A defesa dos direitos sociais precisa estar relacionada com a diversidade de "minorias" que compõem a cidade. Foto: Cezar Xavier

Nesta quinta-feira, 11 de julho, ocorreu o quarto dia do Painel “Cidades Democráticas, mais Humanas e Sustentáveis”, promovido pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em parceria com a Fundação Maurício Grabois. Com o tema “Cidadania Plena: Direitos Humanos, Civis, Sociais e Políticos”, o evento reuniu lideranças de destaque na defesa dos direitos de diversos grupos sociais e minoritários. A coordenação esteve a cargo da vereadora de Porto Alegre-RS, Abigail Pereira, que abriu as discussões às 18h30min.

Laudjane Domingos, da União Brasileira de Mulheres de Pernambuco, destacou a importância da luta histórica pelo sufrágio feminino, ressaltando os avanços significativos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Ela frisou a necessidade de igualdade de gênero no mercado de trabalho, onde as mulheres ainda ganham, em média, 30% a menos que os homens em funções semelhantes. “A sub-representação feminina gera atrasos no processo civilizatório”, pontuou Glauce.

Angela Guimarães, Secretária da Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais do Governo da Bahia, abordou os direitos da população negra, destacando a violência estrutural e a importância de políticas públicas inclusivas. Já Silvana Conti, professora e mestre em Políticas Sociais, focou nos direitos da população LGBTQIAPN+, enfatizando a necessidade de um ambiente digital seguro e igualitário, além de destacar o impacto da tecnologia como ferramenta de conscientização e ativismo.

O Cacique Aruã, Coordenador Regional da FUNAI do Sul da Bahia e ex-vereador de Santa Cruz Cabrália/BA, trouxe à tona as questões dos povos indígenas, falando sobre a importância da proteção ambiental e a justiça climática. Ele destacou que as mulheres indígenas são frequentemente as mais afetadas por crises ambientais, como deslizamentos e enchentes.

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Assista a íntegra do painel:

Laudjane Domingos: enfrentamento à violência de gênero

Laudjane Domingos ressaltou que a violência contra a mulher é uma epidemia estrutural, ligada ao sistema capitalista e patriarcal. Ela destacou a importância de organismos e centros de atendimento para prevenção e enfrentamento da violência, além de políticas de saúde reprodutiva e direitos sexuais, enfatizando a necessidade de um Sistema Único de Saúde fortalecido.

O painel também abordou a educação como chave para o empoderamento feminino e a desconstrução de estereótipos culturais limitantes. Laudjane enfatizou a importância de programas que incentivem a liderança e a participação política das mulheres, principalmente nas eleições de 2024.

A questão urbana foi outro ponto crucial, com debates sobre moradia, transporte, segurança pública e sustentabilidade. “Planejar cidades pensando na sustentabilidade e no bem-estar das pessoas, sem abrir mão do desenvolvimento, é essencial”, afirmou Laudjane.

O painel destaca a importância de políticas públicas locais que promovam a igualdade de gênero, com foco na construção de autonomia financeira para as mulheres, ampliação da rede de creches e fortalecimento das equipes multidisciplinares nos centros de atendimento. “É fundamental ter um movimento social mobilizado e fortalecido para garantir o estado de direito”, concluiu Laudjane.

O evento destacou a interseccionalidade das lutas por direitos humanos, civis, sociais e políticos, reafirmando a necessidade de políticas públicas inclusivas e um debate contínuo sobre igualdade e justiça social.

Silvana Conti: importância do ano eleitoral para LGBT+

Em ano eleitoral, a professora e mestre em Políticas Sociais, Silvana Conti, coordenadora nacional LGBT do PCdoB, destaca a importância de propostas viáveis e inclusivas para toda a população, com ênfase especial na comunidade LGBTQIA+. Silvana sublinhou que a democracia e a diversidade são indissociáveis, e reforçou a necessidade de cidades mais humanas e sustentáveis.

“Mais do que nunca, este ano eleitoral é fundamental. Nós nos municiaremos de propostas viáveis e importantes para toda a população”, afirmou Silvana. “Quando pensamos nas cidades, pensamos em cidades democráticas, mais humanas e sustentáveis, e que sem diversidade não há democracia.”

Silvana ressaltou que a luta contra a discriminação e a defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+ não se trata de criar novos direitos, mas sim de garantir os direitos básicos que todas as pessoas deveriam ter. “As pessoas LGBTQIA+ não querem novos direitos. Elas querem o direito de viver, ser feliz, ter dignidade, trabalho e acesso às políticas públicas, assim como qualquer outra pessoa.”

A trajetória histórica do movimento LGBTQIA+ também foi abordada, destacando que a luta começou durante a ditadura militar nos anos 80, inicialmente com o foco no “homossexualismo”, então considerado um transtorno sexual. Em 1985, o movimento conseguiu que a homossexualidade deixasse de ser classificada como doença, pavimentando o caminho para as lutas atuais.

Silvana enfatizou a importância das paradas do orgulho LGBTQIA+, não apenas como eventos de celebração, mas como espaços de discussão e promoção dos direitos da comunidade. Ela lembrou que, durante os governos de Lula e Dilma, houve avanços significativos, como a criação do programa “Brasil Sem Homofobia” e a inclusão de atendimento específico para a população trans no Sistema Único de Saúde (SUS).

No contexto atual, Silvana destacou a necessidade de políticas públicas que combatam o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Ela sugeriu a criação de sistemas municipais de políticas públicas LGBTQIA+, centros de referência para vítimas de LGBTfobia e casas de cultura LGBTQIA+ como medidas essenciais para a inclusão e proteção dessa população.

“Sem dúvida, 2024 é uma oportunidade para fazermos das nossas cidades espaços livres do machismo, racismo e LGBTfobia. É um debate que precisa ser muito conversado e dialogado para que as pessoas mudem as mentes e os corações”, disse.

A professora também destacou a importância da formação permanente em direitos humanos, gênero e sexualidade para servidores públicos, e a necessidade de fomentar a pesquisa e a coleta de dados sobre a população LGBTQIA+ nos municípios. “Se a gente não conhece onde está a população LGBTQIA+ e quais são suas necessidades, como vamos fazer política pública?”, questionou.

Para Silvana, a educação é fundamental na promoção dos direitos humanos e na inclusão das questões de gênero, raça, orientação sexual e identidade de gênero desde os anos iniciais de ensino. Ela finalizou sua palestra reforçando a importância de apoiar candidaturas LGBTQIA+ e de pessoas negras, que representam e defendem a democracia no país.

“No PCdoB, temos exemplos importantes como a deputada federal do Rio Grande do Sul, Daiana Santos, a primeira mulher lésbica negra assumida na Câmara Federal, e a deputada estadual Dani Balbi do Rio de Janeiro. É estratégico e importante que todos apoiem essas candidaturas para defender a diversidade e a democracia.”

Angela Guimarães: as lacunas da gestão municipal

A secretária da Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais do Governo da Bahia, Angela Guimarães, destacou a relevância e os desafios das políticas públicas inclusivas no contexto urbano. Em seu discurso, Angela enfatizou que a batalha eleitoral representa um desafio que afeta diretamente a população, pois as políticas municipais são palpáveis e presentes no cotidiano dos cidadãos.

“A gente sabe do desafio da batalha eleitoral, não é um desafio qualquer,” afirmou a gestora, ressaltando a importância das políticas municipais. “As dimensões das vidas nas cidades afetam a todas as pessoas que de fato moram nas cidades, não moram na União nem moram de forma difusa nos estados.”

Durante o evento, Angela Guimarães elogiou as contribuições de colegas como Silvana Conti e Laudjane Domingos, além da mediação da vereadora Abigail. Ela destacou que suas atuações são contra-sistêmicas, denunciando gestões privatizantes e excludentes que acentuam desigualdades.

“Estamos num contra-fluxo, nossas atuações são de denúncia do Estado mínimo, das gestões privatizantes, das gestões gentrificadoras, das gestões excludentes,” afirmou Angela. Ela ressaltou a importância de discussões que promovam cidades capazes de acolher mulheres, a população LGBT, negros, indígenas e outros segmentos racializados.

Angela salientou que o compromisso do Estado brasileiro com a igualdade racial é relativamente recente, destacando avanços desde a Constituição de 1988, mas especialmente a partir do primeiro governo do presidente Lula. “Desde a Constituição de 88, mas apenas a partir do primeiro governo do presidente Lula, tivemos a possibilidade de avançar legislativamente,” disse ela.

Entre os marcos importantes mencionados pela secretária está a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Apesar de sua implementação, a gestora destacou que apenas 21% dos municípios brasileiros conseguiram incorporá-la em seus sistemas educacionais.

A descontinuidade das políticas sociais durante os governos anteriores foi um ponto de crítica. “As políticas para as chamadas maiorias minorizadas foram alvo de desmonte e estão passando por um processo de reconstrução,” afirmou a secretária. Ela destacou a importância da intencionalidade parlamentar e de gestão para combater o racismo estrutural e promover a igualdade racial.

Na saúde, Angela destacou a necessidade de políticas municipais que tratem doenças prevalentes na população negra, como a anemia falciforme. “A municipalização dessa política é fundamental para a preservação de vidas de pessoas negras,” afirmou.

Na educação, a secretária ressaltou a importância de combater o racismo nas escolas, promovendo a implementação da Lei 10.639. “Precisamos formar pessoas para uma cidadania plena, livres do racismo presente na escola,” disse.

Por fim, Angela destacou a importância de plataformas políticas comprometidas com a aprovação de legislações antirracistas e a alocação de orçamento para essas políticas. “Contar com um grande grau de responsabilidade e orçamento correspondente é fundamental para a eficácia das políticas públicas de igualdade racial,” concluiu.

Cacique Aruã: a luta pelos direitos indígenas

Em sua palestra, Cacique Aruã compartilhou sua experiência, suas responsabilidades atuais e a luta contínua pelos direitos dos povos indígenas no Brasil. Atualmente, ele ocupa o cargo de coordenador regional da FUNAI no sul da Bahia e é ex-vereador em Santa Cruz Cabrália. Aruã destacou que sua experiência e liderança no movimento indígena, especialmente como cacique da aldeia Pataxó Coroa Vermelha e líder da Federação das Nações Pataxó e Tupinambá do extremo sul da Bahia, o credenciam para defender os interesses dos povos indígenas.

Aruã iniciou a conversa esclarecendo que, embora esteja na FUNAI, não falava em sua função institucional. Ele enfatizou a relevância da criação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, vinculada ao Ministério dos Povos Originários, em 2023, como resultado de propostas dos movimentos indígenas e destacou a importância de uma participação ativa na construção de políticas públicas que defendam os interesses desses povos.

“Nosso principal direito é a terra e o território,” afirmou Cacique Aruã, sublinhando que a luta pela demarcação das terras é fundamental para a sobrevivência e para garantir outras políticas públicas, como educação e saúde. Ele relembrou que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram tutelados e não tinham direitos civis, como votar e ser votados. A partir de então, muitos avanços foram conquistados, mas a luta continua.

A educação escolar indígena foi outro tema central abordado. Aruã destacou a necessidade de um ensino diferenciado e bilíngue, que valorize a cultura, crenças, tradições e a participação dos anciãos nas comunidades. “A educação escolar indígena é primordial dentro das nossas escolas,” disse ele, frisando a importância de preparar os jovens não apenas para o mercado de trabalho, mas também para o desenvolvimento das comunidades.

Na área da saúde, Aruã ressaltou a atuação da SESAI, que oferece atenção básica e equipes médicas nas comunidades indígenas. No entanto, ele apontou que, para serviços de média e alta complexidade, o acesso se dá através do SUS, com suporte dos municípios e estados.

Ele também comentou sobre a importância do reconhecimento e da autodeclaração dos indígenas que vivem em contextos urbanos. “Muitos indígenas em cidades não se identificam por medo de discriminação,” explicou ele, destacando a necessidade de políticas públicas específicas para esses grupos.

Sobre os desafios políticos, Aruã mencionou a resistência e a luta dos povos indígenas contra a PEC 48 de 2023 e outras propostas que tentam retirar direitos constitucionais. Ele destacou a importância da participação indígena na política, mencionando figuras como Célia Xacriabá e Sônia Guajajara, que têm sido vozes ativas na defesa dos direitos indígenas.

Cacique Aruã concluiu com um apelo à sociedade para que apoie a demarcação das terras indígenas e a preservação do meio ambiente. “A luta pela terra e território é a luta pela vida,” afirmou ele, enfatizando que a proteção dos biomas é crucial não apenas para os povos indígenas, mas para toda a humanidade.

Cacique Aruã oferece uma visão aprofundada sobre as complexas questões enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil e a importância de políticas públicas inclusivas e justas para garantir seus direitos e preservar suas culturas.

(por Cezar Xavier)