Cientista político vê pleito de 2020 como eleição de transição
As forças que saírem vitoriosas das eleições municipais este ano são as que chegarão mais bem posicionadas a 2022. É nos municípios que começam a se desenhar as configurações da Câmara dos Deputados e assembleias legislativas estaduais. Em última instância, o resultado do pleito nas cidades define a correlação de forças que determinará o resultado da eleição presidencial.
Isso torna-se ainda mais significativo se considerarmos que o sentimento antipolítica que dominou as duas últimas eleições já não está tão forte. Ou seja, a política tradicional volta a ter importância.
A avaliação é do cientista político Cláudio Couto, que participou de live do Portal Vermelho nesta terça-feira (13). Couto é coordenador do mestrado profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV) e produtor do podcast e canal no YouTube “Fora da política não há salvação”.
“Esse discurso [antipolítica] já foi mais forte do que é hoje. Parte dessa perda de força tem a ver com uma decepção que uma parcela importante do eleitorado teve com o governo Bolsonaro. Mesmo no caso daqueles que começaram a apoiar agora, devido ao auxílio emergencial, não se trata de um apoio baseado na antipolítica, mas na percepção de que algumas políticas [governamentais] lhe são benéficas”, afirma o cientista político.
Com as preocupações sanitárias e econômicas trazidas pela pandemia, que levou a população a pensar em demandas reais e imediatas, Cláudio Couto também vê um pleito mais pragmático. “Acho que [será] mais [pragmático] do que há dois anos e mais do que há quatro anos. Mas ainda acho que é uma eleição de transição, em que a gente ainda vai ter elementos muito fortes de uma pauta ideológica exacerbada”, avaliou.
Para Couto, um indicativo de que a pauta ideológica ainda é forte é o número de candidaturas de policiais militares, por exemplo. Mas ele acredita que já se pode falar em um certo desgaste desse discurso raivoso junto à população que, desiludida com a aposta em outsiders e na antipolítica, está agora mais propensa a buscar soluções na política tradicional.
Bolsonaro e as alianças de ocasião
Justamente devido a esse cenário de retorno da política tradicional, a estratégia escolhida por Jair Bolsonaro nas eleições municipais, de formar alianças de ocasião com partidos de centro e não ter candidatos oficiais, adotando uma postura dúbia em relação aos nomes mais identificados com ele – como Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e Celso Russomanno (PSD-SP) – pode não ser tão acertada.
“Acho que ele [Bolsonaro] está tentando ir na boa. Se tem uma candidatura muito boa, ele embarca. Se não é muito forte, ele hesita nesse embarque para não se comprometer com aquela derrota”, disse Cláudio Couto. Se assim evita o desgaste de aparentar fragilidade, Bolsonaro também inviabiliza a formação de uma base sólida identificada com seu projeto.
“A gente tem visto, desde a redemocratização, que os presidentes da República têm tido em seus partidos organizações que se fortalecem nas eleições municipais. Seria esperado que o PSL [partido pelo qual Bolsonaro se elegeu e que depois abandonou] chegasse forte a essas eleições. Em vez disso, Bolsonaro resolveu brigar com o partido, criar uma grande confusão”, afirmou Couto, lembrando que, após deixar o PSL, o presidente não conseguiu viabilizar seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil.
Segundo o cientista político, sem o compromisso partidário, os apoios costurados na eleição municipal ficam cercados de incertezas. “Isso faz com que ele chegue em 2022 com uma base de sustentação muito pulverizada, mesmo que candidatos que ele vier a apoiar sejam vitoriosos em algumas cidades. No fundo, são bolsonaristas de ocasião. Podem apoiar agora, mas, lá na frente, se diminuir a popularidade [do presidente], não apoiam mais. Se estivessem dentro do mesmo partido, do mesmo guarda-chuva, eles teriam um comprometimento maior”, ressaltou o cientista político.
Confira o bate-papo na íntegra: