Chilenos exigem do governo reajuste do salário mínimo em 60%
Mais de 100 organizações sociais chilenas apresentaram ao presidente Piñera e ao Congresso uma pauta de exigências que inclue a imediata elevação dos salários e das aposentadorias (cujo valor deve ser no mínimo igual ao Salário Mínimo Nacional elevado em 60%), o fim da estrutura privada da previdência (as achacadoras AFP), e a antecipação de eleições com a convocação de uma Assembleia Constituinte
As largas Alamedas de Santiago do Chile foram tomadas por manifestantes, nesta quarta-feira, 30, assim como tem acontecido nos últimos 13 dias. A marcha que começou na Praça Baquedano e que, pacificamente, conseguiu chegar ao Palácio de La Moneda, foi a principal atividade da jornada de Greve Nacional convocada pela mesa de Unidade Social, que reúne mais de 100 organizações sindicais e sociais, entre elas a Central Unitária de Trabalhadores (CUT Chile), a Associação Nacional de Empregados Fiscais (ANEF), Colégio de Professores, Coordenação NO+ AFP [Não + Administradoras de Fundos de Pensão], organizações de trabalhadores de distintos setores como da Saúde, Educação, Comércio, Bancos, Indústria; federações de estudantes secundaristas e universitários, acadêmicos, organizações de moradores, de defesa da água, do meio ambiente, de indígenas e de direitos humanos.
A mobilização condenou a política neoliberal do governo de Piñera e divulgou o “Caderno dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Chile, Bloco Sindical de Unidade Social”.
Entre as demandas, estão incluídas exigências de medidas imediatas aprovadas nos legislativos, tais como: Salário Mínimo Nacional de 500 mil pesos –aproximadamente 2.700 reais – tanto para trabalhadores do setor público como privado; o reconhecimento pleno da liberdade sindical; negociação Coletiva Setorial e respeito ao direito de greve como direito fundamental; aposentadoria mínima equivalente ao salário mínimo nacional proposto; fim das AFP privadas (que achacam os depósitos dos trabalhadores em impostos para a previdência); cesta de serviços básicos protegidos; tarifa social justa do transporte público, gratuidade nas passagens dos idosos, entre outros temas fundamentais relacionados aos direitos sociais. A este conjunto de exigências se soma a exigência de uma Assembleia Constituinte.
Os diferentes dirigentes do bloco social asseguraram que as mobilizações nas ruas vão continuar já que da parte do governo a resposta ainda continua sendo quase nula.
A presidente da CUT – Chile, Bárbara Figueroa, afirmou que “hoje destacamos as demandas que levantamos como Unidade Social, a exemplo do tema do aumento de salários, o fim do encarecimento dos produtos básicos, a cesta básica protegida, inclusive remédios para nossos idosos, moradia, e todas as demandas que nós sentimos que têm que estar no centro do debate porque até agora não se fala disso. Há questões mais de fundo, que trataremos também e que se referem à política econômica geral. A mudança de gabinete não surtiu nenhum efeito e assim continuamos nas ruas”.
O porta-voz da Coordenação ‘Não + AFP’, Luis Mesina, assinalou que “a exigência das pensões pagas e calculadas de forma justa é uma demanda transversal. O modelo chileno de pensões fracassou e isso se expressa na miséria vivida pelos milhares de aposentados e da qual passarão a sofrer os que agora começam a receber sua pensão. O que o governo faz é enviar uma proposta que consolida este modelo e é por isso que o povo está irado. Estamos diante de um regime político que não escuta, por isso é que usamos as ruas como ferramenta para pressionar e fazer com que a institucionalidade mude de uma vez”.
O Chile colocou em prática o modelo que faz com que cada trabalhador tenha a própria poupança, que é depositada em uma conta individual, em vez de ir para um fundo coletivo. Enquanto fica guardado, o dinheiro é administrado por empresas privadas, que podem investir no mercado financeiro.
A manutenção piorada do projeto de “reforma” do sistema de aposentadoria do ditador, Augusto Pinochet (1973-1990), aumenta ainda mais a tensão, pois Piñera quer passar a cobrar a contribuição previdenciária também dos empregadores – atualmente é paga apenas pelo trabalhador – mas mantendo intacta completamente a criminosa estrutura privatizada em meio a medidas que travam a economia chilena, mas garantindo lucros exorbitantes às Administradoras de Fundos de Pensão.
Vale destacar, recordou Luis Mesina, que somente nos três primeiros meses deste ano, as AFP lucraram US$ 196 milhões, um aumento de 100,1% em relação ao mesmo período de 2018, com ganhos diários de US$ 2,17 milhões. “As três principais AFP são norte-americanas.
“Qual é a dona da maior companhia seguradora do Chile?”, questiona Mesina. “É a MetLife, a maior companhia seguradora do planeta. Tomam nossa economia, levam para os Estados Unidos, compram ações da Bolsa e tratam de buscar rentabilidade, que está cada vez mais baixa”, denunciou. O fato, ressaltou, “é que os grandes grupos econômicos – fundamentalmente estrangeiros – usam nossa poupança, nossa humanidade e nossas vidas para financiarem seus projetos espúrios”.
O presidente do Colégio de Professores, Mario Aguilar, indicou que “estamos diante de um governo que nos lembra os tempos de Pinochet onde as pessoas não podiam levantar a voz. Há violações de direitos humanos, não há liberdade de expressão porque, se queremos nos manifestar, nos reprimem. Esta enorme marcha e esta greve são respostas à indiferença do governo que não escuta e faz mudanças de gabinete que não servem e, com os seus projetos, continua aprofundando o modelo, por isso seguimos nas ruas”.
Nessa mesma linha, o presidente da Confederação de Trabalhadores do Cobre, Manuel Ahumada, sublinhou que “vamos seguir mobilizando-nos para poder construir uma sociedade distinta baseada em pilares como a solidariedade e a justiça social. Queremos manifestar-nos em conjunto com o resto do povo para que se realizem mudanças profundas e não maquiagens como as que tem aplicado o governo inepto de Piñera”.
Enquanto aconteciam as manifestações, a greve, os panelaços, protestos e concentrações em Antofagasta, Concepción e Valparaíso e muitas outras cidades e regiões do país, o presidente Sebastián Piñera anunciou que suspenderia as cúpulas internacionais do Foro de Cooperação Econômica Ásia – Pacífico (APEC) e a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP25). A decisão provocou a reação da oposição chilena, de organizações de defesa do meio ambiente e inclusive da ONU.
Durante a tarde, Piñera declarou que considerava a possibilidade de uma reforma constitucional.
A “Cúpula de Líderes” do APEC se realizaria em Santiago nos dias 16 e 17 de novembro, reunindo os governantes dos 21 países que o compõem (Austrália; Brunei Darussalam; Canadá; Chile; China; Hong Kong, China; Indonésia; Japão; República de Coréia; Malásia; México; Nova Zelândia; Papua Nova Guiné; Peru; Filipinas; Rússia; Singapura; Taipei; Tailândia; Estados Unidos e Vietnam). Conjuntamente representam 40% da população mundial, 60% do PIB global e 50% do intercâmbio comercial total. A realização desse evento era acalentada há meses por Piñera que esperava ter a atenção das manchetes mundo afora, de forma bem diferente da que recebe agora.
A COP 25 seria realizada entre os dias 2 e 13 de dezembro, com a participação dos 193 países das Nações Unidas, mas adicionalmente viriam 25 mil delegados da sociedade civil. Para este evento, o governo fez um orçamento de 35 milhões de dólares (40% a cargo de privados) e construiu instalações em um ex-aeroporto localizado a sete quilômetros do centro de Santiago.
Piñera sem claramente falar sobre os reais motivos do cancelamento desses eventos não teve como esconder que não existem no país condições de realizá-los.
“Essa é uma decisão difícil, que nos causa muita dor. Decidimos não realizar o encontro da APEC, e também o encontro da COP 25. Lamentamos profundamente o que isso vai significar, mas como presidente dos chilenos tenho que priorizar os problemas e os interesses de todos os chilenos”, disse Piñera, que continuou:
“Primeiro, queremos restabelecer plenamente a ordem pública, a segurança e a paz social. Segundo, impulsionar com toda força uma nova agenda social para responder às demandas de nossos cidadãos. E terceiro, gerar um amplo processo de diálogo para escutar nossos compatriotas”, complementou o presidente do Chile.