Mais de dois milhões de pessoas se mobilizaram em todo o país, em paralelo à greve nacional

A Mesa da Unidade Social do Chile – que reúne mais de uma centena de organizações políticas, sindicais e sociais – confirmou na terça-feira, 12, que mais de dois milhões de pessoas se mobilizaram em todo o país, em paralelo à greve nacional promovida pelo funcionalismo público, portuários, professores, saúde, construção e outros.

“Esta mobilização de hoje, que busca ser uma advertência ao governo, é clara e precisa, é que nós não queremos Congresso Constituinte e que nossa aposta é construir uma nova Constituição via Assembleia Constituinte”, afirmou a presidente da Central Unitária de Trabalhadores (CUT), Bárbara Figueroa.

Segundo as informações divulgadas pele Central, mais de 90% do setor público aderiu à paralisação geral e mais de 60% dos trabalhadores do setor privado também.

Erguendo barricadas em vários pontos da capital, Santiago, tocando bumbos, agitando bandeiras chilenas e dos sindicatos que aderiram ao movimento, os manifestantes se congregaram na Praça Itália, epicentro do protesto, para depois marchar vários quarteirões até a sede da Central sindical, passando em frente à casa de governo, onde se registraram enfrentamentos com a Polícia.

Desde o início de outubro, multidões de chilenos têm realizado manifestações para exigir históricas reivindicações sociais, como educação pública gratuita, aumento das aposentadorias e pensões, aumentos salariais, somado ao acesso a direitos básicos, como transporte, saúde e moradia dignos.

Luis Mesina, da organização Não mais Administradoras de Fundos de Pensão (No + AFP), advertiu ao Governo que “se não acontecer um anúncio contundente nos próximos dias, todos os dirigentes que participam da Unidade Social, convocaremos uma greve geral por tempo indefinido que torne possível, efetivamente, a restituição do direito fundamental que estamos precisando hoje que é a paz com justiça social”.

CRIMES DA REPRESSÃO

A advertência de Mesina se dá diante dos crimes da repressão. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o governo de Piñera durante uma audiência realizada em Quito, no Equador, ao reconhecer as atuações criminosas da polícia nas semanas de protesto social, que deixaram um saldo de sete mil detidos, mais de dois mil feridos, entre eles 197 com traumas oculares por disparos de balas.

Após ouvir os informes acerca das violações aos direitos humanos cometidos por carabineiros (policiais), apresentados por organizações civis e pelo Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) e a Promotoria da Infância e depois de escutar as explicações governamentais, os representantes da CIDH condenaram o governo chileno.

O relator para os direitos humanos no Chile, Luis Ernesto Vargas, criticou abertamente o ‘informe’ entregue pelo advogado Mijael Bonito, do Ministério do Interior, através do qual o governo tenta criminalizar o protesto e, sem entrar nas perdas humanas, faz um levantamento de danos materiais e seu custo de reparação, negando o número de feridos dado pelo INDH (falou que eram só 833) além da quantia inverossímil de 1.300 policiais feridos durante a repressão ao protesto.

Em contraposição à absurda distorção dos fatos pelo governo, foram apresentadas e divulgadas mais de mil denúncias por violência que incluem: fraturas de ossos, lesões na coluna cervical, abusos sexuais, traumas oculares, crianças baleadas com munição de guerra e balas de caça, surras indiscriminadas, etc.

O representante do governo também negou que os carabineiros tivessem disparado balas de aço – algo comprovado nos hospitais – para dizer que se tratavam de balas de borracha.

No final do informe do Ministério do Interior, o relator do CIDH Vargas comentou: “Há informes diametralmente opostos. Enquanto a sociedade civil faz uma quantidade de denúncias impressionante, o Estado toma a maior parte do tempo de exposição para referir-se aos danos materiais produzidos no contexto dos protestos sociais. E isso gera uma grande distância do que deve ser um estado social de direito, se importam mais os bens materiais que a vida, que a integridade pessoal, aí fica demarcada uma grande diferença na visão das coisas”, asseverou.

Nos últimos dias, pressionado pelas enormes manifestações que durante semanas enchem as ruas das principais cidades do país, o presidente, anunciou que preparará um projeto para fazer mudanças na Constituição elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), exigência da população em meio à grave crise social, econômica e política.

“Acredito nas mudanças na Constituição, que são legítimas e vamos discuti-las. Na verdade, estamos preparando um rascunho de mudanças na Constituição para poder atualizar e ter nossa própria proposta”, afirmou, em entrevista.

Mas não havia se manifestado a favor de um plebiscito e eleição específica de delegados para uma Assembleia Constituinte até agora quando propôs – ainda que de forma vaga – a participação cidadã: “Um plebiscito para que os cidadãos não só participem em sua elaboração, mas que tenham a última palavra no pacto social que o Chile necessita”.

Marcos Barraza, representante do Partido Comunista questionou se a Constituinte de Piñera será a abertura para a participação popular ou um jogo de cartas marcadas com passando apenas pelo Congresso onde detém a maioria: “Ainda não ficou claro se o plebiscito de Piñera derivaria depois em uma Assembleia Constituinte, como pedem os manifestantes e todos os setores da oposição, ou em um Congresso Constituinte, que é até agora a postura oficial”.