Combate à violência marca o debate eleitoral de 2024 em São Paulo
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A segurança pública tornou-se um ponto central nas discussões entre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo para as eleições de 2024. O escândalo mais recente comoveu a população paulistana ao mostrar um arrastão de usuários de drogas a uma loja da Rua Santa Ifigênia, conhecida pela venda de eletrônicos. No último sábado (27), a loja foi arrasada, o proprietário foi internado diante da perspectiva de falência e os demais lojistas estão em alerta pela recusa da polícia em atendê-los quanto solicitam. A famosa Rua Santa Ifigênia fica nas proximidades do fluxo que reúne milhares de usuários de crack e outras drogas na região da Luz, no centro de São Paulo.
Para os moradores da capital paulista, a violência é o principal problema, segundo pesquisa Datafolha. É a primeira vez em 11 anos que o tema preocupa mais que o atendimento de saúde, que em outros levantamentos liderava a lista de problemas. Na comparação com a pesquisa anterior do Datafolha, de 2020, a preocupação com a violência cresceu dez pontos percentuais, de 12% para 22%.
O número de roubos registrados no centro de São Paulo bateu recorde este ano. Mais de 16,5 mil ocorrências de roubo foram feitas nas oito delegacias da região central entre janeiro e setembro, o maior número para o período desde 2001. Meses atrás, um arrastão semelhante de usuários de drogas depredou uma farmácia na região do Largo do Arouche e a “gangue da bike” apedrejou o Bar Brahma, na famosa esquina da Ipiranga com a São João, após uma tentativa fracassada de roubo de celular de clientes.
O estado de São Paulo registrou um recorde de furtos em 2023. Somente de janeiro a outubro, as delegacias de polícia contabilizaram 481.800 ocorrências, contra 466.626 em 2022, uma alta de 3%. O recorde anterior era de 2005, com 472.322 casos em dez.
O caso da loja de eletrônicos demonstra a gravidade do cenário de abandono do centro paulistano, e seus efeitos deletérios sobre a economia e espaços tradicionais de comércio. Em resposta ao arrastão, o prefeito realizou um evento com o governador e agentes policiais para anunciar um aumento para policiais que trabalharem naquela área, além de contratação de policiais aposentados.
A retórica das soluções fáceis
No entanto, ainda em dezembro passado, a deputada federal Tabata Amaral, que deve concorrer à Prefeitura de São Paulo pelo PSB, vivenciou na pele a insegurança na capital paulista após sofrer uma tentativa de assalto. O incidente com ela é corriqueiro na cidade e expõe diariamente nos telejornais e redes sociais a indignação da população com a inépcia de governos e polícias. Até mesmo repórteres são assaltados, ao vivo, durante seu trabalho na TV.
O incidente gerou debates intensos entre os postulantes e evidenciou a repetição dos bordões linha dura da extrema-direita contra a criminalidade, que só tornam a cidade mais violenta a cada gestão. Assim que a deputada expôs o incidente, o pré-candidato Ricardo Salles (PL) provocou-a, classificando-a como esquerdista e mencionando seu apoio a Lula (PT) no ano anterior, tentando dar início a um bate-boca característico dos bolsonaristas.
Nesse cenário, o deputado federal e pré-candidato Guilherme Boulos (Psol-SP) expressou solidariedade à Tabata, destacando a crise de segurança em São Paulo e a falta de comando na área. Em artigo na imprensa, Boulos afirmou que “o legado da atual gestão é ter dobrado a população em situação de rua nos últimos 3 anos e ter espalhado a Cracolândia para outros cantos da cidade”. “Ninguém sai na rua hoje sem sentir medo ou sem o receio de voltar pra casa sem o celular”, disse.
O fato é que em ambos espectros das pré-campanhas, a orientação é explorar o tema e não se esquivar em vez de deixar a direita reinar sozinha com sua demagogia violenta e ineficiente. A facilidade com que a direita se apropria do discurso a partir de bordões agressivos, torna um desafio para a esquerda mostrar que é capaz de reduzir índices de violência a partir de planos mais abrangentes. Os planos à esquerda envolvem policiamento ostensivo, mas também políticas de combate a pobreza, assistência social, geração de emprego, atendimento em saúde para dependentes químicos, estímulo à moradia no centro e prioridade para a inteligência policial no combate ao crime organizado.
Na visão de Boulos, é possível conciliar a defesa dos direitos humanos com o aumento do policiamento, desmitificando o argumento de que a esquerda não tem medidas efetivas para combater a criminalidade. A pré-campanha dele busca mostrar que não há contradição nessa abordagem. O deputado defende que a prefeitura amplie a fiscalização do comércio irregular de celulares, aumente o efetivo da GCM e requalifique o centro com moradia e comércio.
A linha dura e ineficiente
Para os pré-candidatos de esquerda, como Boulos, a crise atual prejudica mais o atual prefeito, que tem a responsabilidade de responder pelos casos de violência no centro da cidade. Mesmo sem apresentar plano ou resultados positivos, pré-candidatos como o prefeito Ricardo Nunes acham que o tema da segurança o favorece, por se considerar mais preparado.
Apesar de a segurança pública ser atribuição direta do governo estadual, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliados de Nunes reconhecem que a cobrança da população se estende à prefeitura e ao governo federal. A recente Operação Escudo, incentivada pelo governador, revela que a Polícia Militar age movida pela vingança pela morte de policiais e não pelo drama da população com a violência, e acentua os índices de letalidade policial em comunidades pobres.
Na chamada “Cracolândia”, como a imprensa chama a região da Luz, a prática corriqueira é de táticas repressivas para deslocar o fluxo de dependentes químicos de um lugar para outro, espalhando ainda mais o problema. A cada incidente, se contratam mais policiais e se espalham câmeras pela cidade, que não causam efeito algum. No fim, as tais práticas “linha dura” apenas empurram o problema para a próxima gestão.
A estratégia do atual prefeito é apresentar medidas da gestão, como investimentos na Guarda Civil Metropolitana e ações de recuperação urbana no centro. No entanto, será confrontado com os resultados desastrosos da violência alastrada pela cidade, conforme estas medidas se confirmam como muito tímidas diante da dimensão do problema. Nem mesmo a parceria privilegiada entre Nunes e Tarcísio têm contribuído para melhorar o cenário. O fato da Prefeitura e do Governo Estadual serem oposição ao Governo Federal, acaba prejudicando uma parceria produtiva e integrada entre as políticas como o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
A extrema-direita defende que a população demanda o endurecimento das ações contra criminosos, numa postura meramente punitivista. Os candidatos à esquerda, no entanto, não abrem mão do rigor e no combate à violência, mas aposta em planos transversais, que envolvam outras áreas de governo e parcerias estratégicas.
Os pré-candidatos Salles, Kim Kataguiri (União Brasil) e Marina Helena (Novo) voltam a repetir a velha retórica da postura linha-dura na segurança, inspirando-se na política de tolerância zero do ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. Esquecem que a própria comparação de cenários entre as cidades brasileiras e americanas inviabiliza os mesmos resultados. Kim quer reduzir a idade penal e promover a internação compulsória de dependentes químicos. A pré-candidata do Novo chega a propor o armamento dos agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A distribuição de armas entre a população é outra política frequente destes políticos, o que comprova agravar ainda mais a violência letal.
Um gesto simbólico aos eleitores que defendem a chamada “linha dura” tem sido trazer policiais para a campanha, já há alguns pleitos. Nunes aceno ao delegado Osvaldo Nico, secretário-executivo da secretaria estadual de Segurança Pública, chamando-o de vice-prefeito durante um evento. Já a direção do PL indicou Ricardo Nascimento de Mello Araújo, coronel da reserva e ex-comandante da do batalhão de choque de SP, para ser vice na chapa. Salles também anunciou um vice da área da segurança para sua chapa. Ele publicou uma foto com o deputado Delegado Palumbo (MDB-SP). Tabata deu ênfase à pauta da segurança ao articular a filiação do apresentador José Luiz Datena ao PSB, cotado para ser seu vice na chapa.
A questão da segurança pública promete ser um dos principais pontos de debate na campanha eleitoral de 2024 em São Paulo, destacando a necessidade de propostas eficazes para enfrentar os desafios enfrentados pela população na cidade.
(por Cezar Xavier)