Cem mil em Havana contra o bloqueio e em defesa da soberania de Cuba

O chanceler cubano, Bruno Rodríguez, instou na sexta-feira (30), pelo Twitter, os EUA a encerrar sua “guerra fria contra Cuba” e repercutiu o manifesto de mais de 400 personalidades pela imediata revogação das sanções da era Trump, o “Let Cuba Live” [Deixe Cuba Viver].

Rodríguez afirmou que “não existe razão alguma para manter políticas de guerra fria contra Cuba. Não existem desculpas para aplicar medidas coercitivas de asfixia econômica contra nosso povo em meio à pandemia. Não existe justificativa para manter o bloqueio”.

“Deixe Cuba Viver”, que foi estampado há uma semana no jornal The New York Times, reúne intelectuais, religiosos, artistas, líderes políticos e ativistas do mundo inteiro e é assinada por Noam Chomsky, Gayatri Spivak, Roxanne Dunbar-Ortiz, e Cornel West (líder do movimento Black Lives Matter); Oliver Stone, Chico Buarque de Hollanda, Jane Fonda, Susan Sarandon, Danny Glover, Wagner Moura e Mark Ruffalo; e os ex-presidentes Lula, do Brasil e Rafael Correa, do Equador.

“Parece-nos inconcebível, especialmente durante uma pandemia, bloquear intencionalmente as remessas e o uso de instituições financeiras globais por parte de Cuba, visto que o acesso a dólares é necessário para a importação de alimentos e medicamentos”, destaca o documento.

“Quando a pandemia atingiu a ilha, seu povo e seu governo perderam bilhões em receitas do turismo internacional que normalmente iriam para o sistema público de saúde, distribuição de alimentos e ajuda financeira”, assinala a carta, que lembra que no dia 23 de junho a maioria dos Estados membros das Nações Unidas votou por pedir aos Estados Unidos o fim do bloqueio.

E conclui pedindo ao presidente Joe Biden “que assine imediatamente uma ordem executiva e anule as 243 medidas coercitivas do ex-presidente Donald Trump”.

No dia 11 de julho, tentando se aproveitar do agravamento do bloqueio e da situação econômica, em decorrência da paralisação do turismo sob a pandemia, grupos estimulados por fake news e robôs buscaram, como denunciou o presidente Miguel Díaz-Canel, “impor a mentira de ‘todo um povo que se levanta contra o governo e a de um governo que reprime seu povo’”, chamando a uma “intervenção humanitária” em Cuba, e escondendo o bloqueio.

Uma “baía [dos Porcos] dos tuítes”. Uma semana depois, 100 mil em Havana se manifestaram em defesa da soberania, da liberdade e da independência, atendendo à convocação de Díaz-Canel: “Cuba nunca será uma terra de ódio”.

Solidariedade

Reunião da OEA que Washington estava convocando para ‘discutir os ‘protestos na Ilha’ foi desmarcada esta semana. O que se deve à resistência de governos latino-americanos e do Caribe a se enquadrarem na exigida pressão contra Havana.

Também está em alta a solidariedade a Cuba. Os países integrantes da CELAC enviaram 800 mil seringas, suprimentos médicos, alimentos e máscaras faciais para Cuba. A Rússia enviou dois aviões com 90 toneladas de suprimentos. México enviou três navios com insumos médicos, alimentos e combustível. A ajuda chegou também do Vietnã e da Bolívia.

Na partida do quarto navio com ajuda a Cuba na quarta-feira, o presidente mexicano López Obrador voltou a condenar o bloqueio imposto pelos EUA, que chamou de “desumano”, “uma medida extrema”, “uma ação medieval”.

Entidades populares norte-americanas estão enviando a Cuba 6 milhões de seringas – que a Ilha não consegue comprar por causa do bloqueio – para reforçar o programa de vacinação cubano, país que já desenvolveu duas vacinas contra a Covid-19 e testa mais três.

O chanceler Rodríguez rechaçou na quinta-feira postagem do seu homólogo do bloco europeu sobre Cuba “libertar manifestantes detidos arbitrariamente” e “ouvir vozes dos cidadãos” e, em resposta ao espanhol Joseph Borrell, registrou que este “não ousa citar o bloqueio genocida dos Estados Unidos” – que, aliás, viola a soberania das próprias empresas europeias – e também omite a “brutal repressão policial na União Europeia”.

Sobre a arenga de Borrell, como reiterou o Procurador-Geral de Cuba, quem está sendo julgado, depois de detido, são os ‘black blocks’, em processos por desordem pública, pilhagem de lojas, depredação de veículos, danos a prédios públicos e agressões a autoridades e a civis.

E que debutaram nas ruas da Ilha depois de se tornarem conhecidos pela violência em muitos outros países. Tudo bastante documentado pelos vaidosos black blocks, ávidos pelos aplausos desde a Flórida ou Madri.

Quando os black blocks quebram agências de bancos ou incendeiam automóveis em Paris, Bruxelas ou Berlim, não passa pela cabeça de nenhuma autoridade europeia que esse tipo de comportamento está socialmente liberado.

Em todo caso, a contenção aos violentos foi bastante mais moderada na Ilha do que a repetidamente vista, por exemplo, na bela França, contra os coletes amarelos durante praticamente um ano. Ou em outros países do bloco, contra os ‘inconvenientes’ imigrantes.

Ignorar o bloqueio em meio à pandemia é o cúmulo do cinismo e da omissão. No sábado passado, o presidente mexicano López Obrador propôs na reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que Cuba seja declarada “patrimônio da humanidade” por “resistir” aos Estados Unidos.

Na postagem de Borrell, dando uma no cravo e outra na ferradura, ele diz que está mantida a disposição de apoiar todos os esforços destinados a melhorar as condições de vida dos cubanos, no contexto do diálogo político e do acordo de cooperação UE-Cuba, assinado em 2016, época em que Obama estava com outra política em relação à Ilha.

Cuba tem denunciado que, a partir de dificuldades reais decorrentes da pandemia e da paralisação do turismo na condição de agravamento do bloqueio sob Trump, a máfia de Miami tentou desestabilizar Cuba, com apoio e dinheiro de órgãos do governo norte-americano, reforçados por fake news, no empenho para abrir caminho para a interferência externa aberta, sob a fachada do ‘SOSCuba’.

Democracia direta

A pronta ida do presidente Miguel Díaz-Canel, naquela prática de democracia direta, tão típica da Revolução Cubana, até San Antonio de los Baños, o pronunciamento papo reto com a população, mais a ida dos patriotas às ruas, que são do povo como o céu é do condor, contiveram a desestabilização.

Ou, quem preferir, os “distúrbios” – uma palavra muito usada pelos países centrais para descrever confrontos quando acontecem com eles.

Para Cuba, essa posição europeia de afago à máfia de Miami acaba por estimular medidas extremistas, como o arremesso de três coquetéis molotov contra a fachada da embaixada cubana em Paris, provocação que coincidiu com o 26 de julho, Moncada.