A Controladoria Geral da União (CGU) apontou, em relatório, um sobrepreço de R$ 1,59 bilhão e diversas irregularidades e erros que poderiam causar um prejuízo de R$ 176 milhões na compra de equipamentos escolares pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entregue pelo governo Bolsonaro para um aliado de Ciro Nogueira (PP), ministro da Casa Civil.

Um relatório da CGU apontou que empresas de fachada se inscreveram no pregão para venda de mesas e cadeiras escolares, que só reuniu oito empresas, sem apresentar provas de que seriam capazes de cumprir o contrato.

O órgão descobriu que uma delas sequer tem funcionários e é sediada em um condomínio residencial no Paraná. “Essa situação caracteriza a inexistência de estrutura fabril ou qualquer espaço físico adequado para a produção do mobiliário licitado”, diz o relatório.

Na avaliação da Controladoria, essa empresa estava fazendo com que o preço médio das ofertas fosse elevado. Dessa forma, a média dos preços era 165% superior dos coletados nos sistemas de compra do governo federal e 41% acima dos preços pesquisados na internet.

O superfaturamento, segundo a CGU, está na casa do R$ 1,59 bilhão, de um total de R$ 6,3 bilhões da compra.

A Controladoria Geral disse que a presença de uma empresa de fachada aponta para um “potencial risco de conluio”, visto que uma sócia desta firma é filha do dono de outra empresa que também enviou proposta no pregão. “Tal situação deve ser objeto de atenção”, pontuou a CGU.

“Não foram identificados documentos ou estudos técnicos que indiquem de que forma foi avaliado se as empresas consultadas possuem condições para fornecer os bens licitados, e que estariam aptas, portanto, a apresentar propostas competitivas e compatíveis com o porte da licitação”, diz o órgão de controle.

A Controladoria orientou o FNDE a realizar uma nova pesquisa, desta vez envolvendo mais empresas e avaliando se elas têm, de fato, capacidade de cumprir os contratos. O pregão foi suspenso por conta dos apontamentos feitos pela CGU.

A CGU ainda indicou que o FNDE estava comprando muito mais material do que o necessário, de acordo com os dados do Ministério da Educação. No pregão constava, por exemplo, a compra de cadeiras e mesas em um volume 98% superior ao ano de 2017.

“Somente com a revisão dos quantitativos a serem adquiridos, após recomendação da CGU, obteve a redução de 52,5% dos itens a serem adquiridos, demonstrando que a metodologia inicialmente prevista estava inadequada”, continua o relatório.

A CGU apurou que o FNDE não estava usando suas próprias regras para estabelecer a quantidade de mesas e cadeiras escolares que seria comprada. O volume total deveria estar atrelado ao número de matrículas de cada escola.

O documento ainda mostra que erros de digitação presentes no pregão poderiam custar milhões aos cofres públicos. Valores digitados errados ou associados a outros itens causariam um prejuízo de R$ 176 milhões, caso o pregão não fosse suspenso.

O presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Kim Kataguiri (União-SP), pediu que o caso seja investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Em documento, falou que “a situação fica ainda mais grave quando lembramos que o FNDE se tornou um feudo de aliados do Presidente da República, que usam o órgão para distribuir verbas a aliados. Recentemente, aliás, houve um escândalo envolvendo o FNDE que culminou na demissão do ministro da educação”.

“É um caso bastante grave. É difícil ver um escândalo de bilhões, e esse não só envolve o preço, mas também a quantidade”.

“O que escuto de todos os gestores públicos, governadores, secretários de educação, e prefeitos é que o FNDE nunca esteve tão ruim. E não é uma questão de legislação, [ou] da estrutura do FNDE. É o comando do órgão, que tem tido muitas dificuldades para fazer os convênios com municípios ou Estados que não têm bom relacionamento com o governo federal”, continuou Kataguiri.

“Então de fato há um uso político sistemático do FNDE. E muitos indícios apontam que esse uso é até criminoso”.

Ao mencionar a demissão de um ministro da Educação, Kim Kataguiri se referia ao ex-ministro Milton Ribeiro que foi gravado admitindo que só enviava dinheiro do Ministério da Educação para municípios que eram indicados por dois pastores evangélicos amigos de Bolsonaro.

Ribeiro fazia isso por conta de “um pedido especial” de Jair Bolsonaro.

A empresa Artemóveis Soluções e Comércio de Móveis, do Paraná, se inscreveu no pregão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, mas sequer tem funcionários e é sediada em um condomínio residencial.

A CGU levantou a possibilidade da Artemóveis ter entrado no pregão em “conluio” com outras empresas maiores para elevar o preço médio e, assim, fazer com que as outras consigam superfaturar.

“A responsável sócia da empresa Artemóveis é filha do responsável sócio da empresa Consórcio Nordeste Sul, integrado pelas empresas Movesco Indústria de Móveis Nordeste”, que também enviou proposta para o pregão do FNDE. “Tal situação deve ser objeto de atenção em caso de prosseguimento da licitação”.

O responsável pela Artemóveis, Airton Bohrer Oppitz, reconheceu que a empresa não tem nenhum funcionário, mas falou que isso não é exigido pelo pregão do FNDE.

“Não existe nenhuma obrigatoriedade de ter funcionário. Você pode abrir hoje uma microempresa, entrar numa licitação e, se tiver enquadrado como microempresa, você pode fazer a venda. Se você tiver o enquadramento técnico necessário, pode fazer o fornecimento em qualquer volume. Aí você desenquadra [muda de micro para média ou grande empresa]”.

Segundo ele, a Artemóveis e a Movesco se inscreveram mas não têm interesse em realizar a venda. “Não tem como vender a preço fixo por dois anos. Estamos vivendo período fixo de inflação. O governo vai ter que mudar essa forma de fazer pregão. Tem que indexar pela inflação”.

Corruptos

Como parte de sua aliança com o chamado “Centrão”, Jair Bolsonaro entregou o controle e a chave do cofre de órgãos bilionários como o FNDE, cujo orçamento anual está na casa de R$ 64 bilhões.

O presidente do Fundo é Marcelo Lopes da Ponte, que foi chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP), que hoje é ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro. Nogueira é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.