Claudia Gonçalves, Jaqueline Goes e Claudio Sacchi, parte da equipe brasileira que conseguiu
sequenciar genoma de coronavírus em aproximadamente 48 horas após confirmação de
diagnóstico — Foto: Reprodução
Apenas dois dias após o primeiro caso de coronavírus da América Latina ter sido confirmado na
capital paulista, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e das Universidades de São Paulo (USP)
e de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma viral, que recebeu o
nome de SARS-CoV-2.
Os dados foram divulgados na sexta-feira (28/02) no site Virological.org, um fórum de
discussão e compartilhamento de dados entre virologistas, epidemiologistas e especialistas em
saúde pública. Além de ajudar a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo, esse
tipo de informação é útil para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.
“Ao sequenciar o genoma do vírus, ficamos mais perto de saber a origem da epidemia.
Sabemos que o único caso confirmado no Brasil veio da Itália, contudo, os italianos ainda não
sabem a origem do surto na região da Lombardia, pois ainda não fizeram o sequenciamento de
suas amostras. Não têm ideia de quem é o paciente zero e não sabem se ele veio diretamente
da China ou passou por outro país antes”, disse Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina
Tropical (IMT) da USP, em reportagem de Karina Toledo, da Agência FAPESP .
De acordo com Ester Sabino, a sequência brasileira é muito semelhante à de amostras
sequenciadas na Alemanha no dia 28 de janeiro e apresenta diferenças em relação ao genoma
observado em Wuhan, epicentro da epidemia na China. “Esse é um vírus que sofre poucas
mutações, em média uma por mês. Por esse motivo não adianta sequenciar trecho pequenos
do genoma. Para entender como está ocorrendo a disseminação e como o vírus está evoluindo
é preciso mapear o genoma completo”, explicou.
Esse monitoramento, segundo Sabino, permite identificar as regiões do genoma viral que
menos sofrem mutações – algo essencial para o desenvolvimento de vacinas e testes
diagnósticos. “Caso o teste tenha como alvo uma região que muda com frequência, a chance
de perda da sensibilidade é grande”, disse.
VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Ao lado de Nuno Faria, da Universidade de Oxford, a pesquisadora coordena o Centro
Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de
Arbovírus (CADDE). O projeto, apoiado por Fapesp, Medical Research Council e Fundo Newton
(os dois últimos do Reino Unido), tem como objetivo estudar em tempo real epidemias de
arboviroses, como dengue e zika.
“Por meio desse projeto foi criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar
dados de epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não
apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse Ester Sabino à
Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, assim que o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em
janeiro, a equipe do projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o
vírus assim que ele chegasse no Brasil.
“Começamos a trabalhar em parceria com a equipe do Instituto Adolfo Lutz e a treinar
pesquisadores para usar uma tecnologia de sequenciamento conhecida como MinION, que é
portátil e barata. Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas
Américas, mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de disseminação
um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em ação assim que o primeiro
caso foi confirmado”, contou ela.
QUEBRA DE BARREIRAS
O primeiro caso de COVID-19 no Brasil (BR1) teve diagnóstico molecular confirmado no dia 26
de fevereiro pela equipe do Adolfo Lutz. Trata-se de um paciente infectado na Itália,
possivelmente entre os dias 9 e 21 deste mês. O sequenciamento do genoma viral foi
conduzido por uma equipe coordenada por Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo
Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (LEIAL), e Jaqueline Goes de Jesus, pós-
doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP.
“Já estávamos prevendo a chegada do vírus no Estado de São Paulo e, assim que tivemos a
confirmação, acionei os parceiros do Instituto de Medicina Tropical da USP. Já estávamos
trabalhando juntos há alguns meses no uso da tecnologia MinION para monitoramento da
dengue”, contou Saccchi à Agência FAPESP.
“Conseguimos quebrar algumas barreiras com esse trabalho. A universidade treinou equipes e
transferiu tecnologia para que o sequenciamento pudesse ser feito no lugar certo, que é o
centro responsável pela vigilância epidemiológica. É assim que tem de ser”, disse Sabino.
Além do Lutz e da USP, participam do Projeto CADDE integrantes da Superintendência de
Controle de Endemias (Sucen) e do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), ambos ligados à
Secretaria de Estado da Saúde.
PLANO DE CONTENÇÃO
O infectologista e professor da FMUSP Esper Kallás tem auxiliado a Secretaria de Estado da
Saúde, desde meados de janeiro, a elaborar a estratégia de atendimento de pacientes
eventualmente infectados pelo SARS-CoV-2. O Instituto de Infectologia Emilio Ribas e o
Hospital das Clínicas da USP foram escolhidos como instituições de referência para atender os
casos graves no Estado.

“O HC segue um protocolo para contenção de catástrofe chamado HICS [sistema de comando
de incidentes hospitalares, na sigla em inglês], que já foi acionado no atendimento a vítimas do
massacre escolar em Suzano [ataque que deixou dez mortos em 2019] e durante a epidemia
de febre amarela de 2018. Agora, sabendo que possivelmente há uma epidemia de
coronavírus a caminho, já estabelecemos todos os fluxos de atendimento”, contou.
Ainda segundo Kallás, foi criado um grupo de trabalho para discutir protocolos de estudos
clínicos que serão feitos com os pacientes diagnosticados e atendidos na rede pública
estadual.
“Esse planejamento estratégico e a rápida publicação do genoma viral são indicadores da
capacidade que o Estado de São Paulo tem de responder com ciência de alta qualidade e de
contribuir para o entendimento das ameaças à saúde da população”, afirmou.
Falta de leitos pode agravar ameaça
Os governos estaduais cobram uma posição mais decisiva do Ministério da Saúde sobre a
ajuda que foi prometida no começo do mês para reforço de leitos de UTI e estruturas no país.
A cobrança veio após a confirmação do 1° caso do coronavírus no Brasil e o aumento de casos
suspeitos.
O Ministério da Saúde informou no começo do mês que alugaria leitos de UTI e poderia
auxiliar com recursos de pessoal, de acordo com a necessidade. Secretários de saúde dizem
que aumentou a procura por atendimento em postos.
Por causa do coronavírus, o governo federal anunciou, em São Paulo, que antecipará a
campanha de vacinação da gripe em 23 dias, com início previsto para 23 de março.
Segundo o último balanço do Ministério da Saúde, o Brasil tem 132 casos suspeitos de
coronavírus. O número representa um salto em relação ao dia anterior, quando havia 20 casos.
O aumento poderia ser ainda maior, já que outras 213 notificações foram enviadas pelos
estados, mas os técnicos do ministério não conseguiram fazer a análise antes da finalização do
boletim.
Pelo país, os casos suspeitos estão distribuídos da seguinte forma: São Paulo (55), Rio Grande
do Sul (24), Rio de Janeiro (9), Santa Catarina (8), Paraná (5), Distrito Federal (5), Minas Gerais
(5), Ceará (5), Rio Grande do Norte (4), Pernambuco (3), Goiás (3), Mato Grosso do Sul (2),
Paraíba (1), Alagoas (1) e Bahia (1) e Espírito Santo (1).
SEM VERBA
Com a Emenda Constitucional (EC 95), o novo regime fiscal estabelecido pela regra do teto de
gastos começou a impor perdas para a área de saúde em 2019, quando R$ 9,05 bilhões
deixaram de ser empenhados para essas despesas, de acordo com o Relatório Resumido da
Execução Orçamentária, do ano passado, da Secretaria do Tesouro Nacional.
Aprovada em 2016, com validade de 2017 em diante, a regra do teto de gastos mudou a forma
de correção do piso (valor mínimo a ser aplicado) em saúde.
Os dados do Tesouro mostram que, no ano passado, foram aplicados R$ 122,269 bilhões, valor
R$ 5 bilhões acima do piso de R$ 117,293 bilhões em vigor.

Se o novo regime fiscal não tivesse sido aprovado em 2016, deveriam ter sido aplicados, pela
norma anterior, 14,5% da receita corrente líquida de 2019 – o equivalente a R$ 131,32 bilhões.
A diferença entre o que foi gasto (R$ 122,26 bilhões) e o piso anterior ao teto (R$ 131,32
bilhões) equivale à perda registrada para a saúde em 2019, no valor de R$ 9,05 bilhões.
As despesas para fomento e pesquisa em ciência e tecnologia na área de saúde recuaram
27,4%, para R$ 139 milhões em 2019. Nesse caso, somente 60% dos valores autorizados foram
de fato gastos pelo governo em 2019. O programa o Farmácia Popular, somou R$ 2,37 bilhões
em 2019, contra R$ 2,54 bilhões em 2018.
Os valores empenhados (autorizados) para vacinas e vacinação, informou Funcia, ficaram 12%
menores, caindo de R$ 4,83 bilhões, em 2018, para R$ 4,25 bilhões no último ano. Nesse caso,
somente 57% do limite autorizado para todo ano passado foi de fato gasto pelo Ministério da
Saúde.