Taipé – 03/08/2022 A Presidente Tsai Ing-wen reuniu-se com a delegação da Presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi. Official Photo by Chien Chih-Hung / Gabinete da Presidência

O editorial do jornal estatal chinês Global Times apontou, hoje (4), consequências da visita da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, território considerado “província rebelde” pela China. Segundo o texto, a visita favoreceu a estratégia de reunificação do território chinês, com avanço de operações militares de dissuasão no estreito marítimo. 

Em entrevista ao portal, a analista internacional Ana Prestes concorda que a provocação da deputada favoreceu uma nova etapa do processo, ao “mexer com o que estava quieto”. “A China vai tomar medidas preventivas, porque, quem vai visitar Taiwan, agora? O presidente dos EUA?”, indagou ela, que é secretária de Relações Internacionais do PCdoB.  

A partir desta quinta-feira (4), o exército chinês iniciou exercícios militares e atividades de treinamento, incluindo exercícios de tiro em áreas marítimas ao redor da ilha. Na tarde de quinta-feira, o Comando despachou mais de 100 aviões de guerra e sua Força de Mísseis lançou ataques a leste da ilha, e todos os mísseis atingiram com precisão seus alvos marítimos. 

Um mapa divulgado pela agência de notícias Xinhua na China detalha as áreas que serão usadas para exercícios militares ao redor de Taiwan até domingo (7).

Interesses da humanidade

Ana considera importante reafirmar algo que parece óbvio, mas precisa ser dito. “Foi muito grave o que os americanos fizeram. Foi desrespeitosa a visita e a desresponsabilização do [secretário de Estado, Anthony] Blinken, ao dizer que a visita era unicamente responsabilidade da Pelosi e do Congresso. Não é assim. Foi praticamente um ataque a um país que deixa muito clara a importância de sua unidade territorial”, enfatizou. 

Deliberadamente, na opinião dela, os EUA elevaram o nível de tensão, num momento em que ocorre outro grande e paradigmático conflito entre Rússia e Ucrânia. “Isso é contra os interesses de toda a humanidade”, declarou.

Os EUA quebraram um padrão diplomático estabelecido no acordo de 1979, quando se comprometiam a respeitar a política de uma só China. 

O Global Times opina que: “Tal situação no Estreito de Taiwan tornou-se mais clara – cada vez que os EUA e Taiwan conspiram e provocam, o controle real do continente chinês sobre a ilha de Taiwan será fortalecido, e o processo de reunificação avançará um passo à frente. (…) a intensidade de nossas contramedidas é sem precedentes”. 

O editorial fala em exercícios militares inovadores, com o risco aumentado sobre os esforços de independência, além de compressão ainda maior do espaço para suas ações futuras. Os militares chineses teriam colocado em prática capacidade de antiacesso e negação de área a Taiwan, o que seria “só o começo”.

Resposta à altura

Às vésperas da visita, a China ameaçou uma resposta contundente à provocação. Ana diz que a resposta chinesa é sempre “lenta e profunda”. “Eles intensificaram o bloqueio econômico, aumentando a lista de produtos que os taiwaneses não podem adquirir, e cercaram a ilha navalmente, com exercícios militares no estreito de Taiwan”, apontou. Para a socióloga, o processo foi iniciado.

Global Times usa uma imagem poética tipicamente oriental para definir o processo de reunificação: é um rio que corre, inevitavelmente, para o mar.

O editorial também sinaliza para as complicações que o episódio revela para a reunificação territorial, com as intenções americanas de contenção. “[O processo] é tão complicado que até hoje não aconteceu. Mas não acho que as condições pioraram com a provocação dos EUA”, avalia Ana. 

Segundo ela, o episódio deu mais argumentos e legitimidade à reivindicação chinesa para acabar com o movimento secessionista de Taiwan. A solidariedade internacional demonstrada neste incidente diplomático, na opinião dela, fortalece a China. “Houve diferenças, inclusive, dentro dos EUA sobre esta visita”.

Silêncio hipócrita

Sobre o “silêncio hipócrita europeu” em relação à visita indesejada, mencionado no editorial, a analista lembra que pouco antes de terminar sua gestão na União Europeia, a alemã Angela Merkel fechou um acordo importante com a China, ao mesmo tempo em que está completamente rendida aos EUA com a guerra da Ucrânia, evitando opinar. 

No entanto, após as consequências militares chinesas, os ministros das Relações Exteriores do G7 e o alto representante da União Europeia emitiram uma declaração conjunta, na quarta-feira, criticando a militarização da região, assim como fez a Casa Branca. “Pretensamente, [os europeus] são contra as guerras. Mas promovem uma na Ucrânia que não conseguem resolver”, concluiu Ana.

“Se eles estavam realmente ‘preocupados’ com a paz e a estabilidade no Estreito, por que não emitiram uma declaração para impedir ou pelo menos criticar a visita de Pelosi antes de sua viagem?”, questiona o editorial.

O editorial conclui de forma enfática: “O princípio de uma só China tem apenas uma versão e um significado: há apenas uma China no mundo, Taiwan é uma parte inalienável do território da China e o governo da República Popular da China é o único governo legal que representa toda a China . De certa forma, os exercícios e treinamentos militares atuais do Exército de Libertação do Povo Chinês são uma demonstração poderosa de uma China”. 

Por Cezar Xavier