Chile protesta após “acusações falsas e graves” de Bolsonaro à Boric
Na segunda-feira (29), o governo do Chile convocou para consultas o embaixador do Brasil em Santiago, em protesto pelas declarações do presidente Jair Bolsonaro contra o presidente chileno Gabriel Boric, contra quem fez acusações “absolutamente falsas” de haver “tacado fogo no metrô” nos protestos de 2019 contra elevação das tarifas no transporte, segundo informou a chanceler Antonia Urrejola.
“Lula apoiou o presidente do Chile também, o mesmo que praticava atos de tacar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo nosso Chile?” — disse Bolsonaro deturpando a informação.
“Consideramos essas acusações gravíssimas. Obviamente são absolutamente falsas e lamentamos que em um contexto eleitoral as relações bilaterais sejam aproveitadas e polarizadas por meio da desinformação e das notícias falsas”, disse Urrejola.
Além disso, indicou que “a desinformação corrói a democracia e, neste caso, corrói a relação bilateral. Estamos convencidos de que esta não é a forma de fazer política e também não é a forma de fazer política quando se trata de dois chefes de Estado democraticamente eleitos”.
Em outubro de 2019, o que começou com um “panelaço” popular, com milhares de famílias batendo panelas e frigideiras em protesto pelo aumento das passagens do metrô, desembocou em barricadas, enfrentamentos entre manifestantes e as forças policiais. Enfrentamentos que aconteceram em vários pontos centrais de Santiago, como a Praça Itália, o Palácio de La Moneda, sede do governo, a praça de armas de Maipú e outros. Na época, o então presidente Sebastián Piñera recuou e anunciou a suspensão do aumento de 30 pesos (quase 20 centavos) na passagem de metrô. Aumento que ele havia decretado pouco antes.
A ministra destacou que “acreditamos que é necessário e esperamos que se entenda que essas acusações absolutamente falsas são graves, não apenas porque acusam o presidente Gabriel Boric, a nosso governo de atos criminosos muito graves, mas também aos chilenos e às chilenas”.
Ela sublinhou que “as relações com o Brasil, nação irmã com uma história comum, com desafios comuns, devem continuar sendo fortalecidas e esperamos continuar enfrentando os diferentes desafios como povos irmãos que somos, além dessas declarações do presidente Bolsonaro.”
A fala de Bolsonaro sobre Boric aconteceu no final do debate de domingo (28), quando o presidente fazia suas considerações finais. Repetindo seus ataques frequentes a líderes de esquerda latino-americanos e tentando associá-los ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro também citou pejorativamente o argentino Alberto Fernández e até o recém-empossado presidente colombiano Gustavo Petro.
O comentário veio em um momento tenso no país do sul. No próximo domingo os chilenos decidirão entre aprovar ou rejeitar a nova proposta de constituição que substituirá a de 1980, escrita em plena ditadura de Pinochet e que, embora com reformas e modificações, mantém elementos elitistas. Não prevaleceu o acesso à água como direito a todos os chilenos – uma das reivindicações populares – foram mantidos incentivos à economia puramente extrativista e poucas garantias concretas no que diz respeito à educação, saúde ou moradia públicas e de qualidade.
Segue o comunicado de imprensa emitido pela Chancelaria Chilena, na íntegra:
“O governo do Chile considera que as declarações formuladas contra o presidente Gabriel Boric pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante um debate presidencial realizado no dia de ontem são inaceitáveis e não condizem com o trato respeitoso que deve haver entre chefes de Estado e nem com a relação fraterna entre dois países latino-americanos.
A utilização política da relação bilateral com fins eleitorais, com base em mentiras, desinformação e deturpações erode não apenas o vínculo entre nossos países, mas também a democracia, prejudicando a confiança e afetando a irmandade entre os povos.
O presidente Boric manifestou publicamente suas diferenças que o separam do presidente Bolsonaro, mas ao mesmo tempo sinalizou a importância de manter as boas relações entre os Estados do Brasil e do Chile.
Apesar das declarações infelizes, o governo do Chile manifesta sua convicção de que o nosso país e o Brasil têm não apenas uma História comum, mas também enormes desafios para enfrentarem de maneira colaborativa, razão pela qual espera continuar a fortalecer os permanentes vínculos de amizade e cooperação entre nossos países.”
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Papiro