Trump é incapaz de esconder seu histórico, e o Partido Republicano decide fingir que ele não existe. Na convenção, o partido diz que a pandemia acabou, Trump ama imigrantes e negros e a economia está crescendo. | Andrew Harnik (AP)

Ao falar na convenção republicana o presidente Donald Trump deu boas-vindas a imigrantes, mas escondeu o fato de ser o arquiteto de algumas das políticas anti-imigração mais severas do país.

Por Julie Pace (*)

À Convenção Republicana também disse que a pandemia de coronavírus diminuiu em grande parte, e não continua a infectar diariamente milhares de estadunidenses. Mais ainda: diz que a economia está em crescimento. E que Trump é um líder para enfrentar, e curar, conflitos raciais, sem em alimentar divisões no país.

A nebulosa programação do horário nobre de terça-feira (25) reformulou alguns dos episódios mais sombrios e polêmicos dos quase quatro anos de governo Trump – um esforço para abordar com urgência as vulnerabilidades que ameaçam sua reeleição, há pouco mais de dois meses até a votação, em novembro, quando enfrentará o democrata Joe Biden.

A campanha de Trump e seu partido pediam efetivamente aos eleitores que acreditassem mais num retrato bem desenhado e empacotado do presidente do que na versão desenfreada que ele exibe todos os dias. Essa versão adocicada de Trump pode energizar seus partidários mais fervorosos, mas frustra republicanos mais moderados e aliena alguns eleitores, incluindo muitas mulheres, cujo voto Trump deseja reconquistar.

A lacuna entre a realidade e a retórica preparada pela convenção fica particularmente visível quando trata da imigração, a questão marcante da ascensão política de Trump e de seu governo. Trump concorreu ao cargo em 2016 dizendo que iria reprimir duramente os migrantes.

Desde que chegou à Casa Branca, ele transformou fundamentalmente o sistema de imigração, incluindo efetivamente o fim do asilo na fronteira sul e tentando assustar quem a cruzasse ilegalmente, chegando a separar crianças de seus pais.

Mas a Convenção Republicana fez pouca referência a essas políticas e apenas aprovou seu plano de construir um muro entre os EUA e o México.

A principal menção à imigração veio numa gravação mostrando Trump em uma cerimônia, na Casa Branca, de naturalização, e dando parabéns a cinco imigrantes no momento em que juravam a cidadania nos EUA. “Você ganhou o bem mais valioso, estimado, estimado e inestimável de qualquer lugar do mundo. Isso se chama cidadania dos EUA”, disse Trump.

Ele não mencionou o fato de que tem tornado a naturalização muito mais difícil para pessoas que entram legalmente nos EUA para trabalhar, estudar ou se estabelecer no país.
Trump há muito é hábil na criação de uma realidade alternativa e muitas vezes não se preocupa com a mudança de foco quando é politicamente conveniente. Esta foi a marca registrada de sua vida empresarial e ascensão política. E agora, ao ser indicado pelo Partido Republicano para disputar um segundo mandato, faz isso tendo a Casa Branca como pano de fundo.

As convenções políticas sempre procuram criar uma imagem elevada de um candidato presidencial – uma oportunidade para o partido controlar sua própria narrativa e moldar sua própria história. Por exemplo, a convenção de Biden, na semana passada, considerou suas mais de quatro décadas em Washington como uma experiência necessária num momento de crise, e não como a marca de um político que já passou do seu auge, como dizem muitos republicanos.

O desafio de Trump para mudar a percepção do público é mais difícil, tanto porque ele está tendo um recorde real em seus quase quatro anos no cargo quanto porque sua campanha pede aos eleitores que olhem para além de muitas das crises que ainda afetam ativamente o país.

Isso é particularmente verdadeiro em relação à pandemia, que já matou mais de 170.000 pessoas nos EUA. Isso provocou em grande parte uma reflexão tardia na Convenção Republicana. Larry Kudlow, um importante conselheiro econômico de Trump, referiu-se à pandemia no passado, não como um vírus que continua afetando quase todos os aspectos da vida nos EUA.

O vírus também atingiu a economia dos EUA, provocando o fechamento de empresas em todo o país e levando a taxa de desemprego a superar os 10%. Embora alguns aspectos da economia tenham se recuperado à medida que cidades e estados abrandaram as restrições relacionadas à pandemia, a economia em geral está em uma posição muito diferente do que estava no início do ano.

Quase metade dos estadunidenses afetados durante a pandemia acreditam que seus empregos estão perdidos para sempre, de acordo com uma pesquisa de julho do Centro de Pesquisa de Assuntos Públicos da Associated Press-NORC. Ainda assim, a Convenção Republicana trouxe oradores que elogiaram a administração econômica de Trump, descrevendo a economia em termos brilhantes que não ocorrem na vida real.

A campanha de Trump também fez um esforço concentrado para apresentar uma gama diversificada de oradores, em especial negros, refletindo o conflito racial que se espalhou pelo país após as mortes de George Floyd e outros que estavam sob custódia policial.

Os oradores defenderam Trump contra acusações de racismo, mas não fizeram menção a sua retórica acalorada sobre os protestos que se seguiram à morte de Floyd e a repressão agressiva contra as multidões que se reuniram em frente à Casa Branca no início do verão.

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(*) Julie Pace, com a colaboração de Michelle L. Price e Jill Colvin. Julie Pace dirige o escritório, em Washington, da The Associated Press.