U.S. President Donald Trump, right, leaves the podium as Vice President Mike Pence stand during a news conference in the briefing room of the White House in Washington, D.C., U.S., on Wednesday, Feb. 26, 2020. Trump assured Americans that they face little risk from the coronavirus outbreak and said Vice President Mike Pence will lead the governments response, seeking to ease public concern after lawmakers raised alarm the U.S. is unprepared. Photographer: Sarah Silbiger/Bloomberg via Getty Images

“Faça-nos o favor, senhor presidente. Se quer algo, comece por tratar a ciência e seus princípios com respeito”, adverte o pesquisador e editor da revista Science, H. Holden Thorp, em editorial no qual responde ao abusivo e contraditório comportamento de Trump nos últimos dias.

Depois de afirmar que a doença estava sob controle nos Estados Unidos, levando a um atraso nas medidas preventivas, incluindo o retardo na produção e distribuição massiva de kits de testes, Trump passou a decretar estado de emergência e, segundo a revista, dirigiu-se aos diretores das empresas farmacêuticas demonstrando arrogância e ignorância ao pressionar por “velocidade” no desenvolvimento da vacina para o Covid-19. “Façam-me um favor, acelerem, acelerem”, teria dito.

“Você atacou a ciência nos últimos 4 anos, cortou verbas, chamou os cientistas de mentirosos e agora quer velocidade? Ciência não se faz da noite para o dia, precisa de investimento e, sobretudo para uma vacina, precisa-se de tempo e investimento. Você não pode atacar os cientistas quando não gosta da ciência e cobrá-los quando resolve que gosta e precisa deles”, diz o editorial.

Holden relata que o cientista Anthony Fauci, líder veterano do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, “tem dito ao presidente repetidamente que o desenvolvimento da vacina vai levar ao menos um ano e meio”.

“Aparentemente”, prossegue o cientista Holden, “Trump pensa que basta simplesmente a repetição de seu pedido para mudar o resultado”.

Ele segue denunciando a orientação da Casa Branca de esconder fatos do público, “informando a Fauci e outros cientistas que trabalham para o governo de que devem restringir todos os comentários públicos”.

“Isto é inaceitável. Esta não é a hora para alguém que nega a evolução, mudança climática e os perigos do tabagismo formatar as mensagens públicas”, acrescenta o editorial.

Holden felicita Fauci e Francis Collins, (diretor do Instituto Nacional de Saúde) e seus colegas nas agências federais de saúde que estão se aprestando a trabalhar e entendendo a real mensagem que a realidade está colocando, mas alerta: “Enquanto os cientistas fazem intercâmbio dos fatos sobre a epidemia, o governo vai desde o seu bloqueio à sua reformulação em meio a contradições”.

“As taxas de transmissão e níveis de letalidade não são medidas que podem ser modificadas de acordo com a vontade ou para embasar mensagens extrovertidas”, adverte o pesquisador, lembrando que, na semana passada, Trump “disse repetidamente que a disseminação do vírus nos Estados Unidos estava contida, quando já estava claro e evidente que ele se espalhava por diversas comunidades, a exemplo do Estado de Washington, e outras”.

“Este tipo de distorção e alienação é perigoso e, com toda a certeza, contribuiu para a morosa resposta do governo federal”, prosseguiu, alertando que “as palavras ditas por este governo não apenas importam, elas são agora uma questão de vida ou morte”.

“Ainda que passos requeridos para a produção de uma vacina pudessem ser tornados mais eficazes, muitos deles dependem de processos biológicos e químicos que lhes são essenciais.

“Não espero dos políticos que saibam as equações de Maxwell para o eletromagnetismo ou entendam a reação química Diels-Alder(…). Mas não se pode insultar a ciência quando não se gosta dela e, de repente, insistir em algo que a ciência não pode entregar sob encomenda.

“O presidente Trump, nos últimos quatro anos fez profundos cortes nos orçamentos para a ciência, incluindo cortes nos fundos para os Centros para Controle e Prevenção de Doenças e para o Instituto Nacional de Saúde.

“Com este desdém governamental (…) a Nação teve perto de quatro anos de dano à ciência e ignorância acerca dela”.

“Agora, de repente, o presidente precisa da ciência. Mas os séculos dedicados à elucidação dos princípios fundamentais que governam o mundo natural – evolução, gravidade, mecânica quântica – envolveram camadas de esforços para que conheçamos o que se pode e o que não se pode fazer.

“Os caminhos pelos quais os cientistas acumulam e analisam evidências, aplicam raciocínio indutivo e trocam descobertas subjetivas com colegas têm se comprovado, ao longo dos anos, como forma de criar robusto conhecimento.

“Estes processos estão sendo aplicados na crise do Covid-19 através da colaboração internacional e numa velocidade alucinante e sem precedentes. A revista Science publicou dois trabalhos no início do mês sobre o SARS-CoV-2, e mais estão a caminho. Porém, os mesmos conceitos que são usados para descrever a natureza são utilizados para produzir novas ferramentas. Portanto, pedir uma vacina e distorcer a ciência ao mesmo tempo são dissonâncias chocantes.

“Uma vacina tem que possuir uma base científica fundamental. Tem que ser manufaturável. Tem que ser segura. Isto pode levar um ano e meio ou muito mais(…). Não se pode quebrar as leis da natureza para chegar lá.

“Talvez fosse o caso de ficarmos felizes. Três anos atrás, o presidente declarou seu ceticismo com relação a vacinas e tentou lançar uma força tarefa antivacina. Agora ele, de repente, ama as vacinas. Mas, faça-nos o favor, senhor presidente. Se quer algo, comece por tratar a ciência e seus princípios com respeito”, finaliza o editorial.