Com EUA e Europa em crise, G7 discute sobre como conter Rússia e China
Chegou ao fim a cúpula na Alemanha do notório grupo de países imperialistas mais ricos, apropriadamente descrita pelo jornal inglês The Guardian com o título de “G7 com agenda cheia num mundo virado de cabeça para baixo”.
Líderes do grupo em decadência atualmente se dedicam a três objetivos: como sancionar a Rússia e entupir de armas e dólares o regime de Kiev e seus neonazis; como adiar a ascensão do modelo econômico superior da China; e, dentro dos próprios ‘sete’, como sobreviver ao próximo inverno e a eleições cujo mote, cada vez mais “é a carestia, estúpido!”.
Em boa parte por causa das sanções desencadeadas contra a Rússia, a estagflação [inflação + recessão] – um fenômeno econômico só visto nos anos 1970, no processo de quebra do padrão Ouro-Dólar de Bretton Woods – voltou a ameaçar, tendo como epicentro exatamente os sete países mais ricos.
Nos EUA, a inflação é a maior em 40 anos, o que também se repete de uma ponta a outra da Europa. A espiral inflacionária que sangra os orçamentos das famílias europeias foi o mote dos protestos contra a presença do ‘sete’ na Alemanha.
FMI e Banco Mundial andaram revisando para baixo a previsão do PIB dos sete, e inclusive no primeiro trimestre do ano os EUA ficaram no vermelho (queda de 1,5% anualizado).
Claro, teve a ‘foto do G7’, que nos bons tempos do auge do mundo unipolar dos EUA, sempre emprestava um ar de importância a coadjuvantes, quando não notórios poodles, de Washington. No castelo de Elmau, nos Alpes da Baviera, encenando descontração, de camisa branca, quase numa coreografia, Joe Biden, Justin Trudeau (Canadá), Boris Johnson (Reino Unido), Olaf Scholz (Alemanha), Emmanuel Macron (França), Madame Von der Leyen e Charles Michel (União Europeia), Mário Draghi (Itália) e Fumio Kishida (Japão).
O ator-presidente Zelensky, de camisa verde-cáqui, também fez uma ponta no evento, conforme o enredo, solicitando mais armas para a guerra “não chegar ao inverno”. Segundo a mídia, o G7 se comprometeu com apoio militar e financeiro ‘indefinido’ à Ucrânia.
Entre as “alternativas” ao novo que insiste em vicejar, o decrépito G7 se dispôs a reunir US$ 600 bilhões para “investimentos em infraestrutura” – rachados entre Washington, Bruxelas e Tóquio – como alternativa ao plano chinês Iniciativa Cinturão e Rota, que segue apoiando os esforços já de uma centena de países para avançar nesse quesito.
Logo Biden, que não consegue construir um trem de alta velocidade nos EUA, nem tirar do papel seu plano de infraestrutura que naufragou no Senado, brecando a reconstrução de pontes em ruína país afora.
Mas a principal discussão foi sobre como botar o guizo, como diz a célebre fábula da assembleia de ratos, no urso russo.
A genial proposta de proibir a importação do “ouro russo” foi ironizada pelo portal norte-americano Zerohedge: ouro que “as nações ocidentais já não podem comprar, e que apenas empurrará ainda mais ouro físico para as mãos dispostas da Índia e da China, enquanto eleva os preços globais”.
Também a proposta de impor um “teto máximo” ao preço do petróleo vendido pela Rússia – e cujo preço decolou exatamente porque os países imperiais tentam artificialmente retirar o petróleo russo do mercado, o que só pode ter como consequência fazer o preço disparar, ainda mais depois de terem feito isso em relação ao petróleo iraniano e venezuelano, para impor mudança de regime. A OPEP já alertou que não há como substituir o petróleo russo.
“Teto”, portanto, difícil de encaixar, ainda mais com a Rússia disposta a conceder 25% de desconto – com o que, ainda assim, obtém maior receita com petróleo do que antes das sanções.
A Índia, que compareceu ao conclave do G7 como convidado, já disse que está fora desse esquema e que “não abre mão da segurança energética”: a Rússia se tornou o segundo maior exportador de petróleo para a Índia.
À Fox News, um analista de mercado fez a indiscreta pergunta: quem é que iria obrigar a Rússia a vender seu petróleo por tal “teto”?
Se o confronto principal e direto agora é com a Rússia, Washington e seus comensais não perdem de vista a China.
À margem da cúpula do G7, o conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, disse a jornalistas que a Casa Branca acredita que há “uma convergência cada vez maior, tanto no G7 quanto na Otan, sobre o desafio que a China representa”, citando as “práticas econômicas” chinesas, “em relação à dívida dos países em desenvolvimento” e sua abordagem quanto aos “direitos humanos”.
Para um país, os EUA, que provocou uma “crise da dívida” nos anos 1980 e empurrou os países em desenvolvimento para o fundo do poço, ao elevar de supetão os juros para 20%, a que se seguiu o ‘Consenso de Washington’, e que sustentou o apartheid na África e o colonialismo até quando pôde, em nome do anticomunismo, é muita hipocrisia.
Quanto à abordagem norte-americana sobre “direitos humanos” e liberdades em geral, estão aí George Floyd e Julian Assange para dirimir quaisquer dúvidas.
Estrategicamente, “é a China, estúpido”. “Queremos garantir que estamos trabalhando com parceiros que pensam parecido para pressionar a China a aderir a essas regras”, esmerou-se Sullivan sobre a “ordem mundial sob regras” – a do mundo unipolar em aberta decadência.
Coerentemente, ele esclareceu que “não estamos querendo dividir o mundo em blocos rivais, e fazer cada país escolher”. Não, certamente não: o país “excepcional”, a “casa iluminada na colina”, já sabe o que é melhor para Wall Street, High Tech e Big Oil, e dispensa as escolhas de quem quer que seja.
Encerrado o convescote no castelo Elmau, os convivas já estão rumando para Madri, para a cúpula do organismo irmão siamês do G7, a Otan, em que o Japão estreará sua participação.