No segundo ano da pandemia da Covid-19 no Brasil, em que o desenvolvimento de pesquisas científicas se faz necessário para a produção de vacinas e o monitoramento da situação da doença, que já matou mais de 460 mil brasileiros, o orçamento destinado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) deste ano é o menor do século 21. Vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, o CNPq é o principal órgão de incentivo à pesquisa, ciência e tecnologia no Brasil.

“Vimos não só o orçamento da universidade diminuir, mas também o da Ciência, e chegamos a este nível, dos mais baixos nos últimos 20 anos. A Ciência vai entrar em colapso e em um momento crucial para o país”, alertou a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili, nesta segunda-feira (31). A reitora cobrou também o cumprimento da Lei Complementar 177/21, que o proíbe o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “Até agora não vimos o recurso do FNDCT, que não foi liberado, apesar da Lei ter sido aprovada”.

Em 2021, o governo Bolsonaro liberou apenas R$ 1,21 bilhão em verbas para o CNPq, valor que é quase metade do disponível em 2000, quando foram destinados R$ 2,35 bilhões, segundo levantamento do Globo, com base no Sistema Integrado de Operações (Siop), do Governo Federal. Neste período, em que o órgão observa seu orçamento reduzido, a quantidade de alunos na pós-graduação duplicou, passando de 162 mil para 320 mil.

Em 2013, foi o ano em que a pesquisa brasileira recebeu mais recursos, R$ 3,14 bilhões. Desde 2016, os valores destinados à pesquisa caíram e ficaram abaixo dos R$ 2 bilhões pela primeira vez desde 2008.

Ao longo dos anos, o órgão também viu jovens talentosos da ciência brasileira irem embora para outros países ou até deixarem as carreiras acadêmicas, por falta de apoio.

Entre 2011 e 2020, a quantidade de bolsas ofertadas pelo CNPq caiu em quase 50%, de 2.445 para 1.221. No mestrado, a redução foi de 32%, saindo de 17.328 para 11.824; no doutorado, de 20%, quando passou de 13.386 para 10.738.

“Vemos um verdadeiro apagão da ciência brasileira e acreditamos que haverá uma paralisação da produção científica caso não haja uma revisão orçamentária”, afirmou a vice-presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Stella Gontijo, ao O Globo.

Além disso, desde 2013, os valores das bolsas não sofrem reajustes, afastando aqueles alunos que não têm como se manter apenas com o recurso da bolsa. Um pesquisador de mestrado no Brasil recebe R$ 1.500 por mês, enquanto o de doutorado recebe R$ 2.200.

Segundo a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), as bolsas de mestrado e doutorado tiveram uma desvalorização de 170% e 306%, respectivamente. Hoje, com uma correção monetária e inflacionária, os pesquisadores de mestrado poderiam estar recebendo R$ 3.555,35 e os de pós-graduação R$ 5.437,61.

Entidades da CT&I pedem liberação imediata e integral dos recursos FNDCT

Nesta segunda-feira (31), entidades do segmento da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), que compõem o Comitê Executivo da Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br) divulgaram uma carta endereçada ao Congresso Nacional, em que pedem a liberação imediata e integral dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “Não compete ao Ministério da Economia definir como se dará a aplicação dos recursos do FNDCT”, afirmam as entidades.

A seguir o documento entregue aos parlamentares:

Carta aos líderes de partidos, blocos partidários, comissões e parlamentares ligados à CT&I

“O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) tem sido, desde sua criação em 1969, um instrumento fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Ele financiou, ao longo de cinco décadas, projetos estratégicos e relevantes em universidades, instituições de ciência e tecnologia e empresas. A ele se deve a instalação e a manutenção de laboratórios e equipamentos que foram fundamentais para o avanço da ciência brasileira, para a saúde da população, para a inovação e para a economia nacional.

Neste momento de grave crise sanitária e econômica, o investimento em CT&I é absolutamente essencial para o enfrentamento da pandemia e para a superação das dificuldades econômicas e sociais do País. Foi por entender isto que o Congresso Nacional aprovou recentemente, por uma maioria muito expressiva, a LC 177/21 que extinguiu a Reserva de Contingência do FNDCT e o transformou em fundo financeiro. Tal aprovação resultou também da atuação conjunta das entidades e setores ligados à CT&I. No entanto, a LOA 2021 (Lei nº 14.144/21), promulgada em 23/04/2021, manteve em seu bojo a Reserva de Contingência do FNDCT, ao arrepio, portanto, da LC 177/21 que fora aprovada quatro semanas antes pelo Congresso Nacional.

Com vistas a sanar esta situação de ilegalidade, e sob pressão das entidades de CT&I, foi enviado ao Congresso o PLN 8 que visa incluir parte dos recursos do FNDCT na LOA 2021. Mas, o PLN 8 não estabelece a liberação integral e imediata dos recursos do FNDCT exigida pela LC 177/21. Além disso, os recursos de R$ 1,89 bilhão ali colocados se destinam unicamente às Operações Especiais: Financiamentos com Retorno, os chamados recursos reembolsáveis.

O Congresso Nacional, que tomou a decisão de extinguir a Reserva da Contingência, deve atuar, e essa é nossa solicitação, para que sua decisão seja efetivamente cumprida e todo o recurso do FNDCT ser rápida e integralmente liberado. Neste sentido, nos dirigimos a V.Ex.a e trazemos à sua consideração três sugestões de emendas ao PLN 8, que podem conduzir à liberação integral dos recursos do FNDCT, a seu uso adequado e ao cumprimento da LC 177/21:

1) Emenda que transfira 100% dos recursos colocados neste PLN 8, e destinados ali unicamente para créditos (recursos reembolsáveis), para recursos não reembolsáveis.

Justificativa: A questão crucial hoje para a CT&I brasileira é a liberação da parcela de recursos não reembolsáveis do FNDCT, que são essenciais para a infraestrutura em C&T das universidades e instituições de pesquisa e para apoio a programas de desenvolvimento tecnológico e à inovação, por meio da subvenção econômica. Existem hoje na Finep, que faz a secretaria executiva do FNDCT, cerca R$ 6,9 bilhões já disponíveis para crédito às empresas. Eles têm sido pouco atrativos para os empresários, uma vez que a taxa é a TJLP, que se tornou cara para o subsídio. Portanto, não faltam recursos reembolsáveis neste momento. Por outro lado, não é uma atribuição do Ministério da Economia definir que 50% dos recursos do FNDCT devem ser destinados necessariamente a recursos reembolsáveis. Além do mais, parece haver aqui uma estratégia de postergação na liberação dos recursos não reembolsáveis. Se eles forem liberados dentro de poucos meses, não haverá prazo hábil para serem utilizados ainda neste ano, o que é vital para a ciência e tecnologia do País que se encontra em situação crítica;

2) Emenda liberando a totalidade dos recursos restantes do FNDCT em 2021, cerca de R$ 3,1 bilhões, seja através de inclusão no PLN 8, seja por meio da exigência que o governo encaminhe imediatamente ao Congresso um novo PLN.

Justificativa: Trata-se aqui de cumprir a LC 177/21, promulgada no dia 26/03/2021, que extinguiu a Reserva de Contingência do FNDCT. Devido aos severos cortes no orçamento de CT&I para 2021, a liberação imediata desses recursos do FNDCT é essencial para evitar o colapso do Sistema Nacional de CT&I, a descontinuidade de pesquisas e a paralisação de laboratórios, a suspensão de importantes programas do CNPq, além de serem indispensáveis para apoiar atividades de desenvolvimento tecnológico e empresas inovadoras. Eles são também fundamentais para o programa de vacinas nacionais, para o qual existem grupos de pesquisa brasileiros capacitados, o que colaboraria para tornar mais ágil e efetivo o combate à COVID-19 e suas variantes e reduziria a dependência do país quanto a insumos e vacinas importadas.

3) É importante que seja apresentada uma emenda ao PLN 8 que reafirme a competência do Conselho Diretor do FNDCT para definir o uso e a destinação dos recursos do FNDCT.

Justificativa: Não compete ao Ministério da Economia definir como se dará a aplicação dos recursos do FNDCT. É ilegal que ele, ou qualquer órgão governamental, decida sobre a destinação dos recursos do FNDCT, já que é atribuição do Conselho Diretor do FNDCT, como está no Art. 5o da Lei 11.540/2007, “a definição das políticas, diretrizes e normas para utilização dos recursos do FNDCT”, bem como aprovar a sua programação orçamentária e financeira.”

Assinam o documento: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de, Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti), Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis (Ibrachics).