Mesmo que o Brasil seja campeão de forma convincente, a Copa América 2021, acolhida de forma nefasta por Jair Bolsonaro em plena pandemia de Covid-19, não deve resultar em dividendos políticos para o governo. Mesmo assim, o torneio evidencia a crise na imagem da Seleção Brasileira – cuja camisa verde-amarela foi manchada por Bolsonaro e pela extrema-direita. A opinião é do jornalista e historiador Marcos Guterman, autor do livro O Futebol Explica o Brasil.

“O futebol já foi mais expressivo dessa amálgama social, política e cultural que sempre representou no Brasil”, diz afirma, em entrevista à DW Brasil. “De uns anos para cá, essa identidade foi sendo esgarçada por exageros políticos e, ao mesmo tempo, perda da qualidade da relação da seleção brasileira com os torcedores brasileiros.”

Segundo ele, a “apropriação da camisa da Seleção pelo bolsonarismo” começou nas manifestações de Junho de 2013, que explodiram a um ano da realização da Copa do Mundo de 2014 em 12 cidades brasileiras. “Naquele momento, a camisa da Seleção se tornou a camisa do sem partido, a camisa como uma bandeira. E foi sendo apropriada aos poucos por esse movimento, mais de extrema-direita, contra o chamado sistema político”.

Para Guterman, “Bolsonaro, evidentemente, foi o cara que se apropriou melhor, disso. Não foi o único, foi uma onda – uma bancada forte que se elegeu com a camisa da seleção brasileira. Hoje esta camisa está manchada, manchada pela política. Hoje ela representa um partido, que é o ‘partido’ do Bolsonaro. Que, curiosamente, do ponto de vista institucional, não tem partido. Na prática, ele tem: é o partido da camisa amarela”.

É nesse ponto que fica claro o papel da Copa América na lógica bolsonarista. “Na visão estratégica dele, tudo o que puder fazer para demonstrar que o Brasil está normal e que se pode tocar a vida normalmente sem medo da pandemia, tanto melhor”, diz. “Trazer a Copa América, nesse sentido, serviu justamente como mais um elemento de grande visibilidade – adicionou um tijolinho nesse discurso do Bolsonaro de que o Brasil ‘precisa esquecer esse negócio de pandemia e tocar a vida’, de que ‘quem for contra é contra o Brasil’, ‘contra o futebol’, ‘contra a Seleção Brasileira’, ‘contra a economia’, ‘contra o emprego’.”

Nem por isso – afirma Guterman – os ganhos político-eleitorais estão garantidos. “Mesmo que o Brasil ganhe espetacularmente – o que não vai acontecer, porque o futebol está muito medíocre –, isso não vai despertar no torcedor brasileiro nenhuma sensação especial. Duvido que esse tipo de manobra demagógica vá acrescentar algum voto.”

O jornalista conclui com a lembrança de que Bolsonaro já pensou em ser – ele próprio – jogador de futebol. “Consta na história pessoal dele que o pai é que não deixou que fosse”, afirma Guterman. “Lamentavelmente, pois algum clube do interior de São Paulo teria ali um meia-esquerda medíocre, mas não teríamos o presidente que nós temos hoje, causando os problemas que causa.”