Cientistas chineses divulgaram o mais abrangente estudo sobre a Covid-19 – como a nova síndrome respiratória causada por coronavírus como foi denominada oficialmente -, o que subsidiará, em bases mais precisas, a análise conjunta da evolução do combate à epidemia entre as autoridades médicas chinesas e missão da Organização Mundial da Saúde (OMS), recém chega a Pequim. 99% dos casos confirmados da doença seguem contidos em território chinês em razão das medidas “sempre precedentes” tomadas pela China.
“Estamos ansiosos por essa colaboração de vital importância que contribui para o conhecimento global sobre o surto de #Covid-19″, assinalou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, sobre a missão da OMS na China.
Feito por 64 cientistas e publicado pela revista chinesa de Epidemiologia, o estudo analisa 72,3 mil casos informados obrigatoriamente ao sistema de controle sanitário do país até 12 de fevereiro, dos quais 44,6 mil confirmados com base em exames laboratoriais.
Outras 10,5 mil pessoas de Hubei foram classificadas como “diagnosticadas clinicamente” com uso de tomografias computadorizadas dos pulmões dos pacientes. 74,7% dos casos confirmados ocorreram em Hubei.
Mais de 80% dos casos confirmados foram considerados leves, sendo 13,8% são graves e 4,7%, críticos.
A taxa geral de mortalidade foi de 2,3%, o que deve ser ponderado pelo fato de que em Hubei, epicentro da epidemia, a taxa de mortalidade de 2,9% é sete vezes o número de 0,4% no restante da China continental.
Enquanto a taxa de mortalidade para crianças é próxima de zero, no outro extremo da pirâmide etária chega a 14,8% para pessoas acima de 80 anos e é de 8,0% na faixa de 70-79 anos.
A taxa geral de mortalidade masculina foi maior, em 2,8%, contra 1,7% nas mulheres, mas as infecções se espalharam quase igualmente entre os dois sexos.
Em todo o continente, metade dos pacientes que atingiram um estado crítico morreu. Das mortes por casos confirmados que ocorreram durante o período do estudo, 979 fatalidades – ou 95,7% de todas as mortes – ocorreram em Hubei.
A pesquisa também confirmou que, de mais de 37 mil pessoas checadas, quase 86% tinha ligações a Wuhan.
O estudo também confirmou um padrão de fonte comum de disseminação em dezembro – as pessoas provavelmente foram expostas ao mesmo agente infeccioso. O que mudou em janeiro, para um padrão de fonte propagada, indicando transmissão humano-a-humano.
Entre os 1.868 óbitos registrados na segunda-feira, está o de um diretor de hospital de Wuhan dedicado a atender pacientes do Covid-19, Liu Zhiming. Na semana passada, chamara a atenção a morte do oftalmologista Li Wenliang, que estava na linha de frente do combate ao contágio, e que fora uma das primeiras vozes a soar o alarme em Wuhan.
Das equipes médicas, já são seis os mortos do Covid-19, o que representa 0,4% de todos os óbitos na China Continental. Se a situação já não é aquela de quando o país se deparou com o surto, quando as equipes médicas em Wuhan chegaram à beira da exaustão, o sacrifício continua. Há 1.716 trabalhadores da saúde infectados com o novo coronavírus, o que constitui 3,8% do total.
Segundo a Comissão Nacional de Saúde da China, o total de casos confirmados na segunda-feira chegou a 72.436. Pelos números da OMS, fora da China Continental o total de casos confirmados é de 853, em 26 países, com apenas cinco mortos.
O maior surto da doença fora da China está a bordo do navio Diamond Princess, em quarentena em Yokohama, Japão, que já registrou 546 casos comprovados de contágio. O grande número de contágios levou o governo japonês a suspender a primeira festa pública de aniversário do imperador Naruhito e anunciar outras medidas de precaução. Vários países estão se preparando para retirar seus cidadãos da atribulada embarcação
Como assinalou o Diário do Povo, a China conteve 99% dos casos confirmados do Covid-19 dentro de suas fronteiras, graças às medidas que adotou.
Essas ações “sem precedentes” – como as classificou o diretor-geral da OMS – têm constituído a “guerra popular” à epidemia, convocada pelo presidente Xi Jinping, e que tem envolvido centenas de milhões na prevenção da epidemia e no apoio à província de Hubei e, em especial, à sua capital, Wuhan.
Medidas que incluem cidades inteiras em quarentena, monitoramento casa a casa no epicentro da doença em Wuhan, mobilização de mais de 20 mil médicos e paramédicos de todas as regiões da China para socorrer Hubei, a construção de hospitais em dez dias, o sequenciamento em tempo recorde do patógeno e a transparência com a OMS.
Tudo isso para proteger a saúde pública, tanto dentro da China quanto no mundo inteiro.
“A China está fazendo muitas coisas boas que estão retardando o vírus, e os fatos falam por si”, disse Ghebreyesus. “Isso tem que ser reconhecido, e o mundo inteiro está vendo isso”.
Ghebreyesus acrescentou que é preciso “usar a janela de oportunidade para intensificar nossa preparação para isso. E mais do que nunca, é hora de deixar a ciência e a evidência liderar a política”. Ghebreyesus alertou, ainda, contra a “divisão e desarmonia” entre os Estados membros da OMS.
Das 98 novas mortes na China nas últimas 24 horas, 93 (95%) foram na província de Hubei – o epicentro da epidemia – com as novas altas chegando a 1.223. Desde o início do surto, 59.989 de 72.436 contágios (83%) foram ali, sendo 1.807 na segunda-feira.
É na capital de Hubei, Wuhan, onde se concentram os casos de contágio e os óbitos. Das 1.868 mortes na China continental, 1.381 (73%) foram nessa cidade de 11 milhões de habitantes. Wuhan registrou 72 novas mortes na segunda-feira, contra 76 no domingo. Os novos casos diários confirmados caíram de 1.690 no domingo para 1.600.
Outra boa notícia é que a proporção de pacientes em estado crítico em relação a todos os casos confirmados, tanto em Wuhan e na província de Hubei, quanto no resto da China, vem caindo. A taxa que teve pico em 32,4% em 28 de janeiro em Wuhan, agora está em 21,6%. Fora de Hubei, caiu do pico de 15,9% em 27 de janeiro para 7,2%.
A intensidade dessa ação para deter a epidemia pode ser mostrada por alguns números de Wuhan: até o dia 12 de fevereiro, as autoridades médicas tinham checado 10,6 milhões de pessoas, de 4,2 milhões de famílias, em visitas porta a porta.
DUAS EPIDEMIAS
Para que se tenha uma dimensão do esforço que está sendo feito pelo povo chinês em termos sanitários, na epidemia da gripe H1N1, que surgiu na América do Norte em 2009, durante o governo Obama, segundo estudo da revista Lancet, afetou entre 11-21% da população mundial e o total de óbitos ficou entre 151 mil-575 mil.
Nesta temporada de gripe nos EUA, conforme as autoridades médicas norte-americanas, 22 milhões de pessoas foram infectadas e 210 mil hospitalizadas, com 12 mil mortes.
Comparações também podem ser suscitadas sobre outras crises médicas: como o total de mortes nos EUA por overdose de opioides (68 mil em 2018). Ou, em um período não tão longínquo, os numerosos mortos do ebola e as vítimas da epidemia de Aids.
É grande a expectativa de que se alcance, afinal, o ponto de inflexão nos contágios, em função das medidas adotadas. O diretor-geral da OMS alertou contra o excesso de otimismo, dizendo que o órgão mundial de Saúde continua trabalhando com “todos os cenários” sobre a mesa, em função de muitos países terem estruturas de saúde débeis.
O abrangente estudo dos cientistas chineses constatou que o total de contágios estava declinando, mas faz a ressalva sobre o que pode ocorrer depois da volta em massa ao trabalho após o feriado prolongado do Ano Novo Lunar.
De acordo com o cientista Zhong Nanshan, descobridor em 2003 do coronavírus responsável pela epidemia SARS e principal conselheiro do governo nas medidas para deter a epidemia, o número de pacientes infectados pela nova pneumonia provavelmente atingirá o pico durante a segunda quinzena no sul da China, e em abril, no país inteiro.
TRATAMENTOS
Começam a ser encontrados os primeiros medicamentos eficazes no combate à Covid-19. O primeiro remédio desenvolvido na China com potencial efeito para tratar a Covid-19 recebeu aprovação. Um remédio anti-malária também está sendo testado. Plasma de pacientes curados foi usado em hospitais para fortalecer o sistema imunológico de pacientes, procedimento acolhido pela OMS
Aumentam as expectativas quanto ao avanço no tratamento da nova doença. O chefe do Hospital Leishnshan especializado no novo coronavírus, de Wuhan registrou que “o ponto real de inflexão chegou”. “Nos últimos cinco dias, o número de casos de febre caiu, é uma trajetória de queda. Não vai retroceder, estou confiante”, relatou o Global Times.
No sábado, em Hubei, houve quase sete vez mais altas do que óbitos: 849 a 139.
Mesmo assim, novas medidas vêm sendo adotadas para acelerar os esforços de contenção da Covid-19. Todos os veículos particulares estão proibidos de trafegar em Wuhan. A venda de medicamentos antifebris foi suspensa, para forçar todos a buscarem ajuda hospitalar. Em Pequim, todos os trabalhadores imigrantes do interior precisam se submeter à quarentena de 14 dias antes de voltar ao trabalho.
A “guerra popular” à epidemia incluiu, ainda, que a maior festa chinesa, o Ano Novo Lunar, fosse comemorada de forma contida, evitando aglomerações, assim como o fechamento de parques temáticos. A volta às aulas foi adiada. Empresas estenderam as férias ou acionaram empregados via internet, onde isso era possível. A reunião de março do pleno do Congresso do Povo foi adiada. A etapa da China da F1 foi suspensa. O BC chinês determinou que todas as notas sejam desinfetadas por luz ultravioleta e colocadas em quarentena antes de voltarem à circulação.
Enquanto a imensa maioria no mundo inteiro vê com enorme simpatia o esforço do povo e governo chinês pela contenção da doença, mídia e setores políticos dos países centrais buscaram criar um clima de histeria racista contra chineses e asiáticos em geral, e mostraram indisfarçado incômodo com a mobilização coletiva comandada pelo governo chinês para evitar a epidemia e mortes.
Um alto funcionário do governo Trump inclusive chegou a achar que a epidemia poderia “favorecer” os EUA, por supostamente ajudar a trazer de volta fábricas levadas para o exterior.
O anticomunismo mais tosco também grassou, com jornalões dizendo que a epidemia do coronavírus seria a “Chernobyl de Xi Jinping” e torcendo abertamente por uma “revolta da vacina” em Hong Kong.
Outros atribuíam à “incompetente e centralizadora ditadura chinesa” o fato de a epidemia ter se espraiado. Os xenófobos menos sofisticados simplesmente se dedicavam a xingar os “chineses imundos”.
Isso apesar de personalidades como Nancy Messonnier, diretora do Centro Nacional de Imunização e Doenças Respiratórias dos Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças, ter admitido que “certamente a China adotou ações agressivas para tentar mitigar a propagação desse vírus”.
Por outro lado, a China não se furtou a enfrentar e superar limitações no enfrentamento da epidemia e altos dirigentes de Hubei e de Wuhan precisaram ser substituídos, como determinou o presidente Xi. Estruturas de prevenção e controle precisarão de acertos, mas isso será feito a partir de um novo patamar de combate a epidemias que a China estabeleceu diante de todos.
Agora, como destacou o jornal Global Times, ao mesmo tempo em que se mantêm e aperfeiçoam os mecanismos de contenção da epidemia, nas áreas fora do epicentro chegou a hora de reativar a estrutura produtiva da segunda maior economia do mundo, de forma firme e segura.