Com alta dos juros, governo optou pelo bolsa-banqueiro, diz economista
O Banco Central indicou que irá novamente aumentar a taxa básica de juros (Selic) na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na “mesma magnitude” que elevou a taxa Selic de 3,50% para 4,25% ao ano na semana passada, mas o arrocho monetário poderá ser ainda maior diante da “persistência da pressão inflacionária“, segundo a ata da reunião divulgada na terça-feira (22). Para o economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, “a decisão do Copom é, mais uma vez, uma decisão equivocada”.
“O BC está utilizando um instrumento, que é um instrumento de controle de demanda, que é a taxa de juros, para combater uma inflação originada de pressão de custos. Não é só no Brasil que tem elevação da inflação. Nos EUA, na Europa, na China, nos países asiáticos, está ocorrendo um aumento nos índices inflacionários devido à valorização das commodities agrícolas e metálicas e, também, do próprio petróleo”, ressaltou o economista.
Segundo Oreiro, apesar da elevação da inflação em vários países do mundo, os bancos centrais não saíram aumentando os juros.
“Houve uma aceleração da inflação a nível mundial, não só no Brasil, devido ao choque de oferta. Mas nós não vimos nem o Federal Reserve nem o Banco Central europeu reagirem com aumento de juros ao choque de ofertas, porque isto está errado. Juros servem para combater a pressão de demanda e a economia brasileira está com 15 milhões de desempregados e muita capacidade ociosa”, lembrou o economista. “Foi uma decisão tecnicamente incorreta que, na verdade, foi pressão do sistema financeiro para que o BC voltasse com o bolsa-rentista ou bolsa-banqueiro”, denunciou Oreiro.
Para o professor, outros instrumentos poderiam ser usados para conter a inflação. “Poderíamos ter usado outros instrumentos. Por exemplo, se nós ainda tivéssemos estoques reguladores de alimentos – que o Guedes [Paulo Guedes, ministro da Economia] acabou destruindo no início do governo Bolsonaro -, se tivéssemos impedido uma desvalorização tão forte do câmbio no ano passado, através de uma intervenção mais dura do Banco Central no mercado de câmbio. Havia instrumentos para suavizar a elevação da inflação, mas o governo não fez nada disso e optou pela “bolsa-banqueiro”: dar mais dinheiro para o pessoal da Faria Lima”.
De acordo com o economista, a inflação ocorreu “pelo hiato de tempo de resposta da demanda e da oferta à crise do coronavírus”.
“Quando irrompeu a pandemia do coronavírus, em março do ano passado, você teve uma interrupção súbita da oferta mas, também, da demanda. É só lembrar que em abril do ano passado, o preço do petróleo chegou a ser negativo, nos mercados futuros. Houve uma queda muito grande nos preços das commodities, no início. Uma queda muito profunda no nível de atividade econômica na Europa, nos EUA. Mas as economias vão sendo religadas aos poucos, durante o verão. Depois, no outono/inverno, voltou a ter uma segunda onda de coronavírus mas, agora em 2021, nós temos a vacinação, que no início foi lenta, mas agora ela está rápida. Os EUA praticamente já vacinaram mais da metade da população, a Europa está com mais de 30%, Israel já vacinou 85% da população. A economia mundial, nos países desenvolvidos, está se recuperando rapidamente”, ressaltou.
“A China, além de ser o primeiro país a se recuperar da Covid-19, enfrentou um problema de gripe suína no ano passado e teve que sacrificar uma parte relevante de seu rebanho de porcos. Para recompor esse rebanho, tiveram que aumentar a importação de soja. Por isso, o preço da soja disparou. Temos então uma recuperação rápida das economias desenvolvidas e da China, pressionando a elevação do preço do petróleo e das commodities agrícolas e metálicas (ferro, cobre, etc…), junto com esse problema da China de recompor o seu rebanho. Isso pressionou o preço das commodities e o preço da energia elétrica, pois o petróleo influencia o preço da energia. Então, houve uma aceleração da inflação a nível mundial, não só no Brasil, devido ao choque de oferta. Mas nós não vimos nem o Federal Reserve nem o Banco Central europeu reagirem com aumento de juros ao choque de ofertas, porque isto está errado”, frisou.
Segundo Oreiro, espera-se que a pressão inflacionária do lado da oferta comece a ceder. “Vamos observar, no segundo semestre, com uma incerteza importante que é a crise hídrica, que pode alterar esse quadro, mas a princípio a gente deve observar uma queda do IPCA acumulado em 12 meses, a partir de julho deste ano. De tal maneira que a inflação vai começar a cair muito antes da taxa de juros ter qualquer efeito sobre ela, pois o que a evidência empírica mostra é que uma alteração da taxa básica de juros leva de 6 a 9 meses para ter efeito sobre a inflação”, avaliou. “A taxa de juros começou a aumentar em março deste ano, então os primeiros efeitos sobre a inflação só se fariam sentir em dezembro. Então, para a inflação de 2021, a política monetária não tem nenhuma importância”.
E arrematou: “tecnicamente falando, a decisão que o BC tomou em março de 2021 só poderia ser importante para a inflação de 2022 e não para a de 2021, essa ele não poderia fazer mais nada. Mas, para que se justificasse uma elevação da taxa de juros em março de 2021, depois abril e agora de novo, só se a economia tivesse uma perspectiva de estar sobreaquecida no ano de 2022, e estamos longe desse cenário”.
Esta foi a terceira vez que o Copom elevou os juros este ano e, na contramão do mundo, o Brasil passou a ocupar o segundo lugar entre as economias com os juros reais mais altos do mundo entre 40 países, ficando atrás apenas da Turquia, segundo a consultoria Moneyou.