Os protestos marcam a entrada da Colômbia no rol de países da América Latina que estão em crise em consequência da imposição de choques neoliberais

Centenas de manifestantes desafiaram o toque de recolher decretado na noite de sexta-feira (22) em Bogotá e realizaram um panelaço diante da casa particular do presidente Ivan Duque, aliás, o “subpresidente”, de acordo com o irônico apelido com que ficou conhecido por não passar de um poste do ex-presidente e carniceiro, Álvaro Uribe. O panelaço foi seguido pelo cântico do hino nacional colombiano.

O toque de recolher foi primeiro decretado para os bairros populares de Bosa, Ciudad Bolívar e Kennedy, mas uma hora mais tarde já havia sido estendido à capital inteira, de sete milhões de habitantes. O toque de recolher vigora de nove da noite até cinco da manhã.

A Colômbia viveu na quinta-feira a maior greve nacional em 42 anos, com um milhão marchando nas ruas e repudiando o pacotaço – que Duque nega, sem convencer ninguém – para reduzir salário para os jovens, acabar com a previdência pública Colpensiones, aumentar a idade de aposentadoria, facilitar demissões, cortar direitos trabalhistas, fazer um tarifaço na energia elétrica e privatizar o que ainda resta.

Os manifestantes também exigiram o fim da sabotagem de Duque ao acordo de paz na Colômbia, assim como o fim do genocídio de lideres indígenas e da impunidade dos novos casos de “falsos positivos”. Chama a atenção a enorme participação da juventude nos protestos.

Os protestos também cobram que o acordo de aumento da verba para o ensino superior, arrancado no ano anterior por estudantes e professores mobilizados, seja respeitado.

69% DE REPROVAÇÃO

Eleito com 58% dos votos, em pouco mais de um ano Duque já está, em matéria de popularidade, “no vermelho”, como registrou a BBC. Pesquisa do Gallup de outubro revelou que a reprovação de seu governo já chega a 69% – e piorando. Na sexta-feira, manifestantes voltaram em massa às ruas de Bogotá e acabaram se produzindo confrontos com a tropa de choque.

Os protestos marcam a entrada da Colômbia no rol de países da América Latina que estão em crise em consequência da imposição de choques neoliberais, corte de direitos e programas sociais, desemprego, arbítrio, racismo e obscurantismo.

Atos de brutalidade policial também foram relatados. Vídeo que circula amplamente mostra o espancamento de uma manifestante jovem na capital por vários policiais, até ela desmaiar.

O sistema de transporte público Transmilênio ficou inteiramente paralisado após depredações em 76 estações. Com os poucos ônibus que seguiam operando superlotados, milhares de pessoas não tiveram outro jeito senão longas caminhadas até suas casas. Grupos não identificados começaram a cometer saques no início da noite em várias partes.

Em declarações à BBC Mundo, o ex-vice-presidente Humberto de la Calle, considerou a greve “histórica”, por sua amplitude e vigor, acrescentando ser “uma espécie de cartão amarelo, se quisermos usar termos do futebol”.

La Calle se mostrou impressionado pelo caráter pacífico, alegre e criativo das manifestações. “As marchas ocorreram em todo o país e não apenas em Bogotá”. Ele considerou fora da realidade elocubrações de Uribe quanto aos protestos terem sido fabricados pelo “Foro de São Paulo ou Maduro”.

Ele também registrou que é a primeira vez que ocorre um panelaço na Colômbia e esteve concentrado “principalmente nos bairros de classe média”, o que, na opinião dele, enfatiza o fato de que “não era apenas um protesto da classe trabalhadora, mas representativo de um grupo mais amplo da sociedade”.

Um desses integrantes da classe média de que fala La Calle, o cientista político Daniel Medina, de 25 anos, relatou ao El País, durante o panelaço em um parque da abastada zona norte de Bogotá, porque estava protestando: “Porque estou indignado com esse governo, pela falta de visão, de liderança, de profundidade, pelos lugares comuns e discursos vazios, por dizer que nos ouve enquanto militariza a cidade”. “Que diabos é a economia laranja?”, questionou, sobre o jargão de campanha de Duque, para engrupir o povo sobre o pacotaço que a oligarquia já preparava antes mesmo da eleição.

O ex-vice colombiano disse também que o governo precisa mostrar maior empatia com a sociedade. “Eu dou um exemplo: após o bombardeio onde crianças morreram, o presidente saiu em defesa da força pública – que é entendida como parte de seu governo – mas não houve nenhum gesto para as vítimas, para as mães das menores que morreram”, apontou.

O bombardeio de que La Calle fala é aquele que levou à renúncia do ministro da Defesa, Guillermo Botero, que se gabara de ter acabado com uma “fortaleza” dos dissidentes das Farc, mas na verdade se tratava de um local onde havia oito – segundo alguns, até 18 crianças -, incluindo uma menina de 12 anos, uma adolescente de 15 e outra de 16. O que tem sido denunciado como a volta dos “falsos positivos” – o massacre de civis, que depois exibidos como “guerrilheiros mortos”. O fim do genocídio na Colômbia também foi uma das pautas desse enorme 21N.

“CONVERSA NACIONAL”

Duque foi à televisão asseverar que a partir da próxima semana iniciará uma “conversa nacional” para fortalecer a “atual agenda de políticas sociais” – devia estar se referindo à profusão de gás lacrimogêneo e ao pacotaço – visando a “médio e longo prazo” fechar as “brechas sociais”.

Parece que os colombianos não estão dispostos a esperar tanto.

O “subpresidente” anunciou ainda que o exército foi deslocado para as ruas em patrulhas mistas com a polícia – o que não impede que, quando o sol se põe, o barulho indisfarçável das caçarolas ecoe pela capital colombiana. 20 mil policiais e militares patrulham Bogotá.

Para a oposição parlamentar, “a cidadania marchou massivamente para dizer que seus problemas devem ser resolvidos já” e o silêncio de Duque diante das demandas do povo “é a pior resposta”. Como o deputado verde Mauricio Toro assinalou, na alocução na tevê Duque ficou “focado nos atos de uma ínfima minoria”, “em vez de dar uma resposta concreta e clara às exigências dos cidadãos”.