Chanceler Bruno Rodríguez: “solidariedade” de Biden seria levantar sanções de Trump, não acrescentar novas

Ao invés de rescindir as 243 sanções adicionadas por Trump ao bloqueio com uma canetada, o governo Biden, rompendo com promessa de campanha de restaurar a política de Obama em relação à Ilha, acaba de somar as suas duas primeiras, o que já foi repudiado e denunciado por Cuba.

Em sua resposta à infame acusação de Washington e às sanções, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, disse que “(O governo dos EUA) deveria aplicar a Lei Magnitsky Global a si mesmo por atos de repressão diária e brutalidade policial que custaram 1.021 vidas [de norte-americanos] em 2020”.

Como já dissera o presidente Díaz-Canel, se a preocupação humanitária de Biden fosse “sincera”, ele teria revogado “as sanções de Trump”.

A correspondente em Washington da revista The Nation, Aída Chávez, cravou sem dó: “O ‘presidente mais progressista desde FDR’ não acabará com um bloqueio genocida”.

Foram sancionados o Ministro da defesa, Álvaro López Miera, e a Brigada Especial Nacional do Ministério do Interior, sob a chamada ‘Lei Magnitsky Global’ – criada para ampliar a russofobia mas usada também contra outros alvos – por suposta “corrupção” e “violação dos direitos humanos”. Duas empresas cubanas também foram incluídas.

Biden disse ainda, que isso é “só o começo”, denotando seu empenho em agradar à máfia de Miami, e sem demonstrar apreço pelos progressistas, como Alexandria Ocasio-Cortez, o deputado democrata negro que preside a Comissão de Relações Exteriores, Gregory Meeks, e o senador Bernie Sanders, todos eles já tendo solicitado a revogação das 243 sanções de Trump.

Secretária do Tesouro de um país que há 27 anos é condenado anualmente pelo bloqueio a Cuba, que já causou mais de US$ 145 bilhões de perdas a Cuba desde que foi instituído, Janet Yellen disse que “continuará a aplicar sanções a Cuba, inclusive as que hoje são impostas, para apoiar o povo cubano”.

Sanções em meio à pandemia são um crime contra a Humanidade, que Trump cometeu e ao qual aderiu agora Biden, depois de se fingir de morto por seis meses. Como um relator da ONU de direitos humanos descreveu, as sanções são os cercos medievais do século 21.

Há ainda a questão dos dois pesos e duas medidas. Quando, em abril/maio a repressão do governo Duque na Colômbia causou 62 manifestantes mortos e quase 300 desaparecidos, em momento algum a Casa Branca esboçou qualquer reprimenda ao vassalo, quanto mais a inclusão na ‘Magnitsky’.

Ofensas

O chanceler Rodríguez também denunciou em discurso na tevê as pressões de Washington – que chamou de “ofensivas e humilhantes” – sobre seis nações europeias e oito latino-americanas para forçá-las a aderir a um documento mentiroso contra Cuba.

Washington também continua fazendo ouvidos moucos às denúncias sobre o envolvimento do governo republicano da Flórida no financiamento e divulgação de milhares de fake news e manipulação nas redes tentando insuflar um rompimento social.

O chanceler advertiu especialmente contra os planos de uma flotilha que pretende se instalar na fronteira marítima próxima a Cuba e alertou Washington a “agir com seriedade” para evitar incidentes que “não convêm a ninguém”.

“Ao que me consta que esse ministro não possui contas em bancos americanos e nunca me disse que estava interessado em fazer turismo em Miami”, rebateu o chanceler cubano, acrescentando que, sob esse aspecto, as sanções são “irrelevantes”, mas são relevantes quanto à “implicação política agressiva”.

“Reitero”, disse o chanceler Rodríguez, “que o governo dos EUA persiste em uma enxurrada de declarações hoje divulgadas, que são um claro exemplo de sua ingerência contra Cuba. O presidente Joseph Biden garante que continuará a ouvir os cubano-americanos. Seria bom se escutasse os cubanos que vivem em Cuba”.

Horas antes, o Twitter do Ministério das Relações Exteriores de Cuba publicou que mais de 400 ex-chefes de Estado, políticos, intelectuais, cientistas, clérigos, artistas, músicos, líderes e ativistas de todo o mundo solicitaram em carta aberta a Biden o levantamento imediato das sanções contra Cuba.

Também o jornal Granma registrou o contraste entre a solidariedade prestada por entidades e movimentos norte-americanos, com o envio de seis milhões de seringa para a vacinação contra a Covid, e a atuação da Usaid (agência ‘humanitária’ dos EUA, que o jornal descreve como a ‘cara pública da CIA) para dividir os cubanos. A Usaid grita aos quatro ventos que agora, para receber os últimos 2 milhões de dólares destinados à ingerência em Cuba, os interessados devem “adequar suas ‘propostas’ ao que ocorreu depois de 11 de julho”.

Ataques informáticos

O chefe da diplomacia cubana também denunciou o governo dos Estados Unidos pelas centenas de ataques informáticos perpetrados contra Cuba, desde o território dos Estados Unidos e com absoluta impunidade. “Nosso povo, e nosso governo, estão seriamente preocupados com a manipulação de informações e imagens, o que está acontecendo até agora”, disse.

O chanceler chamou de “mentirosos” aqueles que estão dizendo que há “torturados” e “desaparecidos”, instando-os a “apresentarem provas”. Esse sempre foi um dos orgulhos da democracia cubana e da revolução: de que não há torturados nem desaparecidos na Ilha, ao contrário do que foi quase a norma no continente.

Sobre a pandemia, Rodríguez denunciou que o mecanismo COVAX falhou miseravelmente no fornecimento das vacinas “acordadas e pagas”. O governo dos Estados Unidos sabia muito bem que este mecanismo não era viável para Cuba, disse o chanceler, que aludiu à forma como tem sido manipulada a questão cubana e o acesso às vacinas.

Western Union

Quanto às “remessas” de parentes e amigos que vivem nos EUA – questão que não concerne apenas Cuba mas também a imigrantes de vários outros países latino-americanos – Rodríguez enfatizou que não foi o governo cubano que as “limitou ou suspendeu”, mas uma ação tomada pelo governo Trump.

Rodríguez disse ainda que o governo dos EUA mente descaradamente quando afirma que o governo cubano se apropria de parte das remessas. “As remessas não são tributadas, não existem impostos, não existem tarifas. Quem estabelece a comissão de serviço não é o governo cubano, é a empresa [norte-americana] Western Union”, sublinhou.

Quanto aos serviços consulares, foi de Trump a iniciativa de quase zerá-los, ele lembrou, sob a alegação do ‘ataque sônico’ – que ninguém jamais comprovou, e sobre o qual há a hipótese até de se tratar de ruído de cigarras.