Chile elege Constituinte para livrar-se da Carta imposta por Pinochet
O Chile realiza neste fim de semana eleições para escolher os 155 membros da Assembleia Constituinte que deverão redigir a nova Carta Magna do país para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Este tipo de votação é inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três constituições (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas escolhidas pelo voto popular.
As eleições são as primeiras desde a onda de protestos de 2019. Em meio a uma crise política, social e institucional que se soma à crise sanitária e econômica, o pleito constituinte será realizado em paralelo ao que vai eleger prefeitos, vereadores e governadores regionais. A ampla eleição ocorrerá durante dois dias para tentar evitar aglomerações devido à pandemia de Covid-19.
O corpo de parlamentares que redigirá a nova Carta será igual entre homens e mulheres, sendo que haverá 17 cadeiras reservadas para os povos indígenas.
Embora as datas das eleições tenham sido alteradas duas vezes devido à pandemia, em outubro passado, com 78,2% dos votos, os chilenos decidiram em um plebiscito histórico substituir a atual Constituição. Ela é rejeitada por promover a privatização dos serviços básicos, particularmente a Previdência e a educação, e sua revogação foi uma das principais demandas durante a onda de protestos que se iniciaram no final de 2019 e se alastram até hoje.
O atual texto foi elaborado em 1980 durante a ditadura militar de Pinochet. Sofreu 50 modificações, tanto no fim da ditadura (1989), quanto no governo de Ricardo Lagos (2005), porém, em suas quatro décadas de vida, o texto não teve mudanças significativas, não alcançou legitimidade nem se tornou um elemento unificador entre os chilenos.
“Temos um modelo de seguridade privada que é aterrorizante, um sistema criado durante a ditadura que é de capitalização individual, que achata pensões e aposentadorias. Na realidade, com a privatização da Seguridade Social, um consórcio de capitais passou a monopolizar a Previdência chilena e hoje os trabalhadores se aposentam com tão somente 1/3 do último salário. Para receber o valor integral da aposentadoria, pela qual contribuíram com 13,5% do salário ao longo de três décadas, precisariam estar na ativa até os 120 anos. Mais do que desumano, isso é diabólico. A Seguridade precisa ter todo o seu entorno: saúde, educação, habitação. Mas a capitalização individual fez criar esse sistema de Associação de Fundos de Pensão, as AFP, em que você coloca, você tem. Antes tínhamos um sistema triparte, Estado, empregador, trabalhador, o que fazia com que nossas pensões e aposentadorias fossem dignas. Era algo relevante. Hoje isso se acabou e tudo é lucro de alguns. São empresas privadas que administram, cobram e lucram, obviamente, com lucros estratosféricos. São empresas transnacionais e há também milionários chilenos, como no setor financeiro, com ganhos siderais. Como é a lógica das AFP? Quando ganham, ganham eles, quando perdemos, perdemos nós”, denunciou Amália Pereira, presidente em exercício da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) do Chile, em entrevista a Leonardo Wexell Severo, em março passado.
São 1.268 candidatos à convenção. A participação do eleitorado é uma grande incógnita, em um país com alta abstenção e voto voluntário. O plebiscito de outubro passado atraiu 51% dos eleitores, um pouco acima das últimas eleições.
Mais de 14,9 milhões de chilenos estão aptos a votar neste pleito, no qual pela primeira vez serão eleitos governadores regionais, cargos que até agora eram nomeados pelo presidente do país. O segundo turno das eleições para governadores será transferido de 9 de maio para 13 de junho enquanto as primárias presidenciais serão realizadas em 18 de julho.