Desempregados em fila para feira de empregos em Nova Iorque

O governo Biden e o Congresso dos EUA deixaram expirar nesta segunda-feira (6) o adicional federal do seguro-desemprego, o que atinge em cheio mais de 9 milhões de trabalhadores e suas famílias, em meio à forte queda da geração de empregos registrada em agosto e ao recrudescimento da pandemia, via variante Delta. Recentemente, a moratória de despejos expirou.

A coisa toda é ainda mais vergonhosa por ocorrer na véspera do ‘Dia do Trabalho’ nos EUA que, ao contrário do mundo inteiro e apesar dos “Oito de Chicago”, não é comemorado em maio, mas em setembro. Foi esse o adicional federal que manteve à tona milhões de famílias trabalhadoras e em grande parte a própria economia nos últimos meses.

“Bem-vindo à América, onde os legisladores optaram por expulsar 9 milhões de americanos desempregados do seguro-desemprego no Dia do Trabalho, durante uma pandemia global”, denunciou o ex-secretário do Trabalho do governo Clinton, e respeitado economista, Robert Reich.

O adicional federal ao seguro-desemprego havia sido revivido em dezembro de 2020 pelo Congresso, no valor de US$ 300 semanal, depois de ter sido de US$ 600 entre abril e julho. O pacote também ampliou emergencialmente o seguro-desemprego a milhões de pessoas que antes não eram elegíveis, como trabalhadores por conta própria.

“Será um golpe duplo de sofrimento” para os desempregados e suas famílias, disse o secretário-tesoureiro do SEIU (Trabalhadores em Serviços) Jamie Contreras ao portal HuffPost, condenando o corte da ajuda aos trabalhadores. “Não estamos nem perto de terminar”, alertou. “As pessoas ainda precisam de ajuda … Para milhões de pessoas, nada mudou em relação há um ano e meio atrás.”

A camareira Taboniar

A agência de notícias Associated Press exemplificou numa camareira de um resort da rede Hilton no Havaí, Mary Taboniar, o drama vivido pelos trabalhadores excluídos da ajuda. Mãe solteira de dois filhos, ela ficou 15 meses sem receber salário, viu sua renda desaparecer completamente quando o vírus devastou a indústria hoteleira e só sobreviveu graças ao seguro-desemprego.

“Isso está realmente me assustando”, disse Taboniar. “Como posso pagar o aluguel se sou desempregada e meu emprego não voltou?”. No Havaí, uma nova onda de vírus levou o governador a recomendar que os turistas adiassem seus planos.

Ela planeja se inscrever no programa de assistência SNAP recém-ampliado, mais conhecido como vale-sopão, mas duvida que isso seja suficiente para compensar a diferença. “Eu só estou me agarrando a qualquer coisa”, disse a camareira.

708 mil vagas a menos

A denúncia de Reich é bem fundamentada. O total de empregos gerado em agosto despencou para um terço do patamar de julho-junho. Foram 235 mil postos de trabalho, contra 943 mil em julho e 938 mil em junho.

Também se agravou o quadro da pandemia. Sob o negacionismo republicano, a redução da vacinação e a agressividade da variante Delta, o número de infecções de Covid-19 foi multiplicado por 5, para 120 mil diários, e os mortos voltaram a superar 1000 ao dia.

O que acaba se refletindo em uma enorme queda da abertura de vagas em restaurantes e lanchonetes e no comércio varejista, nos dados do Departamento do Trabalho de agosto.

Andrew Stettner, do think tank progressista Century Foundation, advertiu no domingo que a drástica redução na contratação no mês passado em paralelo ao aumento das infecções pela variante Delta da Covid-19 “ameaçam descarrilar a recuperação econômica, prenunciando dificuldades financeiras pela frente” para milhões.

Em entrevista ao Chicago Tribune, Stettner disse que a perda dos benefícios “será uma calamidade para muitas pessoas – uma calamidade muito silenciosa”.

Para Stettler, em vez de definir um prazo arbitrário, o governo deveria ter vinculado o fim das proteções a métricas específicas de recuperação econômica. Ele sugere três meses consecutivos com desemprego em todo o país abaixo de 5% como um referencial razoável para desencadear o fim do seguro-desemprego.

“Esta parece ser a decisão política errada com base em onde estamos”, disse Stettler. Potencialmente, milhões de pessoas “terão mais dificuldade em recuperar o lugar na classe média que perderam”, acrescentou.

A conclamação por uma reavaliação de todo o sistema de seguro-desemprego nos EUA também ecoou junto ao senador democrata Ron Wyden, presidente do Comitê de Finanças. Em entrevista, ele considerou crucial que o Congresso modernize o sistema como parte do pacote de reforma do bem estar social de Biden, empacado no Congresso.

Sobre a expiração do adicional federal do seguro-desemprego, Wyden disse que é constrangedor e que “não tinha que ser assim”. Uma das mudanças que ele propõe é que o auxílio-desemprego esteja mais vinculado às condições econômicas, para não expirarem em momentos de necessidade. “Precisamos levar o sistema de desemprego para o século 21”, disse ele.

Por sua vez, o banco de investimento Morgan Stanley estimou quinta-feira que a economia crescerá a um ritmo anual de 2,9% no terceiro trimestre, uma queda acentuada em relação à previsão anterior de 6,5%. Esse declínio reflete em grande parte uma retração nos gastos com ajuda federal e gargalos na cadeia de abastecimento.

O governo federal afirma que ainda há US $ 350 bilhões em ajuda aos Estados para expandir o seguro-desemprego que podem ser usados, conforme esclareceu em uma carta de 19 de agosto a secretária do Tesouro, Janet Yellen. No entanto, nos Estados governados pelo trumpismo, na prática essa possibilidade inexiste, já que os republicanos argumentam que os trabalhadores são vagabundos e preferem receber sem trabalhar, ‘atrapalhando a recuperação’, e então não vão usar esses fundos.

A moratória dos despejos acabou, enquanto a sabotagem de governos estaduais vem fazendo com que os fundos federais de assistência ao aluguel sejam liberados a conta-gotas. Nem todos vêem problemas diante desses nove milhões de trabalhadores e respectivas famílias na penúria. “A economia está avançando e se recuperando”, asseverou o secretário do Trabalho do governo Biden, Marty Walsh. “Acho que a economia americana e o trabalhador americano estão em uma posição melhor no Dia do Trabalho de 2021 do que no Dia do Trabalho de 2020.”

Desigualdade

No Dia do Trabalho norte-americano, pesquisa realizada anualmente pelo Gallup registrou que os sindicatos estão com o maior nível de aprovação em meio século, 68%, o que corresponde ao índice médio de aprovação entre 1936 e 1967, período histórico de crescimento para o trabalho organizado nos EUA.

A aprovação dos sindicatos na pesquisa foi particularmente alta entre os democratas, com 90%. 66% dos independentes disseram aprovar os sindicatos, o que se reduz a 47% entre republicanos. A aprovação também aumenta entre os jovens (77% com idades entre 18 e 34 anos) ou não brancos (76%).

Os sindicatos estão lutando pela aprovação de uma lei no Congresso que coíba os monopólios de restringirem a sindicalização e os direitos, como é regra geral atualmente. O que se reflete na baixa histórica da filiação sindical. Apenas 9% dos entrevistados do Gallup este ano eram membros do sindicato, consistente com os 10,8% do Bureau de Estatísticas do Trabalho (BLS). Estudo do Instituto de Economia Política mostrou como, desde 1979, o crescimento da produtividade deixou de beneficiar também os trabalhadores, passando a apenas engordar a especulação e os bônus dos executivos, o que se refletiu na baixa do crescimento econômico.

Assim, enquanto entre 1948 e 1979 a produtividade do trabalho cresceu 118,4%, a remuneração dos trabalhadores (salários + benefícios) cresceu 107%.

Daí em diante, com o assalto neoliberal desde Reagan, só os barcos dos milionários flutuaram para cima quando a maré subiu. A remuneração do trabalho afundou.

Entre 1979 e 2020, a produtividade [que caiu bastante em relação ao patamar anterior] aumentou 61,8%, mas a remuneração do trabalho só cresceu 17,5%, 3,5 vezes menos, em quatro décadas.

O que explica que, hoje, uma das grandes lutas do movimento sindical norte-americano seja pela recuperação do salário mínimo, para 15 dólares por hora, que está estagnado há mais de uma década a 7,25 dólares.