Liderada pelo Chile, onde cerca de dois milhões de mulheres tomaram a Praça da Dignidade, na capital Santiago, em uma manifestação histórica contra a repressão e a violência capitaneadas pelo presidente Sebastián Piñera e seus carabineiros, a força feminina se fez potente na Argentina e no México neste domingo, 8 de março, reforçando a luta por igualdade de oportunidades, salários e direitos.

O agravamento do desemprego, o arrocho salarial e a situação de penúria que assola a economia da maior parte dos países da região – e em particular desta metade mais sofrida da população – fez com que as ruas ganhassem vida, cor roxa e coro de “América Latina será toda feminista”.

No caso chileno, o grave problema do assédio e da violência sexual, caracterizado na denúncia “Estado opressor é um homem estuprador” e “há um estuprador em teu caminho”, está bastante relacionado ao abuso da força policial, dos carabineiros, denunciados como amplificadores das mais doentias e perversas materializações do machismo. Em função disso, o governo decidiu levar às ruas no 8 de março quase exclusivamente militares do sexo feminino.

O que dominou o Chile, como reconhecem todos, foram marchas familiares, marcadas na capital e no interior pela presença de todas as gerações, dominadas pelos mais jovens. De forma surpreendente, a da capital superou até mesmo as imensas passeatas anteriores, se desenvolvendo de forma pacífica. Desde as primeiras horas muitas avós, mães e filhas se deram as mãos, estando prontas para o meio dia, horário marcado para a Praça da Itália, rebatizada como “Praça Dignidade”. Entre o mar de lenços, um mesmo espírito: “Juntas fazendo história. É preciso continuar. Vamos por mais!”. E assim vieram inclusive bebês em seus carrinhos.

Apesar do componente feminino na força repressora, em frente ao Palácio de La Moneda a tradição de violência falou mais alto e a polícia voltou a usar seu robusto carro para dispersar com jatos de água nos manifestantes.

No México, o crescimento dos assassinatos de mulheres – dez, diariamente, por questão de gênero – fez com que as mulheres elevassem o tom e dissessem um basta à impunidade. A gravidade dos casos de feminicídio que vieram à tona no último período fez com que a conclamação soasse ainda mais forte, ao que se somou o apoio das ministras do governo de López Obrador. Além do protesto, as mexicanas realizarão uma greve nacional de mulheres nesta segunda-feira (9) para exigir salário igual para trabalho igual. Atualmente, explicam, mesmo sendo 40% da força de trabalho, seu salário é apenas dois terços do masculino.

Colocando o centro na luta contra os feminicídios e os fundamentalismos religiosos, as argentinas protestaram em frente à catedral de Buenos Aires contra o preconceito e em defesa da vida. Demonstraram a necessidade de descriminalizar o aborto, diante do grande número de mulheres mortas sem terem condições de pagar as clínicas clandestinas. A proposta é conquistar uma lei de prazos para a interrupção voluntária da gravidez, que converteria a Argentina no primeiro grande país da América Latina a conquistar a legalização do aborto, como já existe no Uruguai, Cuba, Guyana e na capital mexicana.

Como comemoraram as lideranças do movimento feminino, o presidente Alberto Fernández enviará já esta semana um projeto de lei para modificar o Código Penal vigente, que impõe penas de até quatro anos para a mulher que aborta, exceto nos casos de estupro ou de risco para a saúde.

Antecipando-se à jornada feminina, cerca de dez mil mulheres foram às ruas de Lima, sábado (7), com o lema “Trabalhadoras, sim; exploradas e violentadas, não”. Em um dos cartazes a jovem denunciava: “Tenho mais possibilidades de morrer por ser mulher do que pelo coronavírus”. Entre as presenças marcantes da caminhada, a jornalista e fotógrafa peruana Beatriz Suárez e familiares de mulheres vítimas de feminicídio ou desaparecidas, como Rosario Aybar, mãe da ativista Solsiret Rodriguez.