A palavra “Hambre” (fome) é projetada no prédio de uma multinacional em Santiago

Milhares de manifestantes voltaram a tomar as ruas contra a política de fome e arrocho do presidente Sebastián Piñera nesta quarta-feira (19), depois da vitória maiúscula da oposição no plebiscito deste final de semana. No pleito, por meio de uma “cláusula de bloqueio”, o governo pretendia impedir qualquer mudança na herança maldita deixada como Constituição pelo ditador Augusto Pinochet – que se manteve após o golpe contra a Allende, em setembro de 1973, até 1990.

“Estamos passando fome”, “Não é contra a quarentena, é contra a fome”, “O problema é a ausência de um Estado que se preocupe com seu povo”, foram algumas das palavras de ordem entoadas pelos manifestantes, que projetaram em maiúsculas a palavra “Hambre” (Fome) no prédio de uma multinacional em Santiago.

No bairro de El Bosque, um dos mais pobres da capital, os protestos foram violentamente reprimidos pela Tropa de Choque, os Carabineiros, que voltaram a utilizar armas, bombas de gás lacrimogêneo e caminhões com canhões d’água. Pelo menos dez pessoas foram presas.

Laboratório neoliberal

Segundo María Olivia Mönckeberg, Prêmio Nacional de Jornalismo e diretora do Instituto da Comunicação e Imagem da Universidade do Chile, em seu livro “O saque dos grupos econômicos ao Estado do Chile”, entre 1985 e 1990 foram privatizadas, entre outras a Empresa Nacional de Eletricidade (Endesa), a Companhia de Aço do Pacífico (CAP), a Indústria Açucareira Nacional (Iansa), a Empresa Nacional de Telecomunicações (Entel), a Linha Aérea Nacional (Lan Chile), Laboratórios Chile e a Sociedade Química e Mineira do Chile (Soquimich), que ficou nas mãos de Julio Ponce Lerou, ex-genro do próprio ditador.

O encontro “30 anos de privatizações no Chile: o laboratório neoliberal da América Latina e seu impacto sobre os serviços públicos em tempos de Covid-19”, realizado no ano passado, revelou que processo serviu como ferramenta ao capital estrangeiro, que passou a impor suas regras sobre todas as instituições às custas do povo.

“A primeira coisa que ficou demonstrado é que quando as pessoas já não têm recursos para salvar suas vidas recorrem aos serviços públicos. Não somente os indivíduos, mas também as empresas. Depois de anos e anos de austeridade, políticas neoliberais, cortes de orçamento dos serviços públicos, cortes de pessoal, quando chega uma crise é o público que tem que pagar para manter a atividade do privado”, assinala Rosa Pavanelli, dirigente da Internacional dos Serviços Públicos (ISP).

Para Pavanelli, a pandemia estampou que “não somente o setor de saúde é fundamental para o bem-estar da população, mas setores como o da educação, da água, da energia, do lixo e do transporte, cujos trabalhadores estão muito comprometidos com a qualidade dos serviços”. Na sua avaliação, “é hora de levantar a voz para mudar as regras do jogo e o Chile tem a oportunidade de mostrar que, com a participação das pessoas, dos sindicatos, há possibilidade de fazer com que a democracia avance”.