Com teto de gastos, fortes prevalecem e vulneráveis ficam desamparados
Com o teto de gastos, instituído em 2016 pela Emenda Constitucional (EC) 95, prevalecem os grupos mais fortes e os mais vulneráveis são prejudicados. A análise é de Grazielle David, assessora da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe. Segundo David, à época da aprovação do teto, seus defensores argumentaram que a limitação para os gastos públicos explicitaria as injustiças orçamentárias e levaria a um debate. Mas, na prática, muitos grupos se veem sem voz.
“A gente tem uma sociedade muito desigual, sem espaço para esse debate democrático. A gente já sabia que não ia ter esse debate, muito pelo contrário. Determinados grupos teriam condições de fazer prevalecer sua vontade. Agora, com o Orçamento de 2021 [que tem de ser enviado ao Congresso pelo governo até 31 de agosto], isso fica muito mais óbvio”, comenta David.
Uma das primeiras medidas aprovadas no governo de Michel Temer, o teto de gastos limita os gastos públicos à inflação do ano anterior até 2036. Caso o teto seja “furado” são acionados “gatilhos” para impedir o crescimento dos gastos, como restrição à realização de concursos públicos, a reajuste de salários do funcionalismo e ao reajuste do salário-mínimo.
Analistas como Grazielle David consideram que o dispositivo é excessivamente rígido e engessa o investimento público, especialmente importante em períodos de crise como o que o país o mundo atravessam no momento. Com a pandemia do novo coronavírus, ficou mais patente a necessidade de investimentos em áreas como pesquisa e saúde, que compõem a linha de frente de combate ao vírus, e, ainda, em educação pública, cujos gargalos e deficiências ficaram ainda mais evidentes.
“Existem indicações de que o governo vai cortar recursos da Educação, da Saúde, para colocar dinheiro na Defesa. Ele impediu que tivesse reajustes no nível subnacional e permitiu que tivesse reajuste para militares. Os grupos vulneráveis são cada vez mais prejudicados”, ressaltou David.
Esta semana, o jornal Estado de S.Paulo teve acesso à proposta orçamentária que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, prepara para enviar ao Congresso. A reportagem constatou que o governo de Jair Bolsonaro prepara um corte nos recursos para o Ministério da Educação, enquanto ampliou em 48,8% a verba para o Ministério da Defesa.
Bolsonaro também vetou reajuste a servidores diretamente envolvidos no combate à Covid-19 nos estados, como trabalhadores da saúde, limpeza urbana e serviços funerários. Embora o Senado tenha derrubado o veto, ainda falta a análise da Câmara dos Deputados. No entanto, a reforma da Previdência do presidente permitiu reajuste de até 73% de uma bonificação para militares, ao custo de R$ 26,5 bilhões em cinco anos. O aumento do bônus será concedido independente da pandemia.
Financiamento sufocado
Para ilustrar os efeitos do teto de gastos sobre grupos vulneráveis, Grazielle David cita um estudo orçamentário que realizou para a representação no Brasil da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Fian, na sigla em inglês).“Eu fiz um estudo sobre o que aconteceu com o orçamento. Uma ação orçamentária de apoio à organização econômica e cidadania de mulheres rurais saiu de R$ 11 milhões, em 2015, para R$ 730 mil em 2018. Praticamente não existe mais”, exemplificou.
Ela afirma, ainda, que o impasse em torno do teto de gastos, defendido com veemência por personagens como Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acaba atrasando as ações necessárias em um momento de crise profunda. “Estamos no meio de um debate muito sério, sem consenso. Não se sabe para onde se vai e isso atrasa tanto o enfrentamento da pandemia quanto atrasa a retomada econômica”, diz. (Por Mariana Branco)