Milhares de pessoas se manifestaram na Praça da Dignidade, no centro de Santiago, capital do Chile, na sexta-feira, 28 de fevereiro, em mais uma jornada de protestos contra o governo de Sebastián Piñera, deixando claro que não recuam da decisão de cobrar seus direitos, de não aceitar o modelo neoliberal que era propagandeado como sendo um “oásis” de eficiência na América Latina.

Com bandeiras nacionais, dos principais clubes de futebol e das comunidades dos índios mapuches; cartazes e faixas com as principais reivindicações do movimento popular e lemas contra o governo, os manifestantes se concentraram pacificamente na praça que tem sido o principal ponto de encontro dos protestos que se iniciaram em outubro do ano passado com o anúncio do aumento nas tarifas do metrô de Santiago, e que rapidamente tomaram grandes proporções.

As reivindicações defendidas pelos manifestantes ganharam abrangência: pensões dignas, redução do preço dos medicamentos, alívio no endividamento dos chilenos, salários decentes, custo de vida controlado, melhora no transporte público, gratuidade nas universidades, etc.

O presidente Sebastián Piñera foi forçado a tomar algumas medidas para aliviar a situação, como anunciar um aumento no salário mínimo, voltar atrás no aumento dos transportes públicos mas, segundo assinalam os manifestantes, não passou de um aceno. E ainda, como denuncia o líder da entidade No +AFP (Administradoras de Fundos de Pensão), Luis Mesina, longe do que prometeu, nacional e internacionalmente, o governo continua dando carta branca aos Carabineiros, a polícia chilena, para reprimir sem controle.

Como todas as outras vezes, nas ruas próximas à manifestação se produziram enfrentamentos entre a população e forças especiais dos carabineiros que avançaram contra a multidão com canhões de água e gases, tornando irrespirável o ambiente da região tomada pela fumaça das bombas lacrimogêneas.

“A resposta do governo é repressão. Pretender estabelecer que hoje o principal problema do Chile reside na violência e vandalismo, e não na desigualdade social e as más condições de vida de milhões de chilenas e chilenos, é absurdo, é errar em um diagnóstico chave. E a partir disso, é equivocar as respostas realmente de fundo e urgentes, é fuga da responsabilidade do governo, é enganação” afirmou Guillermo Teillier, presidente do Partido Comunista de Chile, condenando a repressão.

O resultado da violência dos carabineiros foi gente ferida, quebradeiras e muitos presos. A doutora Cristina Rauchfuss, coordenadora de Urgências da Posta Central, detalhou que um adolescente de 16 anos foi internado “com um comprometimento qualitativo de consciência (…), produto de um golpe no crânio com um objeto contundente”, e confirmou que “é um quadro grave”. Outros casos ainda não foram divulgados.

As reivindicações dos manifestantes se concentram na elaboração de uma nova Carta Magna. Na atual Constituição formulada durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1989) Saúde, Educação e Previdência não são atribuições do Estado e esses setores – os três pilares principais das reivindicações dos manifestantes hoje – funcionam a partir do mercado privado, ainda que contando com alguns subsídios. O direito à greve, o reconhecimento pleno da liberdade sindical e a negociação Coletiva Setorial são outras questões ausentes na Constituição e que fazem parte das exigências dos chilenos.

Na semana em que começou oficialmente a campanha para o plebiscito que definirá a convocação de uma Assembleia Constituinte, previsto para o dia 26 de abril, os protestos se estenderam ao longo do país e chegaram até o muito concorrido Festival de Viña del Mar, que esteve marcado pelo repúdio ao governo e pela repressão nos arredores do espetáculo, e também pelas participações de artistas como Mon Laferte e Ricky Martin que se somaram ao público na defesa da democracia e contra a polícia.

Mais de 30 pessoas morreram pela repressão desde o início das manifestações e mais de 230 perderam total ou parcialmente a visão pelos disparos a queima-roupa dos carabineiros. O Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) do Chile, que denunciou torturas e outros abusos contra pessoas detidas durante os protestos, divulgou que houve 3.649 feridos nas mobilizações, e mais 1.000 pessoas ainda permanecem na cadeia.

Em meio às manifestações contra o descalabro neoliberal no Chile, o segundo incêndio em dois meses no museu dedicado à cantora e compositora Violeta Parra, que se encontrava fechado desde 7 de fevereiro, quando intencionalmente foi ateado fogo ao local, causou um repúdio generalizado e no sábado 29 e no domingo 1 de março, nas praças e teatros do país inteiro foram realizados shows com músicas de Violeta, reafirmando a identificação do povo chileno com sua obra.

Felizmente, as obras ali alojadas não sofreram dano porque estavam resguardadas em um depósito fora das instalações. Imagens da televisão e redes sociais registraram que este segundo sinistro foi maior que o primeiro, que afetou principalmente o andar térreo do edifício.

Violeta Parra foi a mais reconhecida artista chilena e uma das principais folcloristas da América do Sul. Além de autora e interprete, se destacou como divulgadora da música popular de seu país. Sua obra serviu de inspiração a vários artistas posteriores que continuaram sua tarefa de resgate da música popular e do folclore do Chile e da América Latina. Na data de seu nascimento, 4 de outubro, é comemorado o «Dia da música e dos músicos chilenos».