Em Pequim, o resultado foi recebido como sinal de “forte resiliência” da economia chinesa

Como notou o Russia Today (RT), o “menor crescimento em 27 anos” registrado pela China no segundo trimestre – “apenas” 6,2% – é de dar inveja – e muita, diga-se lá – aos principais países centrais, como os EUA, Japão e Alemanha, cujo crescimento sequer chega à metade faz tempo, ou nem perto disso.

O resultado atende às expectativas do governo chinês de que o crescimento econômico em 2019 ficará na faixa de 6% a 6,5%, e mantém factível fechar 2020 com a meta de dobrar o PIB em relação ao uma década atrás. No primeiro semestre, o crescimento ficou em 6,3%.

Como os números do segundo trimestre ainda não estão disponíveis para esses países, vamos usar como comparação suas próprias estimativas para crescimento em 2019. EUA, 3% (mas a média dos últimos dez anos ficou mais perto de 2%); Japão, 1,3% nas contas do governo Abe, mas 1% na avaliação do BC japonês; e Alemanha, fantásticos 1% (depois de ter escapado por pouco de voltar à recessão técnica). Aliás, à medida que o ano passa, a estimativa vai encolhendo.

Registre-se ainda que o resultado do PIB chinês inclui maio e junho – dois terços do trimestre -, quando a negociação para o impasse entre Pequim e Washington já tinha desandado, com o decorrente agravamento da guerra comercial desencadeada pelo governo Trump e todas as suas derivações, inclusive o ataque à Huawei.

Em Pequim, o resultado foi recebido com satisfação pelo primeiro-ministro Le Keqiang, que saudou a “forte resiliência” da economia chinesa bem como o importante papel dos “novos puxadores do crescimento”, e conclamou por mais esforços para manter esse desenvolvimento sadio e continuado da economia e da sociedade.

O consumo interno, com 76,2% (índice de 2018), já é o principal fator da economia chinesa, tornando-a menos vulnerável.

Segundo ele, alguns indicadores em junho inclusive bateram as expectativas. Entre os pontos mais positivos, ele salientou criação de 7,3 milhões de novos empregos no primeiro semestre do ano, o aumento de renda em 6,5% e a melhoria da questão ambiental. Por setores, a indústria cresceu 5,8%; os serviços, 7,0%; e a agricultura, 3,0%.

Em junho, a produção industrial cresceu 6,3% (contra 5% no mês anterior), um bom resultado que refletiu a eficácia das medidas do governo para ampliar o financiamento, especialmente às pequenas e médias empresas, aumentar gastos em infra-estrutura e cortar impostos. As vendas no varejo tiveram aumento de 9,8%. O investimento na construção ficou em 10,9%, um pouco menos que os 11,2% de maio. O investimento em mineração se expandiu em 22,3%.

Também o fato de a economia chinesa poder contar com um sistema bancário estatal, que não está submetido aos critérios da especulação desenfreada e do curto prazo, funciona como alavanca decisiva na hora de sustentar o crescimento e o emprego.

“CONQUISTA”

Como assinalou um porta-voz do Departamento Nacional de Estatísticas, a taxa de crescimento do PIB chinês no primeiro semestre de 2019 foi “arduamente conquistada”, já que Pequim não recorreu a um pacote de estímulo “parecido com uma inundação” para lidar com a desaceleração da economia mundial e do comércio internacional, com os contratempos da guerra comercial e com os problemas internos. Quanto ao comércio internacional, nos primeiros quatro meses de 2019, desacelerou fortemente para 0,4% (em volume), em relação a igual período do ano passado, contra alta de 4,1% de meados do ano passado.

Como assinalou o porta-voz Yan Shuang, num quadro em que o crescimento econômico global diminuiu e de incerteza, trata-se de um bom resultado, “especialmente quando comparado com outras grandes economias do mundo”. Ele lembrou, ainda, que há mais de uma década a China tem contribuído com 30% de todo o crescimento econômico mundial.

Yan destacou ainda o comprometimento da China com o desenvolvimento econômico de alta qualidade – uma referência ao programa estatal de domínio interno da alta tecnologia, que é um dos alvos centrais de Trump -, a reestruturação industrial e a modernização.

GUERRA COMERCIAL

Como era de se esperar, sob a guerra de sobretaxas tarifárias de até 25% de Trump, houve contratempos nas exportações e importações – um segundo trimestre “muito difícil para o comércio exterior e para a indústria”, como registrou o jornal Global Times.

No primeiro semestre do ano, as exportações chinesas cresceram apenas 0,1% em relação ao ano anterior, para US$ 1,17 trilhão, enquanto as importações caíram 4,3%, para cerca de US$ 990 bilhões, resultando em um superávit comercial de US$ 181,2 bilhões.

Superávit considerado “não saudável” por Tian Yun,vice-presidente da Associação de Operação Econômica de Pequim, em declaração ao mesmo jornal, já que resultou de “forte declínio nas importações”.

O balanço da guerra comercial de Trump contra a China apresenta, para o primeiro semestre do ano, uma queda das exportações da China para os EUA de 8,1% e de 29,9% das importações procedentes dos EUA. Já o comércio da China com seus muitos outros parceiros cresceu ou diminuiu apenas ligeiramente.

Os recentes números negativos para o segundo trimestre de Cingapura, o porto-Estado que é chave no comércio na Ásia, mostram como a artilharia tarifária de Trump está causando danos colaterais talvez não esperados. Seu PIB encolheu 3,4% em uma base anualizada em comparação com os três meses anteriores – a maior queda desde 2012.

Como é do estilo de Trump, ele correu a tuitar sobre o “pior crescimento em 27 anos” da China, tentando se vangloriar e às suas sobretaxas.

“Milhares de companhias estão partindo”, asseverou @realDonaldTrump. “É por isso que a China quer fazer um acordo ….. com os EUA e desejaria não ter quebrado o acordo original. Nesse meio tempo, nós estamos recebendo Bilhões de Dólares em Tarifas da China, com possivelmente muito mais para vir. Tarifas pagas pela China, não pelo contribuinte de impostos dos EUA!”

Provavelmente, só os eleitores mais exaltados de Trump é que acreditam que não são os importadores norte-americanos – e na sequência, eles mesmos – que estão pagando as sobretaxas.

Os EUA reduzidos a menos de 20% do PIB global e caindo, e o dólar constituindo desproporcional 62% das divisas internacionais, dez anos depois da quebra de Wall Street e da City londrina.

E sua mais extremada conseqüência, de que sejam os demais países que paguem com seu trabalho e riqueza pela própria ocupação norte-americana mundo afora com 800 bases.

Isso, com os EUA, há décadas tornado no maior devedor do mundo, dívida cuja rolagem em última instância é mantida pela exigência a todos os demais povos, de que comprem seus Treasuries em troca de entregar dólares, depois usados pelos monopólios norte-americanos para abocanhar indústrias e recursos naturais de verdade em terra alheia.

Pilhagem cujo ponto de partida é a imposição da comercialização exclusivamente em dólares do petróleo e gás, a commodity para a geração da energia de que o mundo depende. Monopólio que, crescentemente, vem sendo rompido no mundo inteiro, após mártires como Sadam e Kadafi terem sido punidos exemplarmente.

Deve ser por isso que, nas comemorações do 75º aniversário do defunto Acordo de Bretton Woods, esta semana em Paris, o ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire, observou que se não conseguirmos – nós, quem? – “um novo Bretton Woods”, o futuro irá seguir pela Nova Rota da Seda na primeira metade do século 21.

CARTER

Mas talvez o melhor posfácio para toda essa polêmica tenha sido do ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, de 94 anos, recém recuperado de uma cirurgia no quadril, ao retomar suas preleções dominicais em uma igreja batista do estado da Geórgia, e após ter falado pela primeira vez, pelo telefone, com Trump. Foi Carter que, há 40 anos, normalizou as relações diplomáticas dos EUA com a China.

O assunto da conversa, iniciada por carta de Carter, era que “a China estava se adiantando”. Ao que Carter retrucou a Trump: “Desde 1979, sabe quantas vezes a China esteve em guerra com alguém? Nenhuma. E nós ficamos em guerra”, disse ele.

Carter afirmou que os EUA são “a nação que mais guerreiam da história do mundo” devido ao desejo de impor valores americanos a outros países, enquanto a China priorizou investir seus recursos em projetos como ferrovias de alta velocidade em vez de em gastos de defesa.

“Quantas milhas de ferrovia de alta velocidade nós temos neste país?”, indagou o ex-presidente. A que sua congregação respondeu: “zero”.

“Nós desperdiçamos, eu acho, US $ 3 trilhões”, disse Carter, referindo-se aos gastos militares americanos só no Iraque e Afeganistão. “A China não desperdiçou um único centavo com a guerra, e é por isso que eles estão à nossa frente. Em quase todos os aspectos”.

“E eu acho que a diferença é que se você pegar US$ 3 trilhões e colocá-los na infra-estrutura americana, você provavelmente terá US$ 2 trilhões sobrando. Teríamos ferrovia de alta velocidade. Teríamos pontes que não estão em colapso. Teríamos estradas mantidas de forma adequada. Nosso sistema educacional seria tão bom quanto o da Coréia do Sul ou de Hong Kong”.

“Eu não estava comparando o meu país adversamente com a China”, esclareceu Carter. “Eu apenas estava apontando isso porque eu recebi uma ligação ontem à noite”. “Eu realmente não temo esse tempo, mas incomoda o presidente Trump, e não sei por quê. Não estou criticando ele – esta manhã”, concluiu Carter, rindo.