Em nova medida de resposta à escalada da guerra comercial pelo regime Trump, a China entrou com um processo contra os Estados Unidos junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) por causa das tarifas de importação impostas por Washington, anunciou nesta segunda-feira (2) o Ministério chinês do Comércio.

No domingo, os EUA colocaram em vigor tarifa de 15% sobre uma gama de produtos chineses, incluindo calçados, roupas e TVs de tela plana, o que foi seguido, alguns minutos depois, por cobrança pela China, em reciprocidade, novas alíquotas sobre importações provenientes dos EUA, principalmente produtos agrícolas, como soja, e também petróleo.

A China tem advertido que considera que não há vencedores numa guerra comercial, não quer uma guerra comercial, mas não a teme e se tiver que lutar, irá lutar. Na semana passada, a China alertara Washington de que terá de enfrentar “as consequências” se não encerrar as “ações erradas” e que violam a trégua do G20 de Osaka.

Como Pequim tem reiterado, a ação unilateral e as táticas de “pressão máxima” de Washington violam “o princípio do respeito mútuo e do benefício mútuo e danificam seriamente o sistema comercial multilateral e a ordem comercial internacional normal”.

Além do assédio via tarifas, o governo Trump tem investido contra o progresso tecnológico chinês, tentando quebrar a gigante das telecomunicações Huawei, que lidera a corrida pelas redes de alta velocidade 5 G.

“GRANDE SALTO”

Como registrou a Bloomberg, “o grande salto nas tarifas chinesas voltadas para o consumidor aconteceu no domingo”. A nova tarifa do governo Trump “começará a aumentar os preços de roupas, sapatos e outros bens de consumo que chegam aos portos dos EUA nesta semana”. É uma lista de itens de 122 páginas, afetando exportações da ordem de US$ 112 bilhões.

Até agora, a tática de Trump para adiar o descontentamento com seu frenesi tarifário consistiu em taxar principalmente os insumos intermediários: 82% foram atingidos, em comparação com apenas 29% dos bens de consumo, de acordo com o Instituto Peterson de Economia Internacional.

Mas neste 1º de setembro vão a 69% os bens de consumo afetados, o que subirá para 99%, de acordo com a mesma fonte, a partir de 15 de dezembro.

Conforme a Associação Americana de Vestuário e Calçado, mais de 90% das roupas, quase 70% dos têxteis para o lar e mais da metade das importações de calçados da China serão afetados pelas novas taxas. Também a Federação Nacional de Varejo e a Câmara de Comércio Americana (AmCham) na China alertaram que os varejistas serão forçados a aumentar os preços .

A coalizão American For Free Trade (‘Americanos pelo Livre Comércio’), que congrega mais de 160 organizações empresariais norte-americanas, pediu na semana passada o adiamento de todos os aumentos de tarifas sobre produtos chineses.

“Como muitos de nossos insumos industriais ainda são originários da China, essas novas tarifas atuarão como um imposto sobre fabricantes e agricultores dos EUA, cujos custos agora aumentarão”, destaca a carta conjunta.

Segundo cálculos do Federal Reserve, o custo médio para cada lar norte-americano em decorrência das tarifas extras ficaria em até US$ 1.000 por ano.

Grande parte do que o governo Trump contabiliza como ‘déficit comercial’ são produtos fabricados na China por empresas norte-americanas para fornecimento ao mercado norte-americano – como celulares e computadores da Apple, tênis Nike ou jeans Lewis -, pagando salários de Shenzhen para vender a preços de Nova Iorque, fazendo a festa dos acionistas e dos executivos no curto prazo, à custa de desindustrializar os EUA.

“Uma coisa que os Homens Tarifa da Casa Branca devem aprender é que a economia chinesa é forte e resiliente o suficiente para resistir à pressão provocada pela guerra comercial”, assinalou a agência de notícias estatal Xinhua, sobre a nova ‘longa marcha’ em curso, acrescentando que a determinação de lutar da China “só se fortaleceu” e suas contramedidas são “resolutas, ponderadas e direcionadas”.

Já no G7 de Biarritz, Trump foi pegou no contrapé por um jornalista sobre sua guerra comercial, a ponto de porta-voz da Casa Branca em socorro dizer que as palavras dele tinham sido “mal compreendidas” e que a única coisa que o presidente se arrependia seria de “não aumentar ainda mais as tarifas”.

Quanto aos alvos das tarifas em reciprocidade decretadas pela China, sem surpresa são bases eleitorais de Trump, como os produtores de soja, sobre exportações no valor de US$ 30 bilhões. As tarifas variam de 5% a 10%. Como em dezembro Trump amplia o choque tarifário, a China fará o mesmo, sobre US$ 45 bilhões em produtos provenientes dos EUA.

O nível de tensão na Casa Branca pôde ser medido pelo inusitado tuíte de Trump nas vésperas do G7, sobre quem seria o maior “inimigo”, o presidente chinês Xi Jinping, ou o presidente do Fed, Jerome Powell.

E pela “ordem” às empresas norte-americanas para que “saíssem da China”.

Sugestão respondida na carta da coalizão American For Free Trade, que destacou que “mandar as empresas deixarem a China, a segunda maior economia do mundo, não é uma solução e não é realista”. A GM, por exemplo, já vende mais automóveis na China do que nos EUA.

A investida contra a China tem como motivação de fundo barrar a ascensão da China à autossuficiência nas tecnologias de ponta, de que os EUA pretende deter o monopólio – como computação quântica, inteligência artificial, materiais compostos, veículos autônomos, robótica -, e abrir o país a Wall Street, com a questão do déficit comercial funcionando como gatilho para esse ataque.

Ocorreu impasse nas negociações porque Washington queria impor suas regras e exigia que fossem postas nas leis chinesas, cabendo ainda apenas aos EUA julgar se Pequim estava se submetendo, e enquanto isso não ocorresse, tarifas e sanções seriam mantidas.

Em paralelo às pressões no terreno econômico, os EUA se retirou do Tratado INF, passando a ameaçar a China com a instalação de mísseis terrestres armados nuclearmente de alcance intermediário na Ásia, o que antes era proibido, e festejou a revolução colorida em Hong Kong, sobre a qual já há um projeto de sanções prontinho para definição no Congresso norte-americano.

RECESSÃO

Agravados pelos sinais de que mais cedo do que tarde a “Bolha de Tudo” – o apelido é de lavra do The New York Times – vai implodir, repetem-se no mundo inteiro os alertas sobre a recessão e quanto ao papel da guerra comercial para sua eclosão.

O último deles foi a inversão da curva de juros, com o rendimento dos títulos do Tesouro de curto prazo superando os de longo prazo. Outro sintoma, sem precedentes, é que um terço dos títulos em circulação no mundo, US$ 16 trilhões, tem rentabilidade negativa, ou seja, quem os mantiver até o vencimento vai ter prejuízo – nível que dobrou desde o início do ano.

Enquanto o debate sobre o “desacoplamento” das duas maiores economias do planeta já é feito à luz do dia, é sempre bom ter em conta a observação feita pelo ex-presidente Jimmy Carter, em cujo governo EUA e China reataram relações. Para ele, a China prosperou porque passou décadas construindo e investindo no seu desenvolvimento, sem guerras, enquanto governos sucessivos dos EUA torravam trilhões em guerras inúteis.

A bronca de Trump com o chefe do Fed, Powell, é que este não está fazendo o suficiente para prevenir que a bolha exploda, reduzindo os juros e retomando a impressão eletrônica de dólares para os bancos. Se explodir no colo de Trump na véspera de novembro, adeus reeleição.

Já tem gente nervosa, chamando a parar a guerra comercial antes que a vaca vá para o brejo. O presidente do Fed de Nova Iorque de 2009 e 2018 – e, portanto, um dos principais operativos do bailout sob Obama -, Bill Dudley, advertiu em artigo na Bloomberg que a inação do Fed poderia “incentivar ainda mais a guerra comercial, aumentando o risco de recessão”.

Para ele, a escolha que está colocada para o Fed é “permitir que o governo Trump continue por esse caminho desastroso” ou “enviar um sinal claro de que, se o governo o fizer, será o presidente, e não o Fed, que arcará com os riscos – incluindo o risco de perder a próxima eleição”.

No fim de semana, Trump asseverou a repórteres que a China está “avançando”, “estamos indo muito bem”. “Veremos o que acontece”, disse Trump, acrescentando que “não podemos permitir que a China nos roube mais”. Ele admitiu que ainda não há uma definição sobre a reunião de setembro entre as duas partes.