Cineasta dedica estreia em Cannes à jornalista assassinada por Israel
“Eles atiraram nela na cabeça simplesmente porque estava fazendo seu trabalho”, declarou a cineasta Maha Hajj, quando da estreia de seu filme “Febre Mediterrânea” na 75ª versão do festival “Un Certain Regard” (Um Certo Olhar), na cidade francesa de Cannes, no dia 25.
Ela dedicou a estreia à jornalista palestina/americana Shireen Abu Akleh, veterana com 25 anos de trabalho a partir da Palestina para a rede Al Jazeera, assassinada por elementos das tropas de ocupação israelense em Jenin. Para a cineasta, “Shireen era um alvo”.
“Duas semanas atrás, Shireen Abu Akleh, um ícone, uma excelente jornalista e uma filha amada da Palestina, foi assassinada, recebeu um tiro na cabeça, simplesmente por fazer seu trabalho no campo de refugiados de Jenin, cobrindo mais uma história horrenda da ocupação”, declarou a cineasta Maha.
“Nunca vamos de esquecer Shireen. Nós te amamos, te veneramos. Ainda que eles tenham matado a narradora, a história permanecerá viva. Dedicamos esta estreia a você”, declarou sob intensos aplausos.
“Febre Mediterrânea” é o segundo longa da jovem cineasta e faz parte dos 20 filmes que o Festival considera revelações e são convidados a estrear em Cannes este ano.
Maha Hajj, é nascida em Israel, na cidade de Nazaré e se define como palestina. Apesar do seu filme ser rodado na cidade israelense de Haifa, a cineasta o declara uma obra palestina e por isso decidiu não solicitar recursos para sua obra de entidades israelenses dedicadas à produção audiovisual. Pela lei israelense, filmes que recebem financiamento em Israel são obrigados a se definirem com “filmes israelenses”.
Para realizar sua obra, conseguiu apoios na Palestina, Qatar, França, Alemanha e Chipre.
“Eu quis fazer um filme sem dinheiro israelense porque desejava apresentá-lo ao mundo como palestino. Tivemos que ser muito pacientes neste sentido e isto nos tomou alguns anos. Me veio a Covid para testar um pouco mais a nossa paciência”, relatou Maha.
“Febre Mediterrânea é sobre dois vizinhos palestinos, Waleed e Jallal, protagonizados por dois atores palestinos, Ashraf Farah e Amar Hlehel, que embarcam em uma jornada emocional ao descreverem sua dor e falarem dos sonhos não realizados.
“Quando se fala de Haifa, a primeira ideia que vem ao pensamento é da coexistência. Mas há a Haifa histórica que foi ocupada em 1948, quando tantos bairros foram atacadas e seus moradores forçados a abandoná-los. Esta é a Haifa que eu quis mostrar de alguma forma”, declara a cineasta.
“As cenas acontecem nestes bairros e ali transcorrem as histórias da tristeza de Waleed e Jalal, da tristeza da cidade”, acrescenta Maha.
“A ideia para este roteiro me veio cinco anos atrás e através dele procuro expressar a frustação que nós palestinos vivemos dia a dia, seja em Gaza, seja na Cisjordânia, dentro do Estado de Israel ou no exílio. É uma sensação de estarmos prisioneiros e sem saber quando vamos estar livres, se vamos ser livres”, reflete a cineasta sobre o que inspirou sua obra, que trata do conflito Israel/Palestina de forma indireta através das reflexões dos seus personagens.