que Trump, ao ser informado de que manifestantes queriam enforcar o vice-presidente Mike Pence por se recusar a virar a mesa, observou que seu vice “merecia”.
Nessa primeira audiência pública, só foram ouvidos presencialmente o documentarista Nick Quested, que falou sobre os preparativos dos Proud Boys para o ataque ao Congresso dos EUA, e a policial do Capitólio Caroline Edwards.
A policial relatou como chegou a perder os sentidos ao ser derrubada pela turba e bater a cabeça em um degrau de concreto e como foi agredida com spray de urso, assim como o seu colega Brian Sicknick, que acabou depois morrendo.
“Uma cena de guerra, eu não podia acreditar nos meus olhos. Policiais no chão sangrando e vomitando… Foi uma carnificina. Foi um caos.”
No vídeo do ataque, 20 milhões de telespectadores puderam rememorar o grito de um policial do Capitólio de “Perdemos a linha! Perdemos a linha!”, enquanto a turba irrompia. Outro grito: “Oficial caído!”.
Logo a seguir, é exibido Trump dizendo: “Eles eram pessoas pacíficas” e “o amor no ar, eu nunca vi nada parecido”. As audiências públicas vão continuar nos próximos dias.
Mais de 700 pessoas – digamos, os peixes menores – foram presas e indiciadas por crimes como invasão e destruição de propriedade pública e lesão corporal a policiais. 31 invasores do Capitólio – o mais notório, Jacob Chansley, o ‘louquito dos chifres’ – já foram condenados. No ataque, houve quatro mortos e mais de 100 policiais ficaram feridos.